Uma Visita aos Mais Raros Artefatos da Era Espacial Soviética
A cápsula carbonizada na qual Tereshkova passou dois dias, 22 horas e 50 minutos. Crédito: Emiko Jozuka.

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Uma Visita aos Mais Raros Artefatos da Era Espacial Soviética

Conferimos em Londres uma exposição com naves, pôsteres, louças e cartas russas da época da Guerra Fria.

O sonho de criança de Valentina Tereshkova era ser maquinista de trem. Aos 26 anos, em 1963, ela se viu percorrendo distâncias maiores do que qualquer menina da sua geração imaginaria: a russa foi, a bordo da nave Vostok 6, a primeira mulher a viajar pelo espaço.

Na última semana, Tereshkova esteve em Londres com Sergei Krikalev, um cosmonauta russo que passou 803 dias em órbita, para a abertura da exibição Cosmonautas: o nascimento da Era Espacial, que estará aberta até março do ano que vem no Museu da Ciência da capital inglesa.

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A mostra apresenta o envolvimento pioneiro da Rússia na corrida espacial. Na abertura, Tereshkova aproveitou para mostrar o apreço pela cápsula que a levou para os céus. "Quando vejo esse objeto, o acaricio. Digo: meu amor, meu amigo mais belo e querido", ela disse. "Meu homem", brincou.

Valentina Tereshkova, a primeira mulher no espaço, na coletiva de imprensa do Museu da Ciência. Crédito: Emiko Jozuka

A Vostok 6 – hoje um "homem-esfera" velho e enferrujado – foi uma proeza épica de engenharia que abrigou Tereshkova por dois dias, 22 horas e 50 minutos no espaço. Mas é somente um dos 149 objetos relacionados ao espaço com significado histórico por lá. Na exposição também há naves espaciais, pôsteres, louças e cartas que foram cuidadosamente enviadas ao Museu da Ciência de 18 lugares diferentes da Rússia.

A mostra levou cerca de quatro anos para ser elaborada e, apesar de diversos atrasos e contratempos, valeu a pena esperar. Os objetos nunca foram vistos pela maioria dos moradores da Rússia e são as grandes "joias da coroa" russa, como disse Doug Millard, curador sênior de Tecnologias e Engenharia do Museu de Ciências, pelo telefone.

Os russos foram os pioneiros das viagens espaciais. Eles foram a primeira nação no planeta a enviar de tudo, de animais e humanos a satélites, para a órbita. Veja Laika, que se tornou o primeiro cão no espaço; ou Yuri Gargarin, um cidadão soviético que foi lançado ao espaço em 12 de abril de 1961 durante o governo de Nikita Khrushchev. (A Rússia também foi responsável por algumas tragédias espaciais, como a explosão da soyuz-1 e a morte de Vladimir Komarov.) Esse espírito intrépido de viagem espacial e sua evolução foram alguns dos temas explorados na exibição.

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"A ideia era mostrar um senso de conquista e penetração no espaço – essas ideias já emergiram na filosofia russa ainda antes do fim do século XIX", me contou Zelfira Tregulova, historiadora e diretora geral da The State Tretyakov Gallery.

Tregulova, que também foi responsável pela curadoria e ajudou com a logística e o transporte, explicou a importância de incluir uma variedade de objetos que têm a ver com o desejo russo de se aventurar no espaço. Ao longo de quatro salas do Museu de Ciência, os visitantes também podem observar, por exemplo, um uniforme e assento ejetor de cães, satélites do Sputnik 1, bem como o módulo de aterragem lunar LK-3, que se parece com uma aranha de metal.

O módulo de aterragem lunar LK-3 (modelo de engenharia de 1969) – uma nave de metal gigante que se parece com uma aranha. Crédito: Museu de Ciência

Além de exibir os objetos físicos, os curadores estavam dispostos a mostrar ideias, sentimentos e alguns dos líderes importantes que conduziram a era espacial russa. Tregulova fez referência a Konstantin Tsiolkovsky (1857-1935), um erudito russo conhecido como o pai da viagem espacial soviética. Tsiolkovsky é lembrado por ter escrito tanto ficção científica quanto tratados sobre propulsão de foguetes e por sua célebre frase: "A Terra é o berço da humanidade, mas ninguém pode viver em um berço para sempre".

Millard me disse que uma carta de uma fazendeira soviética de 42 anos à Radio Moscou é um de seus objetos favoritos.

"Ela pediu para ser colocada em uma Sputnik para ir ao espaço. Ela se sentia no dever com seu país e pensou que seria uma oportunidade, algo que a Rússia havia prometido aos cidadãos", afirmou Millard. "É uma carta bastante comovente porque ela não se preocupava com os perigos, ela não se importava se nunca mais retornasse."

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"A fantasia se torna realidade", Boris Staris, 1961. Publicado pela Guarda Jovem (Molodaya Gvardia). Crédito: Museu Memorial dos Cosmonautas. Crédito: Museu de Ciências

A era espacial se desenvolveu no ápice da Guerra Fria. Na época, os Estados Unidos reconheciam que qualquer incentivo à exploração espacial deveria acontecer em competição com a Rússia soviética. Uma série de sucessos espaciais da União Soviética, incluindo a primeira caminhada espacial, suscitou mal-estar dos EUA, e o presidente John F. Kennedy prometeu, em 1961, colocar um homem na lua até o fim dos anos 1960. Até então, os norte-americanos contavam com um único homem no espaço.

Tregulova descreveu os lançamentos bem-sucedidos de Gargarin e Tereshkova como momentos épicos. "Foi muito inspirador para os russos ter uma mulher no espaço", ela me contou. "Lembro de que todos nos sentimos muito orgulhosos."

Ex-cosmonauta Sergei Krikalev, em frente à Vostok 6. Crédito: Emiko Jozuka

A era espacial pode ter sido marcada por uma competição implacável entre os EUA e a URSS. Entretanto, na coletiva de imprensa, tanto Tereshkova quando Krikalev afirmaram que tal rivalidade abriu caminho para aumentar a colaboração entre as duas nações.

Em oposição à busca por prestígio de um país, Krikalev afirmou que o objetivo da exploração espacial era seguir desenvolvendo novas tecnologias sem interferência política e deixar as pessoas comuns mais conscientes dos potenciais da exploração espacial. Afinal, o espaço, afirmou Tereshkova, deve ser uma "arena de associação pacífica".

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri