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Tecnologia

Como Vivi Sem Comida Por 30 Dias

O Soylent quer ser a comida do futuro. Mas ele é capaz de fazer com que nós, pobres mortais, fiquemos satisfeitos e ainda felizes com essa alimentação esquisita?

Era meu segundo dia de Soylent e eu sentia meu estômago como uma corda velha cheia de nós, apertando-se lentamente. Eu não estava com fome, mas alguma coisa estava errada. Eu estava cansado, com tontura e a energia baixa, mas meu coração estava disparado. Meus olhos estavam vidrados enquanto eu olhava pela janela da nossa SUV alugada, no caminho enevoado de Bay Bridge para Oakland. Um pouco disso era nervosismo, claro. Eu tinha 28 dias pela frente em minha dieta de um mês tomando somente Soylent – eu estava tentando bater o recorde de mais tempo vivendo do substituto de alimentos, atrás apenas do seu inventor – e já me sentia tonto.

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Estávamos indo para o quartel-general do Soylent, onde Rob Rhinehart, 25 anos, e sua equipe chacoalhavam a internet com sua famosa invenção – o shake macronutritivo que eles acreditam substituir a maior parte de nossas refeições. Essa é só mais uma das muitas visões atuais disputando a coroa do futuro da alimentação. Afinal de contas, a população mundial ainda está em expansão, 600 a 800 milhões de pessoas passam fome todo ano e o fantasma dos distúrbios alimentares está sempre rondando – a demanda por comida barata e nutritiva é maior que nunca.

O Google está investindo em carne in vitro, firmas de biotecnologia estão modificando geneticamente plantações com a promessa de colheitas mais robustas e o Vale do Silício está alimentando várias empresas de comida alternativa. E temos o Rob, que chegou dizendo que ninguém mais precisava comer, nunca.

A ideia de Rob para um shake de nutrientes digno de ficção científica surgiu da vida hiperativa de um solteiro apaixonado por ciência. Como engenheiro de software formado recentemente e aspirante a empreendedor, ele estava sempre muito falido para comer fora e sem tempo para cozinhar. Mas em vez de estocar a dispensa com um monte de miojo, como tudo mundo faz, ele pensou em reorganizar o ato de comer em si, tornando-o mais barato e eficiente. Ele estudou os padrões alimentares do governo e livros de nutrição – o Bioquímica de Jeremy M. Berg virou sua Bíblia – e adivinhou um conjunto de ingredientes básicos que forneceriam as calorias e nutrientes que o corpo humano precisa para funcionar.

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Então, num movimento irresistível para a mitologia fundadora do Vale do Silício, Rob viveu da sua gororoba amarela e cinza por 30 dias, sujeitando-se a testes de laboratório e escrevendo sobre os resultados em seu blog. O post de conclusão, "Como Parei de Comer", se tornou uma sensação na internet.

"Os primeiros dias foram estressantes", Rob me disse. "Eu me senti como que puxado para longe da costa, que não havia comida tradicional em meu corpo, só essa mistura de químicos criada com meu conhecimento rudimentar. Mas nunca me senti tão bem em toda a vida."

Logo, Rob tinha uma avalanche de interesse nas mãos, tanto de consumidores como da mídia – muitos estavam fascinados; as pessoas queriam saber a receita, os números, para que também pudessem superar a comida. Outros estavam ultrajados, considerando a busca de Rob por um substituto alimentar algo imprudente, quando não perigoso.

Rob estava pronto. Empregando um senso lógico imperturbável, depois do primeiro post, seguiu-se uma série de outros e, por fim, lançou uma campanha de financiamento coletivo. Em menos de seis meses, ele conseguiu traduzir seu experimento pessoal num negócio com mais de 2 milhões de dólares em encomendas.

O primeiro carregamento de Soylent chegou em meu escritório em Nova York num pacote branco da UPS – e o pó amarelado estava embalado em sacos plásticos Ziploc mais ou menos selados. Essa era a versão 0.7, ou algo assim, ainda em desenvolvimento. Parecia que alguém tinha me enviado uma caixa de alguma droga tosca. Essa interação com o Soylent estava além do beta.

