A Arte de Não Morrer

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Tecnologia

A Arte de Não Morrer

A Alcor serve como lar para 129 pacientes que foram preservados criogenicamente em tonéis de nitrogênio líquido, esperando pelo dia em que a tecnologia tenha avançado o suficiente.

Dada a onipresença do fenômeno que conhecemos como morte, não é de surpreender que as pessoas ao longo das eras tenham feito de tudo não apenas para descrevê-la, mas também para prescrever a melhor forma de abordá-la. Este era o ímpeto por trás de uma série de antigos textos funerários, incluindo o Livro dos Mortos Egípcio, o Bardo Thodol, e o menos conhecido Ars Moriendi, um livro cristão medieval cujo título em latim pode ser traduzido como "A Arte de Morrer Bem".

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Caso um filósofo tentasse desenvolver um guia para o ato de morrer e a pós-vida agora – ou seja, em uma época em que a morte é cada vez mais descrita em círculos futuristas mais como uma doença terminal do que a finalidade das finalidades – por onde ele começaria? Para responder a esta pergunta, resolvi embarcar em uma jornada em busca do antídoto da modernidade para a morte. Esta busca trouxe-me a um discreto prédio escondido em uma área industrial de Scottsdale, Arizona.

O prédio pertence à Fundação Alcor Para Prolongamento da Vida, e por trás dos muitos centímetros de Kevlar e concreto reforçado que compõe suas paredes, a Alcor serve como lar para 129 pacientes que foram preservados criogenicamente em tonéis de nitrogênio líquido, esperando pelo dia em que a tecnologia tenha avançado o suficiente a ponto de que estes possam ser revividos e vagar pela Terra mais uma vez.

Um paciente na sala de operações. Crédito: Alcor

A Alcor congelou seu primeiro "paciente", a como se refere aos seus clientes, em 1976; atualmente uma lista de 1005 pessoas a serem "preservadas" pela empresa no ato de sua morte. Estas pagam uma taxa anual de cerca de 770 dólares, e então, no falecimento, 80.000 dólares para conservarem somente seus cérebros ou até 200.000 dólares pelo corpo inteiro. Há ainda clientes da Alcor adolescentes esperando para serem congelados, em alguns casos, com seus cães; comenta-se também uma crescente base de clientes na China. Talvez o mais famoso paciente da Alcor seja Ted Williams, do Hall da Fama do baseball, cuja cabeça é mantida em um dos tonéis menores. (Acusações à respeito de maus tratos com sua cabeça eram a base de um livro de 2009 com cara de tabloide que desde então foi desacreditado por estar repleto de mentiras.)

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A porta para as instalações foi destrancada para mim pelo Dr. Max More, futurista e filósofo que atua como CEO da Alcor desde 2011. More parece ser o tipo de cara que pode te quebrar ao meio sem muito esforço, mas independente de aparências, trata-se de um homem gentil. Ele é cuidadoso com as palavras e quando externa seus pensamentos, estes são expressados em um leve sotaque britânico, resultado de sua criação em Bristol e formação em Oxford.

Max fundou a primeira organização de bioestase na Europa, chamada Mizar Limited, e lançou aquilo que eventualmente se tornaria o Instituto Extropy em 1988, antes de se mudar para os Estados Unidos onde deu aulas de filosofia e completou sua dissertação na Universidade do Sul da Califórnia. Então casou-se com a Dra. Natasha Vita, outra notável figura no campo do transhumanismo, em 1996 e eventualmente foi morar em Austin, Texas, no ano de 2002. Após um passeio pelas instalações, Max e eu sentamos para conversar sobre a arte de morrer em um futuro sem morte e como vai o setor de reviver os mortos.

Motherboard: Então, como vai a Alcor?

Max More: Está crescendo, mas em passos lentos. Acho que é simplesmente desconcertante não sermos bem maiores porque já estamos no mercado há cerca de 42 anos. Houveram períodos de crescimento mais intenso, como no final dos anos 80 e começo dos 90, em que a taxa ficava entre 25-30%. Depois disso só caiu e chegou à casa dos dígitos únicos. De fato, deixamos de crescer há um ano ou dois atrás e acho que isso aconteceu porque as mensalidades aumentaram muito e a economia ia mal das pernas. A diretoria [da Alcor] queria reduzir a dependência das doações ao cobrar mensalidades maiores, mas foram longe demais. Diminuímos estes valores desde então, foram duas reduções e agora há descontos para estudantes e membros mais antigos.

