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Tecnologia

Quando Meu Celular Morrer, Eu Não Vou Derrubar Uma Lágrima

É impressionante como a gente se afeiçoa a aparelhinhos que preenchem nossos dias.

Algumas semanas atrás, em um desses eventos corporativos que rolam em coberturas onde você ocasionalmente se vê enchendo a cara de gim, eu saquei meu celular para mostrar alguma coisa idiota e alguns cacos de vidro soltaram na minha mão, como se isso não fosse acontecer quando você usa uma tela quebrada durante um mês ou dois.

"Por que você não compra um celular novo?", perguntou meu novo conhecido (já em vias de sumir), ligeiramente chocado que alguém andasse por aí com um celular cuja tela se mantinha com pouco mais que um adesivo anti-risco.

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Bem, dinheiro é uma boa resposta, mas você não pode dizer isso, não quando um chef como Wolfgang Puck está servindo pratos na cobertura. Mas a outra resposta talvez seja mais constrangedora, e não tenho certeza do porquê: eu gosto desse telefone e, em vez de jogá-lo no fundo de uma gaveta, eu prefiro usá-lo até sua morte.

Se você é um desses sociopatas que não antropomorfizam ao menos um dos objetos ao seu redor, bem, sei lá, talvez você deva clicar em alguma das outras matérias desse site espetacular que você está lendo.

Mas para o resto de nós, gente normal, é fascinante o fato de nos afeiçoarmos a esses aparelhos cheios de necessidades e barulhinhos, principalmente porque seu ecossistema só cresce. A animação Futurama já tinha mostrado o que é se apaixonar por um robô, mas o que acontece quando você está meio ligado a uma dúzia de dispositivos eletrônicos que você acumulou pelos anos?

Finalmente, a criança que eles nunca tiveram. Imagem: Shutterstock

Eu não lembro a última vez que desliguei meu celular e, nas 17 horas do dia em que não está no modo avião, ele provavelmente está na minha mão ou no meu rosto, comigo vendo compulsivamente o Twitter, o Gmail ou algum site qualquer.

Não fique olhando com desdém porque você é culpado também: nós todos temos visto um monte de pesquisas confirmando que a maioria dos norte-americanos preferiria ficar um dia sem café ou álcool a ficar sem seus celulares, ou aquela velha informação de que 33% dos norte-americanos prefeririam ficar em seus celulares ao invés de transar. Não seria completamente insano concluir que os celulares estão destruindo os Estados Unidos e mesmo assim teríamos alguma relação emocional com esses aparelhos.

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Algumas vezes somos apegados ao celular dos outros. Uma ex-namorada costumava ter uma antipatia bem saudável pelos vários telefones da minha vida, chegando ao ponto de sugerir que eu preferia a companhia do meu telefone à dela quando terminamos (e, como se isso já não fosse triste, foi uma acusação justa).

Embora isso possa parecer absurdo na teoria – estamos conversando sobre objetos inanimados, certo? –, não é tão difícil assim entender, especialmente quando meu telefone recebe mais da minha atenção do que qualquer ser humano. Eu já tentei largar meu celular no cesto de frutas quando chegava em casa. Não vou mentir, eu tenho certeza que vi um sorriso alegre passar pelo rosto da minha ex quando eu derrubei água no meu Galaxy Note 2 em meio a uma tempestade que veio do nada durante um acampamento. Tudo isso é totalmente maluco, mas também é verdade: eu não vou negar que senti ciúmes quando ela ficava absorta pelo iPhone dela.

Tudo isso também é ciência. Nossa "antropoformização" de objetos, essa vontade de nos conectar a eles, tem sido bem estudada por anos, provavelmente porque há uma vasta quantidade de fabricantes e marcas interessadas nessa pesquisa. Por exemplo, uma pesquisa interessante de 2013, publicada no Journal of Consumer Psychology (o que você esperava?), encontrou que usuários que veem seus objetos como seres vivos estão menos propensos a substituí-los.

E aqui é onde entra uma implicação curiosa: você tinha pensado que, se fosse um fabricante de objetos, você estaria feliz em saber quanto seus clientes estão emocionalmente envolvidos a seus produtos. Mas o outro lado é claro: se eu amo tanto meu Nexus 5 – apesar da sua bateria mediana, sua câmera bem tosca e sua tela que fez meus dedos sangrarem umas trocentas vezes – a ponto de não trocá-lo, há vendas perdidas aí.