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A substância parecia leite em pó, algo doce e salgado ao mesmo tempo. Alguns degustadores anteriores compararam-na ao sêmen, o que fazia sentido, também fizeram menções à massa de bolo e mingau de aveia cru. Era levemente desagradável, mas desceu bem goela abaixo; as versões seguintes se mostrariam mais palatáveis. Mas o gosto não era o que o Rob tinha a oferecer: ele me dissera que estava tentando fazer o Soylent ter o gosto mais neutro possível, algo que não enjoasse mesmo depois de dias e dias seguidos tomando apenas isso.

Ele também queria que seus clientes pudessem "hackear" o Soylent – adicionar frutas, vitaminas, medicamentos, álcool ou o que quisessem. Toda uma comunidade DIY surgiu em torno do Soylent; gente discutindo o produto no subReddit r/Soylent e no site Soylent Discourse que Rob montou, no qual os membros compartilham sugestões e receitas. O Soylent é essencialmente uma dieta inspirada por um sistema operacional de código aberto.

"Cuidado", disse minha namorada, Corrina, depois de protestar contra meu mergulho nesse Linux culinário. Meus amigos e familiares ficaram todos preocupados quando expliquei a abordagem do Soylent. "Você não sabe se isso é seguro", disse Corrina. "E também é uma ideia meio idiota."

Assim como os críticos mais ácidos, ela odiou o Soylent. Ela odiou saber que não iríamos comer juntos no mês seguinte, em casa ou fora, e ela adora cozinhar. Ela odiou a filosofia que impulsionou tudo isso; e ela era uma defensora ferrenha da alimentação saudável, alimentos integrais e da importância de comer junto.

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"Comer só pelos nutrientes é como fazer sexo só para procriar", ela disse.

Ela apontou, como muitos nutricionistas fizeram quando o Soylent começou a ser divulgado, que a nutrição é uma ciência que está sempre evoluindo e que ainda não sabemos exatamente como o corpo absorve os nutrientes. Sim, não há um quociente universal de nutriente e calorias, nem uma receita universal para abastecer o corpo.

"As afirmações que [Rob] está fazendo não são cientificamente fundamentadas", Joy Dubost, porta-voz da Academia de Nutrição e Dietética dos Estados Unidos, disse à revista TIME. "A composição que ele criou não será nutricionalmente adequada. Ele fez muitas suposições e isso não será algo sustentável para uma certa população, ou mesmo para um indivíduo."

Mas Jay Mirtallo, professor de farmacêutica do estado de Ohio, disse ao Washington Post que viver de alimentos líquidos é inteiramente possível. "É completamente possível", ele disse. "Mas não sei por que alguém ia querer fazer isso. Há muitos aspectos sociais na comida."

Apesar disso, coloquei os saquinhos de Soylent numa mala e fui para São Francisco. Alguns jornalistas e hackers curiosos já tinham provado o Soylent, mas ninguém tinha seguido rigorosamente os passos de Rob. Ninguém tinha repetido a façanha central da premissa de seu produto – que uma pessoa podia viver de Soylent por 30 dias e emergir mais saudável que nunca. Então, segui o Rob para dentro desse buraco de coelho sem comida.

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Acontece que a base do Soylent era um espaço empoeirado, no que fora antes uma fábrica de roupas, num antigo complexo industrial. Um milhão de dólares é muito dinheiro, mas não o suficiente para bancar uma equipe completa, suprimentos e instalações novinhas. (Embora Rob tenha ostentado um sequenciamento de genoma usado que ele comprou num leilão.) As paredes do lado de fora do prédios estavam cobertas de pichações coloridas, e um adesivo na porta era a única coisa anunciando o nome Soylent para o mundo externo. Eu estava com dor de estômago quando cumprimentei o jovem CEO e entrei no prédio.

A equipe de Rhinehart tinha isolado uma seção do enorme galpão com plástico; atrás, estava uma mesa cheia de tubos com os vários pós de nutrientes. Caixas da Amazon e de suprimentos químicos estavam empilhadas ao redor. Durante esse capítulo da evolução da companhia, os empregados passavam horas enchendo saquinhos espaciais prateados com um adesivo do Soylent colado na frente.