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Quanto custa ser congelado por tempo indefinido?

Há mensalidades de associação principal que custam 530 dólares anuais e 180 dólares anuais adicionados no caso do plano Standby Amplo, o que basicamente significa que você está investindo neste fundo e em troca nós garantimos que independente de onde você estiver, estaremos lá. Acabamos de lançar uma nova regra que estabelece que se você incluir 20 mil dólares adicionais aos 80 mil ou 200 mil [preço para se congelar o cérebro e corpo, respectivamente] que você pagar, fica isento da taxa de AS. Isso realmente ajuda membros mais novos porque mais 20 mil dólares em um seguro de vida é pouco pra eles, se comparado aos 180 dólares pagos por ano.

Dei uma palestra há alguns atrás chamada "Junte-se .00004%" (porque somos poucos assim) e isso é ridículo pra mim. Há muitas outras ideias mais loucas por aí com muito menos financiadores e que recebem muito mais apoio, e nós temos provas concretas do que estamos fazendo! Existimos há quase 43 anos e temos apenas 1008 membros – isso não é muito. E por que isso? Obviamente que há alguns gastos, mas não acho que isso seja o mais importante.

Max More cercado por defuntos congelados

SE ESTIVÉSSEMOS TENTANDO FICAR RICOS, HAVERIAM MANEIRAS MUITOS MELHORES DE SE FAZER ISSO; ISTO É A COISA MAIS DIFÍCIL DE SE CONVENCER AS PESSOAS.

Qual o principal obstáculo?

Há grandes barreiras culturais e psicológicas a serem superadas e creio que assim serão com o tempo. A cirurgia de coração aberto sofreu muita resistência no início, bem como a anestesia – as pessoas aparecia com todo tipo de desculpas. Elas não queriam usar anestesia no parto – não se podia fazê-lo porque as mulheres supostamente tem que sofrer durante o procedimento, é castigo pelos seus pecados. É incrível o tipo de coisa que as pessoas racionalizam.

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A criogenia é um conceito especialmente difícil de se transmitir porque ela é complicada. Você tem que observar evidências e pensar sobre a morte, o que é bastante desconfortável para muitas pessoas. O pior é que não te damos uma resposta bacana e reconfortante. Não fazemos como a religião e dizemos "Ah, junte-se a nós e te traremos de volta com certeza". Isso seria desonesto, não podemos garantir isso. Depende do quão preservado você estava em primeiro lugar e não podemos mesmo garantir que a tecnologia para isso será desenvolvida. Há muitas incertezas e temos um contrato com páginas sobre estas incertezas, tentando alertar as pessoas do que pode dar errado, basicamente. E ninguém quer isso. As pessoas querem ter certeza de que tudo dará certo ou de que dará errado, para que possam ajustar seu pensamento a isso.

De qualquer forma parece que as chances são bem melhores do que se você for cremado ou enterrado a sete palmos do chão.

Sim, não deveria ser tão complicado, mas a psicologia infelizmente não funciona assim. Sempre me irrito quando alguém diz "isso é um golpe; você só quer ficar rico". Se estivéssemos tentando ficar ricos, haveriam maneiras muitos melhores de se fazer isso; isto é a coisa mais difícil de se convencer as pessoas.

Base de operações da Alcor

Mas dá pra ficar rico com isso?

Somos uma organização sem fins lucrativos e isenta de impostos, então ninguém lucra diretamente com isso; as pessoas recebem um salário e tudo mais, já a diretoria não recebe nada. Ninguém se beneficia diretamente de grandes margens de lucro, mas isso ajuda sim a organização pois queremos angariar recursos.

