​"As temperaturas vão aumentar por pelo menos 20, 30 anos"
O climatologista Paulo Artaxo, um dos cientistas mais influentes do mundo, no calor de SP. Crédito: Guilherme Santana/VICE

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​"As temperaturas vão aumentar por pelo menos 20, 30 anos"

Paulo Artaxo, um dos cientistas mais influentes do mundo, explica por que fará mais calor em 2016 do que em 2015 – e por que será ainda mais abafado em 2017, e mais ainda em 2018, e mais ainda em (...)

A gente ouviu muitas queixas sobre o ano passado, mas não custa nada reclamar sobre 2015 ter sido o ano mais quente já vivido pela raça humana. Batemos recordes de temperaturas de mais de 40°C fora de época, o caos climático motivou uma série de imigrações em massa, as secas na África Subsaariana estão cada vez mais intensas e, como se isso não bastasse, as guerras também estão piorando o já castigado meio ambiente, segundo os pesquisadores que afirmam que os conflitos armados na Síria estão causando grandes tempestades de areia.

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Para entender o tamanho e o futuro desse caos, conversamos com um dos cientistas mais renomados da área, o doutor em física atmosférica Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, tido como uma das "mentes científicas mais influentes do mundo" de 2015, segundo a Thompson Reuters.

Aos 62 anos e com mais de 30 de experiência na observação de mudanças climáticas e estudos do ambiente amazônico, ele nos deu um panorama nada animador: bateremos seguidos recordes de calor nos próximos anos – mesmo que os países cumpram seus acordos de redução de emissão de gases. "A previsão é de que, como as emissões de gás de efeito estufa continuam a aumentar, a física do clima mostra claramente que as temperaturas vão continuar a subir. Ou seja, 2016 vai ser mais quente que 2015, 2017 maior que 2016, assim por diante."

Mesmo diante dessa previsão, ele se mostrou um otimista com relação ao futuro da preservação do meio ambiente e falou sobre as medidas cabíveis para tornarmos o planeta mais saudável. Além do clima, aproveitamos o papo e falamos sobre o projeto da Torre ATTO (Torre Alta de Observação da Amazônia, na sigla em inglês) na Floresta Amazônica, do qual ele é coordenador, sobre a COP21, conferência dedicada ao clima que aconteceu em Paris no fim de 2015, e o papel do Brasil nas pesquisas sobre meio ambiente.

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Motherboard: 2015 foi o ano mais quente de que se tem registro. Podemos afirmar quais fatos foram responsáveis por essa marca?

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Dr. Paulo Artaxo: Esse recorde de temperatura em 2015 é causado por dois fatores. O primeiro é o aumento gradual que nós já estamos observando nos últimos 150 anos na temperatura média do planeta como resultado das emissões de gás de efeito estufa pela queima de combustíveis fósseis. A segunda razão é que 2015, a segunda metade de 2015, foi um ano em que nós tivemos um forte El Niño que causa aumento da temperatura na maior parte do planeta. Na verdade, foi a conjunção desses dois fatores, mas o que é importante observar é que o nosso planeta está em franco processo de aquecimento e que esse aquecimento vai continuar ao longo das próximas décadas.

O que esse aquecimento significa em termos práticos?

Significa que as temperaturas já estão aumentando. O nosso planeta já se aqueceu em média 1°C, o aquecimento médio do Brasil foi 1,5°C, o que é um aumento de temperatura muito significativo para o funcionamento em geral dos ecossistemas. Nós, como nós nos adaptamos, digamos assim, mais facilmente a aumentos de temperatura, você praticamente pode só sentir um dia ou outro com excesso de calor ou coisa do tipo, mas para o funcionamento do ecossistema, onde entra toda a parte da biosfera, plantas, solo, bactérias do solo, um aumento médio de temperatura de um grau e meio é um aumento muito expressivo. Esse é o primeiro fenômeno. O segundo fenômeno é que também estamos observando um aumento da frequência de eventos climáticos extremos. Secas fortes, inundações fortes, tufões, furações, tornados, assim por diante. Então essa é uma das previsões que as mudanças climáticas poderiam trazer ao nosso planeta e efetivamente isso está ocorrendo no planeta inteiro.

