Se Alimentando de Sol: Humanos Podem Ser Modificados Para Fazer Fotossíntese?
​Crédito: Yoshikazu Takada/Flickr

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Se Alimentando de Sol: Humanos Podem Ser Modificados Para Fazer Fotossíntese?

Imagine só como seria se pudéssemos fazer como as plantas e nos alimentar diretamente da luz solar.

Imagine só como seria se pudéssemos fazer como as plantas e nos alimentar diretamente da luz solar. Com certeza nossas vidas ficariam mais fáceis: as incontáveis horas comprando, preparando e comendo algo seriam direcionadas para outras tarefas (e nem mesmo precisaríamos de ​Soylent​). Terras super-exploradas agriculturalmente voltariam ao seu ecossistema natural. Índices de fome, má nutrição e doenças ligadas à alimentação despencariam.

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Mas seres humanos e plantas já não compartilham um ancestral comum há centenas de milhões de anos. Quase tudo em nossa biologia é fundamentalmente diferente. Então parece que não haveria forma de nos modificarmos para realizar fotossíntese – ou haveria?

Biólogos especializados em sintéticos como Christina Agapakis têm explorado esta possibilidade a fundo, e até mesmo tentaram criar híbridos de animal e planta. Por mais que estejamos longe de conceber uma pessoa capaz de fotossíntese, novas pesquisas indicam um mecanismo biológico intrigante que poderia fazer este campo avançar.

O Laboratório Biológico Marinho de Woods Hole relatou semana passada que cientistas descobriram o segredo por trás da Elysia chlorotica, a brilhante lesma marinha que mais parece uma folha, mas na verdade é um animal. Acontece que a E. chlorotica mantém sua bela cor ao se alimentar de algas e piratear seus genes fotossintéticos. É o único caso conhecido de um organismo celular cooptando DNA de outro.

"Não teria como genes de algas funcionarem dentro de uma célula animal", disse o coautor do estudo Sidney K. Pierce, professor emérito da University of South Florida, em uma declaração. "E ainda assim, neste caso, funcionam. Eles permitem que o animal dependa da luz solar para se alimentar." Se nós humanos queremos modificar nossas próprias células para fazer fotossíntese, dizem os pesquisadores, talvez usemos um mecanismo similar.

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Quando falamos em nos aproveitar da energia solar, cabe lembrar que os humanos já passaram um bilhão de anos no rumo evolutivo contrário. Enquanto as plantas ficaram cada vez mais finas e transparentes, os animais ficaram mais densos e opacos. As plantas conservam sua energia ao ficarem paradas, mas nós gostamos de saracotear por aí – e precisamos de uma alimentação densa para isso.

Ao observar as menores escalas da biologia – nossas células e código genético – vemos que nem somos tão diferentes assim. É a estonteante convergência da vida em seu níveis mais fundamentais que permite feitos extraordinários como um animal que rouba a fotossíntese alheia. Agora, através do crescente campo da biologia sintética, talvez sejamos capazes de recriar tais eventos em um piscar de olhos evolucionário, tornando ideias biopunk como retalhos de pele fotossintética um pouco menos fictícios.

"Geralmente, ao se obter genes de um organismo e inseri-los nas células de outro, não dá certo", disse Pierce. "Mas quando tudo funciona, pode acontecer uma grande diferença da noite pro dia. É como uma evolução acelerada."

Com todo seu exotismo, as lesmas dos mar não são os únicos animais a terem roubado os segredos solares do reino das plantas. Há também o pulgão-da-ervilha, que, como documentado pela Nature em 2012, carrega uma espécie de mochila movida a energia solar usando pigmentos que captam luz conhecidos como carotenoides. E a vespa oriental possivelmente usa um truque parecido, com um pigmento chamado xantopterina, para converter luz em eletricidade. Mas nenhuma destas criaturas é realmente fotossintética – ambas são incapazes de transformar dióxido de carbono em açúcar.

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Mesmo assim, existem outros animais que de fato realizam a fotossíntese, mas através de relações simbióticas. O exemplo clássico é o coral; colônias de centenas de animais de corpo mole que carregam dinoflagelados fotossintéticos dentro de suas células. Da mesma forma, a salamandra manchada usa algas para alimentar com luz solar seus embriões enquanto se desenvolvem dentro de ovos.

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Dentre o punhado de animais que se bandeou pro lado verde, porém, a lesma do mar se destaca. Elas descobriram como se livrar do intermediário e realizar a fotossíntese sozinhas, ao paparem cloroplastos de algas – organelos fotossintéticos em forma de jujuba – e espalhá-los por seu trato digestivo. Consequentemente, os híbridos de planta e animal podem viver meses sem comer ainda além de luz. Mas como as lesmas mantêm suas fabriquetas de sol roubadas segue um mistério.

