​Epidemia de chicungunha não distingue ricos e pobres em Maceió
Na capital alagoana, onde apenas 35% da população tem esgotamento sanitário, são mais de 4 casos registrado ao dia – a maior parte deles na área nobre. Crédito: Alzir Lima

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​Epidemia de chicungunha não distingue ricos e pobres em Maceió

Na capital alagoana, onde apenas 35% da população tem esgotamento sanitário, são mais de 4 casos registrado ao dia – a maior parte deles na área nobre.

Em frente à casa da radialista Jacqueline Felix, de 43 anos, as obras de construção de um prédio de 18 andares não param. Ela mora a quatro quadras da praia de Jatiúca, bairro de Maceió, em Alagoas, que possui água tratada, esgotamento sanitário e uma das vistas mais bonitas da cidade. Além dela, vivem na casa o pai, a mãe e a tia. Na última semana de abril, toda a família contraiu a chicungunha – nome dado a quem sofre da febre do vírus chikungunya, transmitido pelo aedes aegipty – ao mesmo tempo.

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Os primeiros sintomas surgiram na tia Dulce Felix, a mais velha, de 80 anos. Começou com uma coceira no ombro, seguida de falta de apetite, febre alta e dores, descamação e inchaço nos pés e nos joelhos. Depois, foi a vez do pai, Manoel da Silva, de 73 anos. A mãe, Selma Felix, de 71 anos, foi a terceira vítima. A última foi Jacqueline, que também contraiu zika e foi quem mais sofreu com a coceira na pele, tendo uma forte recaída quase um mês depois dos primeiros sintomas.

"Minha irmã e minha cunhada vieram ajudar na alimentação da gente, a faxineira também passou uns dias ajudando porque ninguém se movia direito", conta Jacqueline, que também é professora universitária e se acostumou com os alunos justificando faltas por terem contraído a doença. "A gente andava feito pinguim, sem mexer as pernas. Teve dia que eu nem conseguia levantar a cabeça de tanta dor."

Selma, Manuel, Dulce e Jacqueline: todos pegaram chicungunha. Crédito: Alzir Lima

Nenhum dos quatro passou por exames laboratoriais. Os planos de saúde não cobriram o exame de sorologia, que detecta o vírus no organismo e no mercado particular custa R$ 500. Pelo SUS, apenas os casos mais graves da doença ou pacientes de grupos de risco, como as gestantes, são encaminhados para o laboratório. Só restou seguir as recomendações médicas padronizadas para os sintomas apresentados: água, repouso e paracetamol.

A família Felix é um exemplo de como a epidemia de chicungunha alastra a capital alagona sem distinguir ricos e pobres, idosos e jovens, homens e mulheres. Na média dos dados oficiais, 4,9 pessoas contraem chicungunha a cada dia em Maceió, onde apenas 35% da população tem sistema de esgotamento sanitário. Nos últimos meses, é a área nobre que concentra a maior incidência de casos. De frente para a praia, onde a cor esmeralda do mar atrai turistas do mundo inteiro, o bairro da Pajuçara aparece no topo do ranking.

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A razão, afirmam responsáveis pela saúde pública, é que os mais abastados não querem abrir a porta para os agentes verificarem piscinas e terrenos e fechados, além de serem os locais com maior número de obras de construção civil, terrenos ideais para o mosquito aedes aegypti se reproduzir. "Apesar das notificações constantes da Prefeitura, encontramos muitos focos nos locais de obras e a maioria dessas construções está hoje nos bairros da orla. Para você ver, o IDH da Pajuçara é semelhante ao da Suíça, mas para o mosquito não tem isso", afirma Fábio Henrique Peixoto, 26 anos, enfermeiro da Coordenação de Vigilância Epidemiológica de Maceió.

De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD/IPEA), a região metropolitana de Maceió apresenta uma das maiores desigualdades sociais do país, apesar de hoje possuir Alto Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Na capital, a diferença entre a expectativa de vida entre os bairros mais ricos e os mais pobres chega a 14,4 anos. Já a diferença entre a renda per capita média mensal chega a R$ 4.218,28 – varia de R$ 214,18 a R$ 4.432,46 no bairro da Ponta Verde, orla da capital, bairro vizinho à Jatiúca, onde mora a família Felix.

Obra em bairro rico da capital alagoana. Crédito: Alzir Lima

Número de casos confirmados dobra em um mês

Ao passear por Maceió, é difícil encontrar alguém que já não tenha recebido o diagnóstico ou não conheça quem tenha contraído a doença. O número de casos de chicungunha confirmados em 2016 na capital alagoana mais do que dobrou em apenas um mês. Eram 446 até 10 de junho. Um mês depois, a Secretaria Municipal de Saúde confirmou 953 casos.

Ainda que o cenário de epidemia seja inegável, as estatísticas possuem falhas. Segundo agentes de saúde, o mês de junho não foi tão trágico como os dados sugerem – na verdade, houve menos incidência do que nos meses anteriores. "Provavelmente houve falha na alimentação do sistema", aponta Fábio Henrique Peixoto. "As instituições são obrigadas a nos repassar todos os casos que elas registram e nós alimentamos o sistema online. Esse processo deve ter atrasado, porque, na prática, o que temos observado é a redução do número de casos nos últimos meses."

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Os registros de casos de chicungunha em Maceió são recentes. O primeiro caso foi confirmado em novembro do ano passado, quando o vírus foi isolado em laboratório. Até então, embora a doença já tivesse se espalhado pela América do Sul, não havia confirmações na cidade. Os 61 casos notificados em 2015, sendo 11 confirmados, se referem, na verdade, apenas aos dois últimos meses do ano.