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A previsão é de que 2016 seja ainda pior. Por quê?

A previsão é de que é o seguinte: como as emissões de gás de efeito estufa continuam a aumentar, a física do clima mostra claramente que as temperaturas vão continuar a subir. Ou seja, 2016 vai ser mais quente que 2015, 2017 maior que 2016, assim por diante, com exceção de anos onde ocorrem fenômenos climáticos de larga escala, como o La Niña e o El Niño, que alteram esse padrão de crescimento de temperatura. Mas veja que o acordo de Paris de limitação de emissões de gás de efeito estufa coloca que as obrigações nacionais dos países devem começar a ter efeito em 2020. Portanto, temos um período ainda em que as concentrações de gás de efeito estufa vão continuar aumentando e isso vai intensificar o aumento da temperatura e isso vai durar pelo menos nos próximos 20 ou 30 anos.

"Os compromissos que foram feitos no acordo de Paris são importantes, mas são insuficientes para garantir uma estabilidade mínima do clima nas próximas décadas."

Esse tipo de conferência do clima, como a que aconteceu em Paris, pode amenizar a questão do aquecimento global?

Veja, na verdade, esse é um problema global que só pode começar a ser resolvido com políticas públicas de nível global. Então os países se comprometeram, em média, a reduzir suas emissões de gás de efeito estufa em torno de 40, 45% em média para todos os países. O Brasil, por exemplo, se comprometeu a reduzir suas emissões em 42% em 2025, comparado com os níveis de 1995. Então cada país fez uma promessa, um compromisso diferente de redução. Acontece que se todas essas promessas de redução de gás de efeito estufa derem certo e forem implementados, o nosso planeta ainda vai aquecer cerca de 2,7°C, o que é um aquecimento muito forte. Então para estabilizar o aumento da temperatura em níveis, digamos, seguros, da ordem de 1,5°C até 2°C, teríamos que reduzir as emissões de 70% a 90%. Então os compromissos que foram feitos no acordo de Paris são importantes, são muito relevantes, mas são insuficientes para garantir uma estabilidade mínima do clima nas próximas décadas.

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Então esse tipo de conferência não tem muita eficácia?

É evidente que as conferências são absolutamente essenciais. É o único fórum onde questões como essas podem ser resolvidas, mas obviamente precisamos ir além disso. Não adianta só compromissos individuais de países serem implementados sem que haja um sistema de governança global que possa vigiar, acompanhar a implementação dessas INDCs (Intended Nationally Determined Contributions) para cada país dessas obrigações de reduções para cada país. Não há um sistema que possa julgar um país. Por exemplo, se o Brasil não cumprir a sua promessa de reduzir suas emissões em 42%, obviamente não há nenhum sistema de governança que possa punir esse país, que possa cobrar multas ou que possa forçar essa implementação hoje. Isso não pode ser dessa maneira por razões óbvias. Agora, para isso, vamos precisar implementar um sistema de governança global que ainda vai ter que ser desenhado. Isso vai demorar muitas décadas, mas como globalizamos a economia do nosso planeta, também vamos ter que globalizar o gerenciamento dos recursos naturais do nosso planeta e isso é o que nós estamos discutindo agora.

Qual a importância do Brasil nesses acordos?

