A história de 'Hyperchess', um jogo de xadrez 3D inspirado em 'Star Trek'
Max Chappell vendendo o 'Hyperchess' numa convenção de 'Star Trek'. Todas as imagens: Max Chappell/Reprodução.

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A história de 'Hyperchess', um jogo de xadrez 3D inspirado em 'Star Trek'

Max Chappell passou a vida inteira desenvolvendo um incrível jogo de xadrez 3D e o vendendo em convenções de 'Star Trek'.

Matéria originalmente publicada na Motherboard.

Em 1993, Max Chappell, um obscuro designer de jogos de tabuleiro de San Diego, Califórnia, carregou sua minivan Plymouth Voyager com um monte de conjuntos de xadrez estranhos e partiu para o norte. Uma convenção de Star Trek estava acontecendo em Westin Bonaventure no centro de Los Angeles, e Chappell sentiu o cheiro de uma oportunidade de vender sua criação singular, um jogo de xadrez 3D chamado Hyperchess.

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Hyperchess é um conto de duas obsessões: uma com o xadrez e outra com Star Trek. Se uma dessas obsessões é mais vital que a outra, essa seria Star Trek. Para um jogador de xadrez comum, Hyperchess é só um jogo estranho. Mas para um bando de trekkies do meio dos anos 90, Hyperchess era um jogo de xadrez estranho que parecia com o icônico tabuleiro de xadrez de Jornada nas Estrelas: A Série Original.

“Os fãs de Star Trek adoraram o jogo”, me disse Chappell, que tem 69 anos hoje, por telefone. “Eles achavam que meu jogo era o jogo de xadrez original da TV. Mas não era. Era um jogo realmente jogável.”

Como o famoso acessório de cena de Star Trek, o tabuleiro de xadrez de Chappell era inescrutável. Olhar para um já vai te deixar meio tonto. Enquanto tabuleiros de xadrez comuns são uma superfície plana, o tabuleiro de Chappell tem quase um metro de altura, com superfícies cortadas a laser de formas assimétricas posicionadas num padrão helicoide ao redor de hastes de lâmpadas. Parece uma daquelas casinhas de gato de vários andares, mas com peças de xadrez empoleiradas nas plataformas em vez de felinos dormindo.

Apesar da aparência estranha, Hyperchess é basicamente xadrez com uma ruga de tamanho Ferengi. Chappell, que passou a vida elaborando o jogo, criou regras que seguem seu material de fonte. Como no xadrez baunilha, Hyperchess é uma batalha de inteligência entre dois jogadores que estão tentando encurralar o rei oposto.

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“A característica única é o rearranjo dos 64 quadrados originais”, Chappell escreveu no manual de instruções do Hyperchess. A estrutura diferente permite que as peças viagem em todas as direções e, crucialmente, para cima e para baixo. Elas podem se mover em três dimensões.

A busca por libertar o xadrez dos tabuleiros planos não é nova. Jogado sobre oito tabuleiros padrão empilhados como um sanduíche de vários andares, Raumschach (alemão para “xadrez espacial”) é considerado uma abordagem clássica do xadrez tridimensional, desenvolvido em 1907 pelo cientista do oculto e místico Rosa-Cruz Ferdinand Maack. Com mais de 260 versões do conceito listados no site , não faltam clones de xadrez 3D. O único problema é que muitos desses jogos nunca foram bons.

“Muitos dos jogos de xadrez 3D não tentam ser fiéis à fonte, e alguns são bastante superficiais e inúteis”, me disse Dave Matson, autor de Exploring the Realm of Three-Dimensional Chess, por e-mail. “Os inventores queriam que seus jogos tivessem alguma semelhança com xadrez, mas a maioria não pensou profundamente nos conceitos.”

Chappell foi introduzido ao xadrez ainda moleque. Quando criança, ele mostrou uma grande aptidão para o jogo, derrotando estudantes várias sérias à frente dele. Mas aos 13 anos, ele estava entediado com as regras padrão. Depois da aula no Colégio Samuel Gompers em El Cajon, Califórnia, ele e seus colegas de xadrez começaram a experimentar com uma versão modificada do Raumschach que usava três tabuleiros. (As origens desse jogo não são claras, mas ele foi documentado pela primeira vez numa edição de 1968 de Chess Variations: Ancient, Regional, and Modern de John Gollon, e mais tarde vendido como Space Chess por uma empresa chamada Chessex.)

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Protótipo do 'Hyperchess'.

Os garotos colocavam os tabuleiros na mesa lado a lado, imaginando que eles estavam suspensos no ar, um sobre o outro. Mas parecia que ninguém nunca ganhava. O rei sempre conseguia escapar. Havia quadrados demais.

Os quadrados consumiam Chappell. Determinado a pensar numa versão de xadrez 3D que fosse realmente jogável, ele se sentava em seu quarto na casa dos pais com uma prancheta de rascunho no colo, sonhando com formas geométricas tridimensionais. Ele tentou três tabuleiros com menos quadrados. Ele tentou um cubo 4 x 4 x 4. Ele experimentou com pirâmides. Mas não importava a combinação, o jogo era uma merda.

“Eu estava tentando fazer algum tipo de cubo. Mas quando vi o tabuleiro de xadrez de Star Trek, meu jeito de pensar mudou totalmente”, disse Chappell.

Max Chappell encontra Montgomery Christopher Jorgensen, que interpretava o Scotty em 'Star Trek'.