Acontece que a solução para minha náusea era algo simples. Eu não estava bebendo água suficiente. Na Fábrica, Rob me disse que esse é um erro comum; como o Soylent é um shake, as pessoas não acham que precisam beber mais líquido – um jeito fácil de ficar desidratado. Bebi um copo de água no armazém de Rob e, em seguida, tomei um gole da mistura mais recente de Soylent. Aí tomei outro copo d'água só para garantir – e me senti melhor instantaneamente.

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Rob Rhinehart é um cara alto, de mais de um metro e oitenta de altura, que geralmente usa jeans e uma jaqueta monocromática escura simples. Seus olhos azuis acinzentados se focam com uma intensidade discreta enquanto ele fala, e ele geralmente olha para o longe, pensativo, quando está quieto.

A atmosfera na fábrica desordenada estava cheia de energia cinética; Rob e seus colegas andavam pelo lugar, como você imaginaria o jovem Bill Gates fazendo em sua garagem, ou o Mark Zuckerberg digitando em seu notebook em Palo Alto – e, sem dúvida, os garotos do Soylent imaginam algo assim também.

Provavelmente, esse parece um capítulo inevitável de qualquer mitologia de startup tecnológico, quando as coisas são caóticas, otimistas e adoravelmente bagunçadas. É uma vertente vital do DNA de qualquer companhia do Vale do Silício. Amamos a mitologia dos nossos gurus empresariais e essa fase é algo importante; aqui, nossos titãs tecnológicos são brevemente humanos, antes de eles transformarem o mundo com produtos audaciosos e designs inéditos. Os homens do Soylent pareciam querer aproveitar essa mentalidade – eles jogavam futebol pela fábrica, rebatiam uma enorme bola inflável com um taco de basebol e se divertiam como, bom, caras jovens de vinte e poucos anos que acabaram de sair da faculdade.

Saí com a equipe do Soylent uma noite. Fui de táxi até uma festa numa casa em São Francisco e os encontrei sentados na calçada, passando latinhas de cerveja um para o outro. O ânimo estava alto – havia um barulho inegável em torno do projeto e a equipe estava estridente, eufórica e simpática. Eles me ofereceram uma cerveja e eu apertei a mão de todos. O plano era ir para a Bootylicius, um clube noturno de temática pirata. Alguém chamou um táxi van.

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Ouvimos alguns mashups de música pop no caminho até outro bar. Um dos amigos de Rob tinha me dito que o time já tinha uma certa reputação antes mesmo de atingir um nervo do público com o Soylent.

"Eles eram conhecidos como os manos do startup", o cara me disse com admiração. Ele não fazia parte da equipe do Soylent, mas ficou claro que queria fazer.

O time conversava com entusiasmo sobre um possível embate entre Rob e Michael Pollan – o evangelista alimentar cuja exortação, "coma comida, principalmente vegetais", é a antítese do Soylent.

Michael Pollan fala sobre comida na Pop Tech, via Flickr.

A equipe Soylent acha as ideias de Pollan irremediavelmente ultrapassadas, mas Rob insiste que o Soylent é ambientalmente sustentável. Isso é verdade. O Soylent é produzido com ingredientes vegetarianos; principalmente farinha de aveia e maltodextrina, um hidrato de carbono em geral derivado do milho. Só de evitar a carne, você já está aliviando seu fardo ambiental. Produzir carne é algo que drena o planeta – vacas, porcos e galinhas têm que ser alimentados, engordados e abatidos. É preciso mais de três litros de gasolina para produzir menos de 500 gramas de carne, por exemplo, e o gado usurpa aproximadamente 24% das terras cultiváveis do planeta.

Rob sonha que, algum dia, os ingredientes do Soylent sejam colhidos numa usina que usará a luz do sol para cultivar algas nutritivas. Mas, por enquanto, ele está transportando montinhos de pó através de um centro de distribuição. Como a maior parte de nossa comida é transportada da mesma maneira, pode-se dizer que o Soylent ainda é mais verde do que qualquer dieta não local ou não vegetariana – mesmo que Pollan não acredite nisso.