O Brasil, sendo uma economia muito importante no sistema econômico global, tendo uma população muito relevante, uma área enorme nas regiões tropicais, tendo uma Amazônia que realmente tem um impacto muito importante no clima global, é um parceiro, um agente absolutamente estratégico nas mudanças climáticas globais. Países como China, EUA, Brasil, Índia, Rússia, são países extremamente importantes. O conjunto desses cinco países são responsáveis por cerca de 60% das emissões globais de gás de efeito estufa, então se esses cinco ou seis países não cumprirem suas obrigações como comprometido, teremos sérios problemas com a estabilidade do clima no nosso planeta. Não só ao longo das próximas décadas, mas ao longo dos próximos séculos.

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Crédito: Guilherme Santana/VICE

O que explica o verão frio que estamos vendo em São Paulo e as temperaturas de 40°C que vimos ano passado fora de época?

O sistema climático é caracterizado por enormes flutuações naturais. Um dia faz muito frio, outro dia é muito quente, alguns dias chovem muito, outros pouco. É um sistema caótico caracterizado pela imprevisibilidade, por isso que não adianta querer ter 100% de precisão na previsão do tempo ou do clima, nunca se vai conseguir isso, e é também caracterizado por uma alta taxa de variabilidade. Agora, o quanto dessa variabilidade é natural e quanto é causada pela ação humana? É muito difícil responder essa questão de uma maneira clara e inequívoca. Nós não conhecemos todo o funcionamento físico, químico e biológico do sistema climático. A ciência ainda tem que avançar muito nessa direção. Hoje nós entendemos processos que há 20 anos não tínhamos a menor ideia. Temperaturas altas ocorreram em setembro de outros anos, o que estamos observando é que, estatisticamente, por exemplo, há aumento de chuvas extremas, com mais de 100 milímetros, quando num dia cai o céu e chove muito forte. Tem razões físicas para isso. Se a temperatura global do nosso planeta está aumentando, tem mais energia para ser dissipada no sistema climático e uma das maneiras como ele dissipa é por meio dos eventos climáticos extremos.

Existem razões mecânicas para justificar essas alterações que nós estamos observando. Agora, é claro que parte desses eventos climáticos extremos acontece pela componente natural da variabilidade natural do clima. Daqui 20, 30 anos talvez a gente consiga separar o que é causado pelas mudanças climáticas do que é variabilidade natural. Hoje não temos essa resposta. Isso vai depender muito da ciência e da ciência feita no Brasil. Veja o caso de São Paulo, onde estamos agora. Há 500 anos, isso tudo era floresta, hoje tem 20 milhões de habitantes morando aqui, tem asfalto, prédio, por isso não podemos esperar que o clima seja o mesmo de 100 anos atrás. O homem está mudando o clima faz tempo. O estado de São Paulo hoje é plantação de cana para todo lado, isso altera a superfície, transpiração, uma série de fatores que influenciam no clima da região. É um conjunto de fatores que mostra que estamos mudando a face do nosso planeta.

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Como o senhor vê o desenvolvimento dessa área de pesquisa sobre mudanças climáticas no Brasil?

Tem crescido de uma maneira intensa. O Brasil tem um papel forte, de liderança nas mudanças climáticas globais, isso é muito claro hoje. O Brasil tem um impacto muito importante nas discussões de estratégia de redução de gás de efeito estufa e na parte científica tem um impacto muito importante no IPCC, que é o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. Agora precisamos aumentar o número de pesquisadores brasileiros nessa área, precisamos entender melhor o funcionamento dos ecossistemas brasileiros para que a sociedade brasileira e população tenham uma estratégia de combate às mudanças globais e possam se adaptar às mudanças globais da maneira mais eficiente possível. Esse é um caminho que ainda vamos ter que traçar.

"Precisamos de políticas públicas estáveis com longo prazo que possam combater essas distorções do sistema energético e do sistema produtivo brasileiro."

O que falta para chegar lá?