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Agora quanto ao destino da receita, há duas situações: a armazenagem de pacientes e o operacional. No operacional, estamos indo bem, na verdade. Estamos juntando nossos recursos, temos um fundo reserva, o que é bom porque talvez enfrentemos algumas batalhas legais – contra a legislação governamental, essas coisas. Então é bom ter esses recursos, mas não queremos aumentar as taxas e perder membros – há um equilíbrio aí. Não temos tanto dinheiro para um fundo de assistência ao paciente porque não sabemos quanto custará para trazê-los de volta à vida.

Temos, porém, uma boa noção do que é necessário para mantê-los lá. Então daqueles 200 mil dólares pago pelo paciente de corpo inteiro, após os gastos com cirurgiões, a espera, produtos químicos e tudo mais, 115 mil vão para o fundo de assistência. Esse montante só pode ser usado para este fim e é gerenciado por outra diretoria, a de Assistência ao Paciente. É tudo bem protegido, além de ser um processo único – nenhuma outra organização faz isso.

A ideia é que os 115 mil nunca sejam usados: só os juros ganhos em cima desse valor. Se não tocamos neste capital e o investimos corretamente, mesmo com pouco retorno em vista da inflação, o valor deve aumentar ao longo dos anos. Logo, se pudermos trazer as pessoas de volta, haverá bastante dinheiro para financiar esse processo.

Não temos ideia de quanto isso custará; pode ser bem barato se robôs fizerem tudo, ou então talvez seja muito caro. Com o dinheiro no fundo de assistência ao paciente, já que somos uma organização sem fins lucrativos, não podemos simplesmente dividir esse valor e dizer 'esta é a nossa parte, essa é a sua' e assim por diante – é um fundo comum. Temos fundos privados também, se nossos pacientes preferirem. De fato, há pouco tivemos um paciente com milhões de dólares na sua conta que não nos deixou nada, mas disse que caso o trouxéssemos de volta, nos daria um milhão – meio que um incentivo pra gente, imagino.

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Sala de operações da Alcor. Crédito: autor

O que há de novo na criogenia?

A Alcor está interessada em armazenagem de temperatura intermediária. A ideia é preservar as pessoas em uma temperatura um pouco mais alta, cerca de -130ºC, para prevenir fraturas. Não acho que seja um grande problema, mas para algumas pessoas é. Custa mais porque exige um sistema ativo para aquecer o nitrogênio líquido. Logo, não é algo que ofereçamos normalmente. Temos três pessoas preservadas através deste método, mais para fins de pesquisa, talvez torne-se uma opção mais adiante. Também estamos experimentando com ventilação líquida, algo que ainda não foi lançado de fato.

O que seria essa ventilação líquida?

Você já assistiu a O Segredo do Abismo de James Cameron? Eles respiram estes fluorocarbonetos ao invés de oxigênio, o que aliás é um meio bastante eficaz para transferência de calor, então é assim. Há um sistema sendo pesquisado para acelerar o processo de resfriamento do corpo e nós colocamos este líquido, este fluorocarboneto, para circular dentro dos seus pulmões. Estes órgãos tem uma grande área, e todos esses pequenos vasos que se alongam por uma região enorme – é como um campo de futebol se você o esticar, então o processo acelera o resfriamento corporal.

E quanto a trazer as pessoas de volta à vida?

Quanto ao ressuscitar, ainda falta muito. [A Alcor] Não está trabalhando muito em cima disso porque está muito acima do que podemos, de fato, fazer. Existe uma startup a qual não posso falar muito sobre que está trabalhando nesse sentido, tentando cultivar tecidos e órgãos. O campo da medicina regenerativa é muito relevante para o que estamos fazendo.

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Nos beneficiamos muito de outras áreas de pesquisa, como a nanomedicina e quem tenta preservar órgãos criogenicamente. Já conseguiram conservar, através da criogenia, o rim de um coelho, mantendo-o congelado por meses a fio e então descongelando-o e implantando-o no coelho, com funcionamento normal. Isso tem sido difícil de se replicar porque o produto químico exato, crucial, usado na solução, é fabricado por uma empresa que não existe mais e ninguém conseguiu reproduzi-lo corretamente. Seria ótimo porque essa seria mesmo a primeira vez que algo teria sido conservado criogenicamente e então trazido de volta à vida.