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"O Rob ia acabar com ele", diz David Rentlen, um dos primeiros membros do time Soylent, graduado na Harvard e candidato a PhD em biologia.

O próprio CEO se manteve calmo e contido durante toda a noite; enquanto seus compatriotas se embebedavam – um deles vomitou na sarjeta em certo momento – ele falava eloquentemente sobre tecnologia (redes wireless no mundo em desenvolvimento), startups que ele admirava (Uber) e suas ideias para o futuro da companhia. Ele queria mudar a fábrica para o Brooklyn, um lugar que ele adora, mas o time se opôs. Afinal de contas, o Vale do Silício fica logo descendo a rua.

Claro, a Soylent é uma empresa de tecnologia só no nome – apesar de um dos movimentos mais espertos de Rob ter sido apresentá-la como tal. Se ele tivesse divulgado o Soylent como um produto de alimentação saudável, você provavelmente não estaria lendo sobre isso no Reddit. Substitutos alimentares existem há décadas – Optifast, Ensure, Slimfast e similares entram e saem dos supermercados e farmácias. Mas esses são explicitamente pensados para perder peso, ou para o uso em situações médicas no qual a pessoa não pode ingerir alimentos sólidos.

Enquanto isso, o Soylent é divulgado como uma marca específica do estilo de vida moderno; uma vida tecnologicamente avançada para pessoas que já superaram essa coisa de mastigar folhas.

"Eu tenho uma memória de quando eu era muito novo. Acho que eu tinha seis anos. Eu estava comendo alface ou algo assim. E lembro de pensar que era muito estranho que eu tivesse que comer folhas sendo um humano", disse Rob. "Isso é para animais – por que tenho que comer isso?"

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O Soylent é uma comida rápida e hackeada, para hackers que valorizam a eficiência acima de tudo. É algo audacioso – um substituto totalmente voluntário para transformar o próprio modo de vida. Pense assim, o Soylent é um gadget, não um produto de saúde. Mesmo assim, a visão de Rob não exige a abolição completa da comida; ele imagina todos nós comendo duas ou três refeições por semana, como ele já faz, além do Soylent. Comer vai se tornar algo como beber álcool – uma coisa que fazemos de maneira recreativa com os amigos, ou como um hobby.

Mas aos olhos do governo, o Soylent ainda é um suplemento dietético tradicional, mesmo que o Rob defenda a total substituição da comida. Desde 1994, a Food and Drugs Administration regula suplementos diferentemente de alimentos – a menos que eles estejam introduzindo um "novo ingrediente nutricional", suplementos não precisam ser aprovados ou inspecionados antes de chegar ao mercado. Quando Rob falou com a agência, eles disseram que desde que ele usasse ingredientes previamente disponíveis, o Soylent estava pronto para ser vendido. E isso é notável, porque enquanto estávamos na fábrica da Soylent, vimos um rato.

Assistindo às filmagens de uma das entrevistas que fizemos dentro da fábrica do Soylent, notamos um roedor rastejando para fora de uma das áreas na qual os ingredientes são armazenados. O Soylent é repleto de guloseimas nutritivas; há sacos cheios de hidratos de carbono e um pouco disso parece sempre cair no chão enquanto a mistura é preparada.

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Lembro de assistir aquelas tomadas sentindo algo como um temor mudo – era só o terceiro dia; eu ia viver um mês daquele produto e os sacos que eles tinham me dado foram misturados na mesma sala onde estava aquele rato. O que já era alarmante o suficiente, mas levantou outras preocupações – será que a equipe estava dosando bem os ingredientes? Havia mais alguma coisa, além da higiene culinária, sendo negligenciada?

Naquela noite, saí para beber com a equipe num bar e restaurante onde as pessoas comiam hambúrgueres e fritas. Estranhamente, eu não estava interessado – o Soylent me deixava gastronomicamente satisfeito. Estávamos sentados no pátio do restaurante a menos de cinco minutos quando alguns ratos saíram correndo da cozinha – uma lembrança de que comer perto de parasitas não é nenhuma novidade.