Falta muito trabalho, falta incentivo de governo, uma estratégia de média e de longo prazo de como o país vai se adaptar às mudanças climáticas, faltam instrumentos de implementação de políticas públicas para que nós possamos, por exemplo, implementar políticas de transporte coletivo de qualidade para a população das maiores cidades brasileiras. Por exemplo, a cidade de São Paulo tem sete milhões de automóveis. Isso é absolutamente insustentável sob qualquer critério. Precisamos de políticas públicas estáveis com longo prazo que possam combater essas distorções do sistema energético e do sistema produtivo brasileiro.

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Como conciliar as prioridades de desenvolvimento, de tecnologia, economia e política com as questões de mudanças climáticas?

Está mais do que provado que não há nenhuma contradição entre ter uma economia sustentável e uma economia eficiente. Basta ver países como a Dinamarca ou como a Alemanha, que já têm uma fração grande da sua produção de energia em formas de energia renováveis, energia eólica ou energia solar, por exemplo. Essas nações estão tendo um sucesso econômico muito grande. Na verdade, o contrário é que vai ocorrer no futuro: países que saírem na frente aproveitando seus recursos naturais renováveis vão ter vantagens estratégicas muito importantes no desenvolvimento ao longo das próximas décadas. E o Brasil tem um papel fundamental nisso porque temos um enorme potencial de energia solar no Nordeste brasileiro e energia eólica numa enorme parte da costa brasileira que ainda está totalmente não aproveitada. Temos que parar de construir grandes hidrelétricas e investir mais em diversificação da nossa matriz energética com maior parcela de energia solar e energia eólica. Com isso, a gente tem melhor estabilidade na produção de energia, energia mais barata e mais sustentável a médio e longo prazo, que vai favorecer muito o desenvolvimento econômico brasileiro.

Esse investimento está sendo feito de uma maneira lenta ainda. O que vemos é que o Brasil está começando, engatinhando na implementação de uma política voltada para a sustentabilidade da produção da energia elétrica, mas nós precisamos acelerar esse processo. Explorar energia solar em grande escala, explorar energia eólica em grande escala, você tem que fazer uma descentralização industrial para que não tenha que produzir energia na Amazônia para ser consumida aqui no Sul do Brasil, tem que produzir energia eólica e energia solar no Nordeste brasileiro e fazer uma política industrial que incentive indústrias a utilizar essa energia próxima de onde ela é gerada. Isso reduz o custo e aumenta a produtividade dos produtos brasileiros. É extremamente importante que a gente tenha uma ação de médio e longo prazo nessa direção.

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O senhor se dedica muito a estudar a Amazônia. Como avalia o atual cenário da região?

O Brasil desmatou cerca de 17% a 19% da área da floresta original. A gente pode ler esse número de duas maneiras: lamentar essa porcentagem ou imaginar que 80% da floresta Amazônica está lá hoje exatamente como na época do descobrimento. Nós temos 80% de uma floresta de 5,5 milhões de quilômetros quadrados que representa uma área enorme, tem uma quantidade de carbono armazenada nessa biomassa gigantesca e que nós temos que saber cuidar bem desse patrimônio que pertence a todos os brasileiros. Então políticas públicas que reduzem o desmatamento a praticamente zero são extremamente importantes que sejam feitas junto a incentivos econômicos para que dê uma saída econômica para a população que mora na região amazônica. Não é só tratar a Amazônia como se fosse um parque, um gigantesco parque a ser preservado, mas também tem que dar uma estratégia de desenvolvimento para a região. Isso ainda não se conseguiu, mas espero que seja conseguido num futuro muito próximo.

"Temos que parar de construir grandes hidrelétricas e investir mais em diversificação da nossa matriz energética com maior parcela de energia solar e energia eólica."

Como foi o projeto da construção da torre de observação da Amazônia?