O tabuleiro de xadrez de Star Trek era uma torre em loop que ocasionalmente era vista nas mesas e balcões da USS Enterprise. O primeiro conjunto aparece no episódio piloto da série, “Onde Nenhum Homem Jamais Foi”, com Spock prestes a dar um xeque-mate em Kirk, e acabou se tornando uma relíquia sagrada de Star Trek.

A primeira vez que Chappell colocou os olhos no acessório de cena no final dos anos 60, ele ficou pasmo. De repente, ocorreu a ele que o xadrez 3D não precisava ser simétrico. Na verdade, simetria era o que estava atrapalhando. Tirando os tabuleiros de alinhamento, o jogo podia reter mais da cadência natural num espaço vertical.

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Logo depois, ele começou a incorporar esse conceito novo em seus desenhos. Infelizmente, Star Trek oferecia poucas outras dicas. Os conjuntos de xadrez da série foram construídos apenas para parecerem futurista, com pouca lógica por trás da montagem ornamental.

“Os tabuleiros ofereciam algumas ideias soltas de como jogar, mas claramente não o suficiente para realmente definir as regras. As peças existiam em mais de um nível? Você podia simplesmente derrubar uma?”, disse Andrew Bartmess, também designer de xadrez 3D, por e-mail. Nos anos 70, Bartmess escreveu um livro de regras chamado Tri-D Chess, pensado para ser jogado numa réplica caseira do tabuleiro de Star Trek. Suas regras apresentavam “tabuleiros de ataque”, ou pequenos elevadores que podiam levantar as peças do jogo para outros andares do tabuleiro, como visto na série.

Chappell esperava que sua versão pudesse manter a integridade do xadrez, mas pensar em um design é mais complicado do que você imagina. Ele passou aproximadamente duas décadas martelando as especificidades de sua invenção. Ele tinha 22 anos quando montou o primeiro protótipo de Hyperchess com compensado e alumínio na garagem do pai, e 45 quando vendeu sua primeira unidade fabricada. Nos anos entre isso, ele trabalhou muito no jogo, redesenhando o arranjo incontáveis vezes, fazendo várias patentes e tentando em vão remover bolhas de laminados de fórmica, que ele planejava usar para cobrir bases transparentes.

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Depois de 23 anos de reajustes, Hyperchess finalmente estava pronto para ser revelado ao mundo. Em 1993, em sua primeira manhã na convenção Star Trek em Los Angeles, Chappell montou um pequeno estande com uma mesa dobrável, faixas vermelhas e dois tabuleiros de xadrez mutantes. Enquanto ele andava por seu estande apertado, esperando o evento começar, suas mãos estavam suando. A área de vendas logo estaria lotada com fãs vestindo os uniformes coloridos da Frota Estelar.

“Quando as pessoas veem o tabuleiro, elas dizem 'Que legal – vamos experimentar!'”, me disse Nick Russell, que atualmente está desenvolvendo uma versão em realidade virtual de Hyperchess, por telefone. “Mas algumas vezes a reação é 'Não faço a menor ideia de como jogar isso'.”

Acontece que trekkies eram do tipo “Que legal!”. Naquele final de semana, Chappell vendeu quase US$ 10 mil em conjuntos de Hyperchess. Aí ele voltou para sua garagem para construir mais. Nos cinco anos seguintes, ele viajou por toda a Costa Oeste, transportando enormes caixas de tabuleiros de xadrez para quase toda convenção de Star Trek a que ele podia chegar de carro. Inicialmente, o produto vendia rápido. Nem o lançamento em 1994 de Star Trek Tri-Dimensional Chess Set — a versão licenciada do xadrez de Star Trek, emprestando regras do Tri-D Chess de Bartmess — atrapalharam a demanda.

“Os conjuntos da Franklin Mint eram caros e muito pequenos”, disse Chappell. “ Tri-Dimensional Chess não é um jogo jogável, mesmo que algum cara [Bartmess] tenha escrito regras para ele. Minha intenção principal era fazer um jogo jogável.”

Mas o público para um bom jogo de xadrez não licenciado de Star Trek se provou limitado. Ele continuava levando os tabuleiros para convenções de sci-fi, mas menos pessoas estavam interessadas. O preço caiu de US$ 300 para US$ 200. Isso não ajudou. Ao seu redor, ele começou a ver um influxo de espécies alienígenas novas como wookies e narns, com as convenções de Star Trek ampliando seu apelo para fandoms mais jovens.

Eventualmente, ele desistiu de ir para convenções e abriu uma loja online, vendendo vários tabuleiros por ano até que seu domínio no GoDaddy expirou alguns anos atrás. No total, ele vendeu 450 tabuleiros, e ainda tem uns 30 em casa. Apesar dos números pequenos, ele não desistiu.

Recentemente, simpatizantes de Donald Trump começaram a dizer que o presidente joga xadrez 3D, significando que sua estratégia é tão avançada que seus oponentes políticos não fazem ideia da complexidade do campo onde estão jogando. Ben Garrison, que se descreve como “um desenhista de quadrinhos politicamente incorretos que a mídia mainstream não vai publicar”, até imaginou Trump jogando um jogo que parece muito com o Hyperchess contra o presidente mexicano Enrique Peña Nieto. Com tanta gente pró-Trump proclamando que seu presidente joga xadrez 3D com suas políticas, estranhas variações do jogo estão passando por um momento de popularidade. O sonho excêntrico de Chappell de levar o xadrez aonde nenhum homem jamais esteve nunca foi mais justificado.

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