"Quero ser totalmente transparente", Rob me disse por telefone, quando contei sobre a filmagem. Depois ele me mandou a seguinte declaração:

O espaço em Oakland era um escritório temporário e improvisado, com o qual não estávamos satisfeitos por várias razões. Nos mudamos assim que pudemos. O Soylent é feito numa instalação dedicada a corresponder ou exceder todos os requisitos e é rigorosamente testado em sua segurança e pureza.

Os dias quatro e cinco foram um pouco mais fáceis. Eu ainda me sentia um pouco instável, mas comecei a pensar se não era algo psicológico. Liguei para meu pai, que é médico, e ele me disse que sim, meu corpo poderia levar algum tempo para se ajustar a uma dieta radicalmente diferente.

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Quando voltei para Nova York, não senti desejo por comida. Não fiquei com fome e não amaldiçoei o Soylent. Eu ainda estava ansioso, claro, já que sentia falta das horas de almoço, jantares e de sair para beber. Descobri que meu corpo, quando abastecido por Soylent, não estava muito bem equipado para ingerir álcool. Eu ficava tonto, um pouco nauseado, mas não exatamente bêbado, se bebia mais de dois ou três drinques. Atividades físicas longas e intensivas não pareciam uma boa ideia e comecei a perder peso.

Alguns dos meus sacos ficaram infestados de mofo, mas isso não me incomodou; eu era um testador beta, e as embalagens ainda não estavam prontas. Os sacos tinham se furado em alguma parte do caminho, e a umidade entrou – o que destacou sua vulnerabilidade ao mofo, um ponto importante, já que Rob apregoa seus benefícios não perecíveis para o envio disso para lugares distantes.

Ainda assim, eu me sentia bem – até melhor do que antes. Em certos dias, eu ficava completamente grato ao Soylent; os dias lotados de prazos, entrevistas e edições para terminar corriam sem problemas, já que eu nunca tinha que sair da minha mesa. Nesses dias, eu abraçava o Soylent totalmente.

Eu fiz um diário. Esse é o Dia 9:

Continuo afirmando que não estou desesperado por comida ou algo assim. Longe disso. Isso está quase se tornando uma abstração; uma opção. Comida. Não sei se é porque não posso me permitir precisar disso, mas realmente sinto que não preciso de comida agora.

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E eu consegui manter um compromisso com a minha namorada. E se pudéssemos dar uma nova credencial para a visão de Rob, imaginando os benefícios de um futuro pós-comida? E se pudéssemos substituir os rituais do passado (e de hoje) centrados nas refeições por outros inteiramente novos? Sugeri que toda vez em que deveríamos estar fazendo uma refeição juntos, que fizéssemos outra coisa, algo social e produtivo. Dávamos uma caminhada, jogávamos xadrez ou trabalhávamos num projeto criativo, como a ideia de um roteiro que sempre tivemos na cabeça.

Um jantar na Matrix.

O conceito de produtos alimentícios nutricionais, embalados e sem gosto, é um tropo recorrente da ficção científica. Os humanos famintos de um amanhã imaginário têm sempre que comer wafers, pílulas e shakes para se sustentar. Às vezes, isso é visto como um avanço – as primeiras ficções científicas feministas imaginavam a comida em pílulas libertando as mulheres do trabalho na cozinha. Em outras palavras, isso é um fardo forçado distópico: saltando para Matrix, por exemplo, Keanu e seus amigos precisam engolir uma gororoba de nutrientes para sobreviver.

Soylent, claro, está mais associado ao Soylent Green de No Mundo de 2020, um filme de 1973 com Charleton Heston, que acaba com a revelação de que estávamos comendo uns aos outros. Rob, no entanto, insiste que batizou seu produto em homenagem ao livro no qual o filme se baseia – Make Room! Make Room!, de Harry Harrison – em que não existe canibalismo; só bifes soylent baseados em soja, os preferidos dos 30 milhões de residentes de Nova York.

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O Soylent, na verdade, funciona nos dois lados. Rob imagina que, por fim, seu produto se torne "um serviço público", saindo pela torneira junto com a água. Ninguém teria que ter fome, ele diz, e o Soylent pode ser uma forma barata de alimentar as massas famintas do mundo. Essa é, simultaneamente, uma ideia distópica e uma utopia tecnológica; alimentar o mundo todo com ciência, sim – mas com um shake de nutrientes sem gosto e sem graça que tira qualquer prazer de comer.

