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Facebook

O Facebook está a desprioritizar as nossas histórias. Boa.

Uma sociedade que se limita a confiar num portal centralizado para se informar está, de muitas formas, tremendamente condenada.
Foto por David Paul Morris/Getty Images via Bloomberg

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.

Na quinta-feira, 11 de Janeiro, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, disse ao New York Times que a rede social está prestes a mexer no feed de notícias, para colocar ênfase nas "interacções significativas" entre amigos e familiares. Como resultado, o feed vai diminuir significativamente o número de publicações que vês de meios de comunicação, como a Motherboard ou a VICE.

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Boa.

Há muito que corriam rumores sobre esta jogada, que tem sido temida por muitos nesta indústria e vista como um apocalipse algorítmico prestes a acontecer. Como algo que terá um impacto profundo na própria sobrevivência de meios cujos leitores encontram e visitam através do Facebook. No entanto, a minha esperança é que saíamos disto com uma comunicação social muito mais saudável.

Nos últimos anos, os artigos que muita da indústria da comunicação publica - e até os formatos em que os publicam - têm sido ditados pelos caprichos dos gigantes da tecnologia, que parecem ter mais interesse nas experiências com os seus algoritmos, do que propriamente em servirem os interesses dos seus utilizadores. Já para não falar em servirem os interesses dos leitores das outras empresas de media. À medida que os anunciantes foram deixando os media tradicionais, com a promessa de publicidade direccionada no Facebook (e no Google), as empresas de comunicação social foram forçadas a alinharem-se cada vez mais com a sua maior ameaça.

Modelos de negócio inteiros nasceram e morreram com os ajustes do Facebook ao seu opaco algoritmo. Primeiro, as empresas perseguiram a viralidade do Facebook, sem se importarem com o conteúdo dos seus artigos; depois, fizeram vídeos com o propósito específico de perseguirem o "engagement" no feed de notícias da rede social; depois, o Facebook deu prioridade aos vídeos em directo, o que, numa situação, levou a que um jornalista de literatura do Washington Post comesse, literalmente, o seu artigo impresso no jornal em frente à câmera (mais tarde, a empresa começou a pagar a outras empresas para fazer estes vídeos, num projecto que não demoraria a ser cancelado).

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Reportagens e jornalismo sério, tornaram-se "conteúdo", sujeito a a testes A/B e promoções pagas. Pequenas alterações ao feed faziam com que as visualizações dos artigos subissem ou descessem; especialistas em analítica perguntavam a outros media: "Está toda a gente a ser fodida pelo Facebook, ou somos só nós?".

No fim, o Facebook não queria saber das empresas de comunicação social. Confrontado com o que é, provavelmente, a sua primeira crise existencial - o peso de ser considerado uma "empresa de media" e todas as responsabilidades que daí advêm, incluíndo ser acusado de ser uma plataforma de disseminação de "fake news", de uma campanha de espionagem russa e de "mexer" com os resultados das eleições norte-americanas de 2016 - o Facebook decidiu que não está talhado para o negócio das notícias.

No longo prazo, isto é bom. Para todos nós. Primeiro, porque, pessoalmente, é um alívio. Espero que nem eu, nem qualquer outro jornalista, tenha de voltar a preocupar-me um segundo que seja com o feed do Facebook. Mais importante, o jornalismo engendrado para ser viral, para ser gostado, ou apanhado por um algoritmo, não é jornalismo, é marketing. Um órgão de comunicação social cuja existência assenta somente num portal centralizado, está sujeito aos caprichos desse portal. E uma sociedade que se limita a confiar num portal centralizado para se informar está, de muitas formas, tremendamente condenada. A minha esperança é que o Facebook não seja tão importante como toda a gente acha que é e seja apenas o sítio da Internet onde, por acaso, as pessoas andam neste momento.

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Actualmente, o Facebook é a maior fonte de tráfego da Motherboard (e da VICE), tal como é de muitos outros meios de comunicação. A curto prazo, é certo que a jogada do Facebook nos vai prejudicar. Cortamos os nossos documentários de longa duração para vídeos de dois minutos do Facebook, fizemos Facebook Lives, pagámos ao Facebook para garantirmos que os nossos fãs realmente os vissem (uma vez, a minha mãe perguntou-me porque é que a Motherboard tinha deixado de usar o Facebook. Não tinha, mas durante meses o Facebook não mostrava os nossos artigos no seu feed, apesar de ela gostar da página).

No entanto, temos a sorte de ter uma equipa editorial, uma equipa de negócios e de pertencermos a uma empresa que sempre acreditou que a única razão para estar neste tipo de trabalho é contar as histórias que entendemos que são relevantes para os nossos leitores e para nós. Apesar de termos jogado o jogo do Facebook, na essência não mudámos o que somos enquanto publicação, o que gostamos, nem comprometemos a qualidade. Não perdemos de vista o que é importante: o nosso trabalho serve os nossos leitores.

Escrevemos histórias que nos interessam e as pessoas lêem-nas porque também se interessam por elas. Ao longo do tempo descobrimos que as nossas histórias mais populares - no Facebook e noutros sítios - são aquelas em que investimos mais tempo, aquelas que não encontras em mais lado nenhum, aquelas a que dedicámos mais esforço, recursos e atenção. As vossas histórias favoritas são também as nossas. A nossa esperança sempre foi e sempre será que o nosso trabalho sirva os nossos leitores e que encontre uma audiência, independentemente de onde esse trabalho venha.


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