Comprando a Imortalidade com Bitcoins
​Crédito: Duncan Rawlinson/Flickr

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Comprando a Imortalidade com Bitcoins

Usuários de Bitcoin e transhumanistas são farinha do mesmo saco.

Em fevereiro, a SENS Foundation – um instituto de pesquisa de prolongamento da vida liderado pela cruzada anti-idade Aubrey de Grey – anunciou em seu website que passaria a aceitar doações em bitcoins.

A decisão foi tomada após a SENS ter começado a receber mensagens de portadores de bitcoins interessados em investir sua criptomoeda na jornada do instituto pela juventude eterna. Jerri Barrett, vice-presidente de divulgação da SENS e quem lia tais emails, primeiramente respondeu que eles não aceitavam a moeda. Mas a mensagens continuaram chegando.

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"Acabei montando um arquivo com todas a mensagens", disse Barrett via Skype. "Então decidi: quando receber outro email sobre bitcoins teremos que dar um jeito de aceitar." E assim foi.

O Bitcoin meio que pegou em tudo que é lugar, mas a história dos doadores em Bitcoin da SENS me chamou a atenção: é o mais recente em uma série de casos que ligam um interesse em criptomoedas com projetos de extensão da vida ou demais fins transhumanistas. Parecia haver uma ligação antiga e pouco conhecida entre as duas coisas.

Usuários de Bitcoin e transhumanistas são farinha do mesmo saco.

Esta conexão é caracterizada, por exemplo, pela Lifeboat Foundation, uma organização sem fins lucrativos dedicada a levar a humanidade à Singularidade ao financiar empreendimentos como proteção contra asteroides e upload de cérebros. Em 2013, ela publicou uma nota declarando seu compromisso com a criptomoeda: "Agora estamos trabalhando para que a maior parte de nosso financiamento venha na forma de dinheiro do Século XXI – dinheiro que não tem relação alguma com governos e sim algoritmos", dizia o texto. "O dinheiro do Século XXI na qual a Lifeboat está focada agora são as bitcoins."

Logo depois a organização ativou 13 carteiras digitais para receber contribuições em Bitcoin; hoje as doações chegaram a US$192.301,00 até a publicação desta matéria (valia muito mais antes da queda do Bitcoin no começo deste verão).

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Similarmente, a ​empresa de criogenia norte-americana Alcor tem permitido aos seus pacientes que realizem pagamentos em Bitcoin desde o final de 2012. O porta-voz da empresa me disse por email que poucos realizaram o pagamento dessa forma até então, uma delas foi o pensador cypherpunk Hal Finney, que morreu e foi preservado criogenicamente pela empresa no verão de 2014. Finney, um transhumanistas inveterado, também foi a primeira pessoa a receber uma transação em Bitcoin no ano de 2009.

O CEO da Alcor, Max More e algumas câmaras criogênicas. Crédito: Daniel Oberhaus

Um rápido passeio pela legião de sites e fóruns ligados ao transhumanismo e prolongamento de vida mostram que o Bitcoin é um tópico onipresente, ao ponto de um dos objetivos inicialmente apresentados pelo Partido Transhumanista Britânico em documento preparatório de seu manifesto era "[criar uma] criptomoeda mais sustentável".

Como pessoas que querem viver para sempre tem maior tendência para pagar por isso em bitcoins? Uma resposta comum é que usuários de bitcoins e transhumanistas são farinha do mesmo.

Trace Mayer, blogueira especializada em Bitcoin que integra o conselho econômico da Lifeboat, resume tudo em genialidade. "As pessoas envolvidas com Bitcoin são algumas das mais inteligentes do mundo. Elas tem QIs muito altos e são muito literadas. Da mesma forma, para entender a ciência por trás do prolongamento de vida você também tem que ser muito inteligente", disse via Skype. "Não é um interesse dos mais ordinários, são apenas pessoas inteligentes."

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Uma abordagem bem menos auto-congratulatória é que os credos tanto do transhumanismo quanto do Bitcoin tem um caráter tecno-entusiasta, e – no melhor da tradição hacker – ambos tem a ver com superar algum tipo de restrição. Se você topa bagunçar a biologia e viver pra sempre, provavelmente curte a ideia de usar dinheiro digital indetectável para subverter o sistema financeiro como o conhecemos também.

"Para muitos transhumanistas, a moeda digital soa tão natural como qualquer outra coisa pela qual se interessariam."

Isto também pode ser observado na história. Nos anos 90, um termo mais usado para determinado tipo de transhumanismo era "extropianismo".

"O principal dogma do extropianismo, era que o ser humano sempre deveria estar evoluindo e em busca de mais. Deixar os limites para trás rumo ao que há além", disse-me o filósofo transhumanista Amon Twyman. "Foi um movimento muito popular com os libertários, e durante algum tempo parecia que todos os transhumanistas eram libertários. E quando o Bitcoin surgiu, também pareceu ser uma tecnologia libertária."

Livrar-se dos papeis de bancos e governos em transações financeiras, de fato, era essencial ao projeto extropiano. O conceito de criptomoeda – chamado apenas de "cryp" – surgiu na principal mala direta extropiana no ano de 1992. Um dos envolvidos que desenvolveu as tentativas mais promissoras da tal moeda foi Hal Finney – o mesmo cara congelado pela Alcor. Este fato eventualmente causaria o surgimento da especulação de que Finney era Satoshi Nakamoto, inventor do Bitcoin.

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Twyman disse que mesmo que os transhumanistas de hoje não sejam necessariamente libertários como Ayn Rand, parte do legado extropiano segue. "Para muitos transhumanistas, a moeda digital soa tão natural como qualquer outra coisa pela qual se interessariam", disse.

Do ponto de vista puramente prático, algumas pessoas pensam que o Bitcoin pode ajudar a preencher os cofres destes laboratórios de pesquisa em prolongamento de vida de forma muito mais rápida. "O Bitcoin tem um potencial para redistribuir enormemente a riqueza de toda a economia global", disse Trace Mayer. "E os novos detentores dessa riqueza em Bitcoin provavelmente serão pessoas inteligentes interessadas em prolongamento de vida. Eles financiarão este tipo de projeto."

Agora, porém, não há sinal de que uma revolução em termos de financiamento esteja prestes a acontecer – ao menos quando se pergunta a Jerri Barrett, da SENS.

"Até o momento temos 20 doações em Bitcoin, em um total de 700 dólares. Convertemos as doações logo que possível, por conta da volatilidade da moeda", disse. "Aviso quando recebermos alguma doação bem grande"

Tradução: Thiago "Índio" Silva