Agora Pierce e os coautores tem uma explicação. As lesmas, aparentemente, não só roubam os cloroplastos das algas, como também surrupiam esquemas de DNA. Em um artigo publicado no The Biological Bulletin, os autores usam uma técnica de imagens avançada para confirmar que um gene da alga V. litorea está presente no cromossomo da E. chlorotica. O gene, que codifica uma enzima usada para reparo de cloroplastos, provavelmente ajuda a lesma a manter intactas suas máquinas de luz solar tempos após a alga ter sido devorada.

A exploração genética talvez seja rara na natureza, mas cientistas a praticam em laboratórios há décadas. Ao alterar genes levando-os de um organismo a outro, criamos diversos novas formas de vida, do milho que cria seu próprio pesticida à plantas fluorescentes. Seria loucura então supor que poderíamos seguir o exemplo da natureza e incutir a fotossíntese em animais – talvez até mesmo em seres humanos?

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"Tentei vender essa ideia para a Marinha anos atrás", disse Pierce ao telefone. "Meu raciocínio era que, se conseguíssemos colocar cloroplastos na pele humana, talvez conseguíssemos deixar uma pessoa submersa para sempre." (A fotossíntese produz oxigênio, além do açúcar.)

A Marinha nunca topou, mas outros pesquisadores pensaram a sério no assunto. A bióloga, designer e escritora Christina Agapakis, que tem um PhD em biologia sintética de Harvard, passou um bom tempo pensando como criar novas simbioses, incluindo aí células animais capazes de fotossíntese. Como apontado por Agapakis em nossa conversa ao telefone, os predecessores das plantas cooptaram cloroplastos – que antes eram bactérias livres – eras atrás.

"Esta é uma história evolucionária que aconteceu há milhões de anos atrás", disse Agapakis. "Perguntamos o que aconteceria em uma escala de tempo menor." Ela então relembrou um experimento em que embriões de peixe-zebra receberam bactérias fotossintéticas. Impressionantemente, os peixes não morreram, nem as bactérias.

"Se injetássemos E. coli – mesmo que mortas – os embriões morreriam em uma hora", afirmou Agapakis. "Mas com a injeção de bactérias fotossintéticas, os peixes ainda cresceriam. Do ponto de vista evolucionário, parece haver algo de especial com a fotossíntese."

Foi uma demonstração fascinante de versatilidade biológica. Mas está anos-luz atrás da criação de um organismo que viva só de sol. O problema, explica Agapakis, é que é preciso uma área de superfície muito maior para capturar luz solar o bastante para se fazer uma refeição. Com as folhas, as plantas conseguem absorver uma quantidade gigantesca de luz solar relativa ao seu tamanho. Humanos, densos e cheios de carne, com proporções menores de área para volume, provavelmente não tem o que é preciso.

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"Se você está perguntando se eu poderia me tornar inteiramente fotossintética, eu diria primeiro que teria que parar de me mover por completo, e então ficar transparente", disse Agapakis. "Fizemos um cálculo para os peixes-zebra e descobrimos que precisaríamos de milhares de alga por célula para que funcionasse."

De fato a E.chlorotica faminta por sol seja a exceção que comprova a regra. A lesma evoluiu tanto para parecer e agir como uma folha, de tantas maneiras, que certamente é mais planta que animal.

Mas mesmo que não pudéssemos viver só de sol, quem dirá que não podemos complementar nossas dietas com um lanchinho solar de vez em quando? De fato, a maioria dos animais que faz fotossíntese, incluindo alguns primos da E. chlorotica, não dependem somente do sol. Elas usam suas habilidades mais como um tipo de gerador de reserva, para momentos em que o alimento é escasso.

"É um obstáculo contra a fome", disse Pierce. "Em termos ecológicos, a fotossíntese pode dar aos animais uma liberdade considerável."

Ou talvez pudéssemos criar um novo uso para a fotossíntese.

"Talvez houvesse só uma parte verde na sua pele, um sistema para cicatrização de ferimentos ativado por luz, por exemplo", disse Agapakis. (É uma baita ideia que cientistas já discutiram tomando umas cervejas, mas aparentemente ainda aguarda ser levada adiante). "Algo que não exija tanta energia enquanto humano."

Logo, ao passo em que não ficaremos solares de uma vez tão cedo – não antes de decidirmos por algumas modificações corporais dramáticas – ainda podemos deixar que o exemplo da natureza nos inspire. Ao menos celebridades com implantes de cabelo feitos de algas ou maratonistas cujos tons verdes lhes permitam dar uma espichada em um dia ensolarado não parecem tão distantes assim.

Tradução: Thiago "Índio" Silva