"Você não vai alimentar uma explosão populacional com fazendas orgânicas", afirma Rob.

Claro, essas condições distópicas não são tão absurdas – milhões de pessoas as enfrentam todos os dias. Mudanças climáticas estão ameaçando os recursos, limitando a produção de alimentos e desalojando milhões, o crescimento populacional continua, a desigualdade de renda está aumentando no mundo todo e os governos mais poderosos se paralisam em vez de reagir. Minha experiência com o Soylent se tornou um experimento de empatia tingido de ficção científica: você passa pelos cafés e restaurantes e não consegue entrar, partes inteiras de um quarteirão se tornaram alienígenas e eu ficava preso em casa, quando todos na cidade tinham saído. Essa já é a vida de milhões de pessoas hoje e será a vida para outros milhões no futuro.

Na terceira semana de Soylent, não comer começou a parecer algo normal. Fui ao médico e ele disse que eu estava saudável; eu continuava perdendo peso, mas nada sério. Ainda assim, considerando que a mistura do Soylent contém 2.400 calorias, tanto o Rob quanto o dr. Engel acharam estranho que eu estivesse secando. O dr. Engel disse que, dado meu peso, altura e massa corporal, eu só precisaria de 1.800 calorias por dia. Eu ainda podia estar me ajustando à dieta, ou podia ter um metabolismo tão hiperativo que, antes do Soylent, estava digerindo centenas de calorias extras todos os dias para manter o peso.

Até o 30º dia, perdi mais de 4 quilos, mas meu médico disso que tudo bem. Minha gordura corporal caiu para um dígito percentual. Aqui está tudo o que entrou em meu corpo durante 30 dias de Soylent:

  • 30 pacotes de Soylent, cada um contendo a refeição de um dia inteiro;
  • 9 cervejas;
  • 1 taça de vinho branco;
  • 2 metades de bebidas mistas;
  • 5 xícaras de café;
  • ¼ de xarope Nyquil e
  • 1 chiclete sabor laranja.

Só isso. O chiclete? Meu maxilar começou a doer na reta final, então imaginei que poderia exercitá-lo com um chiclete não nutritivo. Quanto ao café, eu teria passado sem ele na primeira metade do mês, mas Rob me encorajou a não desistir disso; o café parecia anfetamina com o Soylent, então eu bebia só de vez em quando.

Pessoalmente, eu mudaria para o modo totalmente Soylent. Isso se tornou um modo de vida. Se você é apático quando se trata de comida, como o Rob, viver de gororoba líquida economiza muito tempo e, sim, muito dinheiro também. E essa poderosa filosofia hacker por trás disso ajudou a manter o interesse no projeto vivo: a empresa acabou de atrair $1,5 milhões de investimento privado da Andreessen-Horowitz e Lerer Ventures.

As coisas continuam acontecendo rápido para o Soylent – no tempo que levei para completar a dieta, o time Soylent se mudou da instalação tosca em Oakland para escritórios novinhos em Los Angeles. E o Soylent está sendo produzido em massa numa fábrica em Modesto.

Minha primeira refeição depois da dieta foi frango frito gorduroso, uma coisa que eu estava com muita vontade de comer. Todo mundo me disse para não pegar tão pesado logo de cara – para tentar um iogurte antes, para facilitar as coisas – mas não. Eu queria a comida mais anti-Soylent possível. Então, mergulhei de cabeça.

Fiquei eufórico. Eu sentia a endorfina correndo por todo meu corpo, a pele do frango deslizando por meu esófago, o molho sujando meu queixo. O Rob, que se juntou a nós, falou sobre a tecnologia alimentícia; o frango estava sublime. Logo depois, eu me senti chapado. Por uma meia hora, fiquei sentado lá, completamente dominado, inconsciente de qualquer mundo sem comida fora do meu cérebro.

Por alguns minutos, o futuro não importava; o sabor e a conversa tomaram conta. A comida me ancorou ao presente glorioso, comer era tudo.