A Torre ATTO é um laboratório fantástico. É o único no mundo com uma torre de 325 metros no meio da floresta Amazônica que é voltada para estudar os impactos das mudanças climáticas globais no meio ambiente amazônico. Isso é estratégico para o Brasil porque na Amazônia temos uma quantidade de carbono enorme armazenada nas árvores e no solo. Se uma pequena fração desse carbono for mobilizada daquele ecossistema para a atmosfera, podemos agravar significativamente o efeito estufa. E, pelo contrário, se nós investirmos em grandes programas de reflorestamento nas áreas degradadas da Amazônia, podemos capturar uma fração muito significativa deste carbono. Então, o que é fundamental é desenvolvermos programas científicos como esse, que é um observatório de médio e longo prazo, a fim de fornecer subsídios científicos para o governo brasileiro e para a população brasileira do estado atual do funcionamento do ecossistema amazônico. Isso é estratégico para o país.

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A quantas anda o projeto?

A Torre já foi construída e foi inaugurada em novembro do ano passado. Atualmente estamos instalando instrumentos nessa torre para permitir que ela cumpra o seu papel de monitorar o funcionamento do ecossistema amazônico. Vamos estudar as transformações que o ecossistema amazônico está sofrendo do ponto de vista, por exemplo, de alteração das chuvas, de alteração do carbono, na produção de gases como o ozônio, que é tóxico para a própria vegetação, no balanço de radiação atmosférico que é fundamental para a fotossíntese. Tem várias questões científicas absolutamente chaves e estratégicas que a gente tem que estudar com mais profundidade e isso tem que ser feito por nós brasileiros.

"Não é só tratar a Amazônia como se fosse um parque, um gigantesco parque a ser preservado, mas também tem que dar uma estratégia de desenvolvimento para a região"

O senhor está nesse campo de pesquisa há mais de 30 anos. Falar sobre mudança climática antes não tinha tanto apelo, mas hoje todo mundo aborda isso…

Todo mundo está percebendo as mudanças no clima concretamente. Isso não acontecia há 30, 40 anos. Apesar de estarem em curso naquela época, eram mudanças pontuais ou mudanças pequenas. Hoje não. Observamos as mudanças climáticas nos termômetros. No Rio de Janeiro, chegamos a 42°C em dezembro, por exemplo. Isso jamais tinha ocorrido. A Amazônia teve duas grande secas nos últimos 20 anos, as maiores secas do século ocorreram nos últimos 20 anos. Existe uma série de evidências de que o clima do planeta está mudando. Isso foi o que impulsionou a COP21 em Paris a tomar decisões para fazer a redução dos gases de efeito estufa, apesar da pressão contrária da indústria do petróleo e da indústria do carvão. Estamos observando um movimento numa direção que acho que não tem volta.

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Nos EUA ainda existe uma ala republicana conservadora que recusa as questões de mudanças climáticas. Por que ainda existe resistência?

Existe em todos os lugares, inclusive no Brasil. Veja a discussão, por exemplo, do Código Florestal. Quer dizer, o grupo representante dos grandes proprietários rurais estava defendendo interesses pessoais ou das suas empresas diretamente. Ou seja, não queriam reservar 20% da sua área para preservação ambiental, a vontade é de plantar em 100% da fazenda, mesmo sabendo que isso é prejudicial. Isso existe em todos os países do mundo e é legítimo em uma democracia em que cada um defende os seus próprios interesses, faz parte do sistema, digamos assim. Os EUA, por exemplo, têm um Congresso completamente dominado pela indústria do carvão, pelos conservadores, pela indústria do petróleo. Eles bloquearam qualquer tentativa de redução de emissão de gás de efeito estufa até o momento em que isso ficou insustentável, como é o caso agora. Hoje não há a menor dúvida de que, mesmo no Congresso americano, vai ser muito difícil não ratificar qualquer acordo como o que saiu de Paris, mesmo os republicanos agora resolveram implementar algumas políticas.

Existem países que encaram melhor essa questão do que outros?