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Existem outros elementos também destacados em uma dissertação de 2010 do PhD Jesse Chandler, um pesquisador em psicologia da Universidade de Michigan. Em diversos experimentos, Chandler concluiu que "uma vez que um consumidor entra em uma relação com um objeto, a qualidade emocional da experiência dele com esse objeto é semelhante à qualidade emocional da experiência dele com outras pessoas", como já era de se imaginar…

Mas ele também identificou que essa é "a primeira evidência de que a antropoformização pode dissociar a qualidade dos produtos a intenções de substituição". Em outras palavras, se alguém acha que um celular é uma pessoa, mesmo que em nível emocional e subconsciente, ele estará menos propenso a substituir esse aparelho por outro modelo com maior qualidade, o que é "consistente com a conjectura de que consumidores podem hesitar a trocar possessões antropomorfizadas só porque elas não são mais confiáveis, assim como elas hesitam em substituir amigos mais próximos só porque eles ficaram velhos e chatos".

Então, enquanto pensar no seu celular como uma pessoa pode trazer consequências terríveis, até mesmo a morte em raras circunstâncias, os efeitos reais são mais sutis. Dez bilhões de dispositivos estão chegando na Internet das Coisas e, ao passo que vários desses serão sensores sem caras, outros tantos ficarão em nosso pensamento mais do que fazemos agora.

Designers sabem que antropomorfização e gamificação ajudam a aumentar nosso engajamento com dispositivos, o que significa que seu microondas um dia vai mandar pra você uma mensagem em que se lê "Bom trabalho!" pela primeira semana na dieta vegetariana. Pensando bem, eu teria problemas pra pensar num único aplicativo em eletrodoméstico que eu fosse realmente dar bola. Mas quando minha geladeira me disser para eu curtir a cerveja que eu acabei de pegar? Cacete, isso é amizade.

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Multiplique isso por toda a sua casa, ou todo o mundo, e adicione mais pesquisas em conexão de antropomorfização a objetos que tendem a se acumular, e você terá um panorama bem esquisito do futuro: um futuro em que estamos cercados por um enxame vibrante, animador e amigável de traquitanas digitais das quais não teremos vontades de nos livrar e cujas qualidades técnicas importam menos que suas habilidades de nos fazer sentir amados ou, ao menos, ouvidos e compreendidos.

Eu acho que piscou pra mim! Imagem: Nest

Acha que humanos não são tão facilmente manipuláveis? Odeio dizer isso, mas nós somos. Nós já estamos vendo isso nas redes sociais: já que algumas emoções são mais virais que outras, nossa percepção de nossas interações com amigos já está enviesada se comparada à vida real. Apesar disso, nossos estados emocionais ainda são sensíveis a perturbações nessas filtros ou bolhas auto-gerados, e nós estamos falando sobre texto numa tela!

Se e quando minha câmera, que tem rodado o mundo comigo, morrer ou explodir ou sei lá, eu vou ter problemas em não lhe dar um descanso louvável em alguma prateleira, onde ela vai viver pela eternidade como um lixo sugador de alma dos livros de Philip K. Dick. Quando meu celular finalmente morrer, eu provavelmente não vou derrubar uma lágrima, mas o fato de que eu ainda não terei substituído ele – apesar de ser objetivamente vergonhoso usá-lo até esse ponto – é uma evidência boa de que pode ser difícil se livrar de qualquer um dos nossos objetos.

Agora, se o futuro tiver um robô como a Rosie, dos Jetsons, isso não seria tão triste. Quem não se importaria e possivelmente não faria gastos irracionais para consertar um robô faxineiro? Mas, em vez disso, temos o DJ Roomba, termostatos que parecem com olhos humanos e, em breve, dezenas de pedaços e bugigangas desenhadas para brincar com nossa vontade de encontrar um amigo que vagamente se assemelhe aos tratos humanos: isso soa como um futuro infernalmente depressivo pra mim, mas pelo menos eu terei o ombro do meu liquidificador pra me apoiar e chorar.