O processo pode ser feito com qualquer tecido individual – é muito comum agora congelarmos córneas, espermatozoides, óvulos – existem dezenas de tecidos que podem ser conservados desta forma e então reutilizados depois. Partir de um único tecido para órgãos inteiros é muito mais complicado.

Estamos ao menos perto de compreender como "requentar" cérebros?

O que imaginamos é que o cérebro seria reparado célula a célula, o que explica o porquê queremos minimizar o dano que fazemos porque há muitos neurônios a serem consertados. Sabemos que sob as condições certas, estamos preservando muito bem cérebros – podemos observar o tecido cerebral vitrificado de animais sob um microscópio de elétrons e tudo parece ótimo. Pode-se observar as membranas intactas, os neurônios conectados, parece perfeitamente conservado.

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Parece pior se não conseguimos aspergir o cérebro e nos deparamos com danos causados por cristais de gelo, mas isso não quer dizer que ele esteja arruinado. Ficaria feio pra gente, mas da forma como vemos, a habilidade funcional do cérebro se foi, mas a função em si não é crucial. O que importa é armazenar o suficiente da estrutura para que alguma tecnologia futura possa observar aquilo e dizer "esta membrana foi seriamente danificada, mas sabemos como consertá-la".

Tomografias de pacientes da Alcor indicam seu estado criogênico. Crédito: autor

PRECISAMOS DE UMA TERCEIRA CATEGORIA EM QUE OS MORTOS TENHAM DIREITOS… AGORA MESMO, OS PACIENTES SÃO, BASICAMENTE, PROPRIEDADE NOSSA; ELES NÃO TEM STATUS LEGAL DEFINIDO.

Por que a estrutura, ao invés da função, é tão importante?

Tudo que sabemos à respeito da personalidade nos indica que ela está armazenada nas mudanças físicas no cérebro. Com exceção de memória de curto prazo em que os últimos minutos são apenas atividade elétrica, qualquer coisa que dure mais que aquilo é guardado em mudanças nas conexões dos neurotransmissores dentro do cérebro. Isto é o que preservamos sob as condições corretas. Não estamos apenas articulando e nos baseando em fé aqui. Começamos um projeto para fazer tomografias de todos nossos pacientes neurológicos. Não podemos fazer o mesmo com os corpos de nossos outros pacientes porque são grandes demais para passarem pelas máquinas. As pessoas simplesmente presumem que a tomografia não funcionará ao ser realizada em uma lata de alumínio, mas no final das contas, funciona. Conseguimos obter leituras muita boas dos cérebros das pessoas e podemos monitorar nosso desempenho.

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O que significa morte pra você? A criogenia parece deixar de lado a noção binária tradicional de que ou você está vivo ou morto. Para os pacientes da Alcor, algum dos rótulos se aplica?

A primeira coisa que devemos notar é que o critério de morte muda ao longo do tempo. As pessoas pensam que morto é morto e pronto, mas não é tão simples assim. Há 50 anos atrás se alguém à sua frente simplesmente caísse porque parou de respirar ou seu coração parou de bater, poderia-se dizer que a pessoa esta morta – e acabou aí. Hoje temos que agir quanto a isso, e podemos, por meio de massagens cardíacas, desfibrilação, e por aí vai. Muitas vezes, a pessoa em questão volta à vida. Então ela estava morta? Não exatamente. Há casos de pessoas que foram declaradas como clinicamente mortas por horas e voltaram a viver, especialmente crianças, pois elas perdem calor mais rápido que os adultos. Elas caem em águas geladas e sua circulação e metabolismo desaceleram rapidamente, parecido com o princípio do que fazemos agora: desacelerando o dano e elas podem então podem ser revividas.

Há a morte legal, que é essencialmente quando um médico declara o óbito; há a morte clínica, que é quando seu coração para de bater e você para de respirar; e há então a morte biológica, que é quando as células realmente morrem e isso demora. Mas mesmo isso não é morte de fato, no sentido de ser irreversível, até que você passe do ponto em que será impossível te consertar – digamos, se te cremam. Se há o suficiente de estrutura, então você não morreu de verdade. É como alguém que está em coma profundo onde o metabolismo funciona, mas não existe atividade cerebral; é tipo isso, só que ainda mais profundo.