Área de construção próxima à orla. Crédito: Alzir Lima

De lá para cá, os médicos de hospitais públicos e privados passaram a confirmar os casos de acordo com os sintomas característicos: febre e dores fortes nas articulações, que podem ser acompanhadas de coceiras, inchaços, pele descamada e outros indícios. E 90% dos diagnósticos, como prevê o protocolo do governo federal em situações epidêmicas, são feitos pelo "critério clínico-epidemiológico". O olhômetro.

Uma das principais dificuldades para lidar com a doença, diz o enfermeiro Henrique, é o despreparo dos serviços de saúde. Não há cadeiras de rodas para quem chega cheio de dores e, mesmo com todo o treinamento e protocolo nacional, muitos profissionais de saúde ainda não sabem como oferecer um atendimento adequado. "Não temos parâmetros para comparar", diz o enfermeiro Henrique. "Com a dengue, por exemplo, comparamos os números dos últimos dez anos. Com a chicungunha é diferente, é uma situação nova, um desafio muito grande."

Chicungunha mata

A maior preocupação da família Felix era com seu Manoel que é diabético e possui três pontes de safena. Para alívio deles, os sintomas nele acabaram sendo mais leves. Ainda assim, a incidência de casos em idosos é alarmante. A primeira morte decorrente da chicungunha em Maceió ocorreu em maio deste ano e foi confirmada após uma investigação padrão, que inclui exame laboratorial e entrevista com familiares. A vítima era um homem de 77 anos, hipertenso e diabético que morreu no hospital Unimed após ser internado com os sintomas da doença. Outras duas mortes de idosos relacionadas à febre já estão sendo investigadas na cidade.

Selma e Manuel. Crédito: Alzir Lima

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Assim como grande parte dos que contraem chicungunha, Manuel e familiares tiveram problemas para lidar com as dores. Quando os comprimidos de 6 em 6 horas não foram suficientes para aliviar, começaram a chegar dicas de amigos e conhecidos. "Primeiro trocamos o paracetamol pelo Tylenol e depois pela dipirona", conta Jacqueline. "Depois, um clínico geral me passou Nimesulida e para o caso de dores mais fortes, Tramal. Minha mãe chegou a participar de uma pesquisa com um grupo da Uncisal e tomou Diprospan associado a outro remédio, mas as dores não sumiram. Fui a um reumatologista que receitou injeção de Paracoxibe. E todos fomos tomando as mesmas coisas, até que as dores aliviaram. Então trocamos os remédios de farmácia pelos naturais."

Há mais de 35 anos trabalhando como infectologista, a médica Célia Pedrosa foi surpreendida pela epidemia e pelos efeitos da doença na população. "Quando a gente pensa que a saúde está avançando, chegamos a uma situação dessas. O que conhecíamos da chicungunha até hoje era que dificilmente o vírus levava à morte, deixava no máximo sequelas. Agora, no Brasil, começam a surgir mortes e nós devemos nos perguntar: será que essa quantidade de vírus circulando num mesmo vetor (o mosquito) está potencializando as doenças? Será que há troca genética entre eles?", questiona Célia. "Tudo o que sabemos por enquanto é que a gravidade mudou."

Em julho, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) confirmou a capacidade de transmissão do vírus zika em mosquitos Culex quinquefasciatus, o pernilongo doméstico, cujo potencial de transmissão pode ser aumentado drasticamente uma vez que a população do Culex é cerca de 20 vezes maior do que a do aedes aegypti. Os testes estão nas fases finais, mas já acende a luz vermelha para novas estratégias de combate à transmissão dos vírus da dengue, da zika e da chicungunha.

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Por enquanto, a eliminação da água limpa parada continua sendo o maior objetivo das campanhas Brasil afora. Para as ações de vigilância que incluem o combate ao mosquito aedes aegypti, o Ministério da Saúde repassou para Maceió em 2016 mais de R$ 2,1 milhões, além de quase R$ 546 milhões do Piso Fixo de Vigilância em Saúde. No âmbito nacional, o governo federal prevê um total de R$ 1,87 bilhão em investimentos até o final do ano no controle do mosquito.

Os remédios naturais que fizeram efeito para a família Felix. Crédito: Alzir Lima

O dinheiro, porém, ainda não conseguiu conscientizar a população sobre a tragédia vivida hoje no Brasil, segundo a infectologista e professora Célia Pedrosa. "O que se percebe é passividade de todos, da população, do governo, dos médicos. A dengue continua desenfreada, sem nenhuma política efetiva de controle. O Brasil se acostumou com a doença, já faz parte do calendário, naturalizou. E está começando a naturalizar a chicungunha também. Na rua, no shopping, você está sempre vendo alguém puxando uma perna, andando com dificuldade, claramente pelas sequelas da infecção."

Segundo ela, não se trata apenas de medida governamental: é preciso mais estudos. "O poder público, em conjunto com a academia, precisa dar uma resposta coordenada de saúde pública", diz Pedrosa. "A população não pode ficar solta nesse mar de doenças."


Disque Dengue: em caso de denúncias de focos do mosquito, ligar para 3221-2523 / 33155360 (horário comercial) Denúncias também podem ser feitas pelo aplicativo Juntos pela Saúde Unidades do SUS para pronto-atendimento em Maceió:

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*Colaborou Rafhael Barbosa