Alguns países estão mais avançados do que outros, como a Suécia, a Dinamarca; outros países estão atrasados; outros priorizam seu desenvolvimento, como é o caso da Índia e da China; outros países, como os africanos, têm problemas de ordens de grandeza maiores do que essa questão particular ambiental. Cada país tem as suas peculiaridades, isso é natural. Isso faz parte do processo de amadurecimento da construção de um planeta que seja sustentável em algumas décadas. Teremos 10 bilhões de pessoas, precisaremos produzir comida e energia de maneira sustentável e, ao mesmo tempo, fornecer uma atmosfera não carregada de poluentes. Isso não é uma tarefa trivial, não é uma tarefa fácil, mas temos que andar nesse caminho.

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O Brasil amadureceu?

Sem dúvida. Você pega a cobertura ambiental no Brasil, ela sofreu uma evolução tremenda ao longo dos últimos 10, 20 anos devido a uma série de fatores. Primeiro, o desenvolvimento científico. Conforme você vai conhecendo melhor sobre o seu meio ambiente, você vai percebendo a importância da preservação do meio ambiente; tem a questão econômica, alguns empresários começaram a prestar atenção que, se você destruir a sua galinha dos ovos de ouro, a sua exploração dos recursos naturais, você acaba perdendo dinheiro a médio e longo prazo; pressões internacionais são importantes para a sustentabilidade e pressões da própria população brasileira. Hoje a população brasileira não aceita coisas que há 20 ou 30 anos atrás eram medidas correntes. Isso é muito positivo. É um processo de amadurecimento da sociedade brasileira.

Podemos aprender algo com o desastre de Mariana?

Nesse caso, você tem depósitos de rejeitos industriais em todos os países do mundo. Agora, você tem técnicas de manuseio desses depósitos como o de Mariana. Claramente, obviamente, no caso de Mariana houve descaso da indústria, descaso dos órgãos ambientais estaduais e locais de não implementarem planos de proteção, sistemas de vigilância, o que jamais deveria ser permitido. Não poderia ter um depósito de rejeito industrial desse porte naquela localidade sem que ele fosse 100% seguro. Hoje, nós sabemos claramente que a indústria sabia que não era seguro, existem laudos registrados e documentados mostrando que o sistema de armazenamento desses rejeitos industriais era inadequado. O desastre era questão de tempo. O Brasil tem que aprender com esse acidente e ver que o poder privado pode destruir bens públicos, como toda uma bacia como a do Rio Doce que foi praticamente destruída e vai demorar dezenas de anos para ser recuperada. O Brasil tem que aprender com isso, aprimorar sua legislação e fazer a Justiça funcionar, fechar essa empresa, pagar bilhões de dólares de indenizações para os milhares de pessoas que foram afetadas que não têm nada a ver com o lucro da empresa nas últimas décadas explorando aquele minério. Temos que ter um sistema judiciário que funcione, um sistema executivo que fiscalize adequadamente e um setor privado que tenha muito mais consciência da sua responsabilidade para com os recursos naturais do país, o que não temos hoje.

Como o senhor recebeu a notícia de que o senhor é umas cientistas mais influentes?

Essas questões de ser cientista mais ou menos influente são meio problemáticas do ponto de vista de que é difícil você medir o impacto da pesquisa de diferentes áreas do conhecimento. Tem pesquisas que têm pouco impacto internacional, por exemplo, pesquisas sobre índios na Amazônia. O público que lê esses artigos é relativamente pequeno, mas essa pesquisa nem por isso deixa de ser muito importante e muito relevante para o Brasil. Então não há uma métrica que possa ser aplicada para todas as áreas de pesquisa e que faça justiça à enorme variedade de pesquisas que se faz hoje, não só no Brasil, mas no mundo. Agora, esse atual ranking da Thompson Reuters foi baseado no número de citações que outros colegas da área fizeram sobre os trabalhos dos demais pesquisadores. Eles têm uma base de dados de nove milhões de pesquisadores no mundo, desses nove milhões, eles separaram os 1350 pesquisadores mais citados pelos seus colegas.