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Acho que precisamos de uma terceira categoria em que os mortos tenham direito, em que não seja certo descartá-los, mas de forma que eles ainda não possam participar de contratos e tudo mais. Agora mesmo, os pacientes são, basicamente, propriedade nossa; eles não tem status legal definido. Isso tem que mudar em algum momento. Tratamos nossos pacientes como pessoas, pessoas em potencial, mas a lei não – eles são vistos como doações de órgãos e amostras de tecidos.

Então se os mortos não estão exatamente mortos, qual seria a melhor forma de se encarar a morte?

Acho que o critério de informação teórica é bom. Se há o suficiente de estrutura, informação o suficiente sobre esta estrutura, células cerebrais em especial, a ponto de poder-se reparar o cérebro, então você é possivelmente recuperável.

A analogia que gosto de usar é a seguinte: digamos que você escreva um monte de coisa em um pedaço de papel e aí você pensa "puxa, isso é bem vergonhoso ou ilegal", ou seja lá o que for, então você decide rasgá-lo. Aí você pensa que está a salvo, que destruiu aquelas informações. O problema é que não. A NSA, por exemplo, poderia pegar aquele papel, escaneá-lo e rodar um algoritmo sobre ele, assim recuperando aquelas informações. Então você acha que destruiu o papel, mas é muito mais complicado destruir informações do que as pessoas pensam.

Uma analogia nessa linha se aplica ao cérebro. Mesmo que hajam muitos danos ao órgão, haverá algum ponto em que não se poderá ressuscitá-lo, mas não está claro que limite é esse. Você pode danificá-lo bastante e contanto que tenhamos algum programa similar para reconstruir o cérebro, você não terá morrido de fato. Seria difícil de se recuperar, mas não necessariamente irrecuperável. É complicado afirmar quando alguém morreu de verdade porque depende em que capacidades e informações temos para reconstruí-los. Acho que pode-se dizer, com segurança, que quando você virou cinza, aí sim é o fim.

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A sala de operações da Alcor. Crédito: Alcor

SE VOCÊ TEM ALGUMA CRENÇA RELIGIOSA, PORÉM, ACHO QUE NÃO HÁ NENHUMA INCOMPATIBILIDADE. QUEM RECUSARIA UM PROCESSO DE UMA CIRURGIA RADICAL QUE PODERIA SALVÁ-LO DO CÂNCER OU DE DOENÇAS CARDÍACAS?

As pessoas fazem funerais na Alcor? Não dá pra fazer um funeral de 'caixão aberto' naqueles receptáculos de metal enormes.

Nós mesmo não fazemos nada, mas depende da família do paciente o que farão. Provavelmente as coisas são diferentes se você não acredita que irão funcionar e provavelmente você trataria aquilo como como um funeral qualquer. Complica um pouco quando se acredita no processo: você está meio que se despedindo, mas com sorte, é mais um "te vejo mais tarde". Logo, você tem que lidar emocionalmente com o fato de que não verá aquela pessoa por um bom tempo, mas você não quer se desapegar de vez. Se é seu irmão ou irmã ou esposo ou o que for, talvez você queira escrever para ele ou ela uma vez ao ano. Nós mantemos registros para estas pessoas para que elas possam se inteirar do que aconteceu quando voltarem.

A maioria de nossos membros não é lá muito religiosa, por razões óbvias – se você crê em uma religião, então você acredita em vida após a morte, e pode parecer menos importante voltar. Você se vê pensando porque se incomodar em voltar à Terra se irá para um lugar bacana. Apesar de que não sei porque as pessoas acham que sabem como é o paraíso, de verdade. Ele não é descrito com precisão em lugar nenhum; parece bem chato pra mim. Ficar ali numa nuvem tocando harpa ou curtindo a glória de Deus parece-me entediante.

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Se você tem alguma crença religiosa, porém, acho que não há nenhuma incompatibilidade. quem recusaria um processo de uma cirurgia radical que poderia salvá-lo do câncer ou de doenças cardíacas? Cientistas cristãos, talvez, mas praticamente todo mundo toparia.

Parece que para tomar parte nisso você tem que acreditar que o futuro é o lugar em que você quer estar. Há algum otimismo inerente aqui, mas é meio esquisito ser otimista com a morte.

As coisas só melhoram. Pense em alguma época do passado na qual você gostaria de viver. Sei que pra mim não existe uma. As pessoas não percebem que hoje temos menos violência do que nunca, menos gente passa fome. A vida está melhorando e as pessoas vivem mais. Há altos e baixos, mas no geral, a vida está melhorando, então por que isso não continuaria? Então meu ponto de vista é que se nos dermos bem com isso e trouxermos as pessoas de volta, será em um mundo no mínimo tão bom quanto o de hoje, provavelmente melhor.

A principal objeção é que as pessoas temem que isso vá funcionar. Elas temem voltar a este mundo, sem conhecer ninguém, obsoletos e acho que isso realmente divide o público quanto a embarcar nessa conosco. Se amigos e família vem junto, como acontece com muitos de nós, você não ficará sozinho. Com a popularização deste serviço, é perfeitamente razoável imaginar que haverão pessoas treinadas para facilitar a reintegração à sociedade, um misto de psicólogo com assistente social, ou talvez só implantem o conhecimento necessário. Não é um grande problema. Se você tem uma mentalidade aventureira, não se preocupa muito com isso.

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A MORTE É O FIM DA CRIATIVIDADE, DO AMOR – TUDO SE VAI, E É POR ISSO QUE É RUIM, NÃO PORQUE HAJA ALGO DE NATURALMENTE RUIM NELA.

Caso estas pessoas voltem, elas serão as mesmas?

Minha visão se inspira no trabalho de Derek Parfit em Oxford. Sua abordagem essencial é um refinamento de outras abordagens anteriores. John Locke propôs que você é o mesmo ao longo do tempo caso tenha memórias ao longo deste tempo e eu acreditava que isso estava certo, em partes, por que, o que significa exatamente o termo memória? Você tem a memória declarativa, a memória processual, e assim por diante, e Parfit afirmava que se você pegar estes diversos aspectos psicológicos, memórias, disposições e valores, podemos lhe considerar a mesma pessoa no decorrer do tempo se existem conexões o suficiente entre você em 2004 e você em 2014, por exemplo. Se há coincidência o suficiente a qualquer ponto do tempo, por mais que o critério exato possa ser meio confuso, você é um indivíduo contínuo.

É possível que você sofra um acidente e sua cabeça sofra danos severos, e então talvez você perca a memória ou sua personalidade mude drasticamente – legalmente ainda poderemos dizer que você é a mesma pessoa, mas você não é. Ser o mesmo indivíduo é uma questão de graus. Não é o seu corpo – não é ele que diz quem você é.

Quando você fala do "eu", do que está falando?

Você é um conjunto de todas as suas características psicológicas, memórias, valores, todas aquelas coisas que te fazem agir de determinada forma. Não existe alma tangível, não tenho qualquer utilidade para o conceito de alma. Esta é uma ideia bem peculiar que ninguém nunca conseguiu com que fizesse sentido para mim. De que vale uma alma?

Então no caso de uma morte da informação, o que você acha que acontece com esse "eu"? Você teme esse tipo de morte?

Eu não estou lá. É até mesmo complicado dizer que estou morto, porque não estou. Uma coisa que acho que as pessoas entendem erroneamente sobre a morte é que elas creem se tratar de um estado condicional. Eu não tenho medo da morte. Isso nem mesmo faz sentido pra mim, como eu poderia ter medo da morte? A morte não é nada além de não existir.

O que não gosto da morte não é o fato de que se trata de algo para se temer ou tratar como uma experiência ruim, o que há de ruim nela é o fim de todas as experiências. É o final de tudo que gosto – é o fim da criatividade, do amor –  tudo se vai, e é por isso que é ruim, não porque haja algo de naturalmente ruim nela. Então realmente não temo a morte nesse sentido; tenho medo de morrer. Tenho medo de morrer uma morte horrenda em que eu sofra, não temo estar morto. Isso é incoerente, não faz o menor sentido.

- @DMOberhaus

Tradução: Thiago "Índio" Silva