Crédito: Guilherme Santana/VICE

O número de brasileiros nessa lista é pouco, então?

O Brasil tem quatro pesquisadores entre esses mais citados no mundo ao longo dos últimos 10 anos – isso é importante, fazer uma base temporal relativamente longa porque, em um ano, você tem mais citações em uma área e menos em outras. O problema que vejo é que existem só quatro brasileiros. Deveríamos ter centenas nessa lista. Na verdade, isso é uma demonstração de que ainda falta uma força maior na ciência brasileira para ela realmente alcançar um patamar de igualdade de condições com pesquisadores de fora do Brasil. Em algumas áreas, como na área climática, por exemplo, o Brasil compete em pé de igualdade com pesquisadores europeus, japoneses ou americanos, mas isso não acontece em todas as áreas de pesquisa.

Então, essas listas são úteis, são importantes, são interessantes e são um indicativo de que o Brasil ainda precisa investir mais em ciência e precisa internacionalizar sua pesquisa ainda mais, precisa estruturar parcerias com mais pesquisadores de fora para aumentar a relevância da pesquisa científica que se faz no Brasil. Em algumas áreas, fazemos pesquisas de ponta, mas em outras, nem tanto. É preciso identificar quais áreas seriam mais estratégicas para o país realmente investir e investir pesadamente a longo prazo. É preciso tirar os entraves burocráticos para realização de ciência no Brasil, que são enormes, todo nosso sistema de importação, de prestação de contas, de compras, é totalmente amarrado. Falta dinamismo para a ciência brasileira por causa de burocracias que atrapalham todo mundo, inclusive o governo. Temos que fazer a nossa lição de casa para que daqui a uma década tenhamos não só quatro cientistas de destaque, mas centenas de brasileiros nessa condição.

Qual é a importância de ter mais pesquisadores brasileiros em listas internacionais?

Isso dá mais visibilidade internacional para a pesquisa brasileira. Mostra uma internacionalização dos temas de pesquisa que nós estamos trabalhando aqui no Brasil, deles estarem em sintonia com os temas de pesquisa que outros pesquisadores estão trabalhando lá fora. Hoje a ciência é totalmente internacionalizada, assim como a economia é globalizada, a ciência também é. Uma descoberta que eu faço, por exemplo, sobre o funcionamento do mecanismo de formação de nuvens na Amazônia é importante para que esse mecanismo particular de funcionamento de formação de chuvas possa ser aplicado na Indonésia, na África, em países temperados, assim por diante. Então hoje temos um sistema internacional de pesquisa que funciona razoavelmente bem, mas que o Brasil ainda precisa aumentar sua participação.

O senhor é otimista com relação ao futuro do meio ambiente?

Por que eu não seria? O próprio acordo de Paris teve 21 anos de reuniões para que a gente pudesse chegar a um acordo em que as emissões de gás de efeito estufa fossem efetivamente reduzidas. Então é muito importante o que está ocorrendo hoje com o movimento ambientalista como um todo. Ele está em destaque. Vemos programas de reciclagem de lixo e de materiais sendo implementados em várias cidades brasileiras e no mundo. Vemos as pessoas batalhando para ter menos poluição do ar, automóveis mais limpos, com menos emissão de poluentes, e assim por diante. Nós observamos que há sim um movimento global para que a gente possa utilizar o meio ambiente de uma maneira mais inteligente e mais racional do que a que a gente tem utilizado até agora. Isso é extremamente positivo. E, a meu ver, isso só vai aumentar quando começarmos a perceber os benefícios que isso traz para a população mundial. É um caminho sem volta. Vamos aumentar a eficiência, vamos diminuir a quantidade de doenças geradas pela poluição do ar em todas as áreas urbanas, não só brasileiras, como de fora do país. Só vemos vantagens competitivas e todos ganham com a implementação dessas políticas. Vamos continuar nessa direção.