​Nós Temos o Controle de Nossos Cérebros? Provavelmente Não
Crédito: Punk Marciano/Flickr

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​Nós Temos o Controle de Nossos Cérebros? Provavelmente Não

Às vezes ainda tenho a sensação de que essa bola de carne chacoalhando no meu crânio não está na mesma frequência do resto do meu ser.

Eu e meu cérebro temos uma relação conturbada. Não tão conturbada quanto era aos meus 16 anos, quando o diretor do meu colégio podia me perguntar o porquê de eu ter dado uma voadora em uma janela e eu não saberia o que dizer; mas às vezes ainda tenho a sensação de que essa bola de carne chacoalhando no meu crânio não está na mesma frequência do resto do meu ser.

Sei que não sou o único, e que a piada "eu versus meu cérebro" é bem popular na comédia. Mas isso ainda parece algo muito louco. Quer dizer, lá no fundo nossos cérebros e consciências estão interligados, e considerá-los independentes um do outro parece meio absurdo. Mas essa não é uma ideia tão louca quanto você – ou o seu cérebro – pode imaginar.

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Tenho pensado bastante sobre essa parada de cérebros; não por causa de nenhuma decisão impulsiva que fiz recentemente – meu cérebro e eu temos um acordo sobre elas – mas por causa da onda de polêmicas que dominou a internet nos últimos dois meses.

As reações aos estudos das emoções (como os vários estudos do Facebook e o projeto similar do OkCupid) seguem duas vertentes. Primeiramente, temos a revolta com o fato de que redes sociais, empresas cujo único produto são seus usuários, poderiam estar nos monetizando.

Essas queixas são válidas, mas ainda é engraçado ver pessoas protestanto contra exemplos específicos de manipulação corporativa quando vivemos em meio à manipulação constante. Mas faz sentido, visto que um outro estudo sobre emoções revelou que a raiva é mais contagiosa que a alegria.

O seu cérebro está enchendo seu saco? Então dê um pau nele.

O segundo tipo de reação está ligado ao primeiro, mas representa um fenômeno muito mais interessante do que o simples ultraje com a revelação de que as empresas fofinhas da internet são na verdade megacorporações cujo objetivo é ganhar dinheiro: muitas pessoas acreditam piamente que são impossíveis de manipular, mesmo quando essa manipulação vem em pequenos ajustes no timbre emocional de seus feeds de notícia.

Um comentário no nosso texto sobre o estudo do Facebook expõe, com clareza, essa opinião:

Não, eles não estão manipulando TODO MUNDO. Me deixe de fora de suas generalizações, porque eu não me encaixo nesse molde neurotípico. A interação social não está me mudando; nenhum contato social jamais conseguiu fazer isso. No ensino médio comecei a reparar que os outros mudavam seus comportamentos para agradar os outros, e isso me dava nojo. Ainda me dá. Eu sou e sempre serei o mesmo cara, independente de quem você é ou com quem você esteja.

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Há um ditado antigo muito adequado à essa era da internet: se você não está pagando pelo produto, você é o produto. A maior parte dos sites lucrativos, esse site incluso, são financiados por anunciantes, o que não é um problema; se todos os sites fossem pagos, nós, leitores e espectadores, teríamos menos diversidade em nossos feeds.

A gratuidade da internet é o que a mantém aberta e vibrante; em troca, temos que aguentar todos os anunciantes, empresas e sites midiáticos com chamadas apelativas se esforçando para jogar o máximo de propagandas na sua cara. A partir daí chegamos na pergunta mais primordial sobre a internet: O quão subversiva ela é? Estamos, ou não, no controle de nossos cérebros?

É assustador imaginar que o OkCupid possa alterar nossa visão de mundo apenas mudando alguns números em seu algoritmo, tipo o Mágico de Oz. Algoritmos podem até não ser tão poderosos, mas não podemos negar que alterar uma timeline para mostrar posts mais positivos ou negativos pode mudar, de leve, seu estado mental.

Vendo por esse lado, é certo afirmar que não estamos no controle de nossos cérebros. Somos criaturas extremamente empáticas, e nossas conexões emocionais com outros humanos podem se metamorfosear de maneiras inesperadas. Esse pensamentos inclui minha hipótese favorita, que sugere que os bocejos possam ser um reflexo subconsciente e empático.

A indignação geral com esses sites é uma novidade, no sentido de que esse é um movimento contra os primeiros indícios de um futuro distópico no qual toda informação é manipulada, maquiada e direcionada em prol daqueles no poder.

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(Argumento: a possibilidade do Facebook usar a sua influência para manipular uma eleição, por exemplo, é algo assustador; Contra-argumento: o Google vale uma cacetada de dinheiro justamente porque passou anos aperfeiçoando seu algoritmo, que tem mais poder sobre toda a informação produzida pela humanidade do que qualquer outra instituição, e ninguém parece muito preocupado com isso.)

Mas isso não é nenhuma novidade. O melhor comentário sobre a exploração corporativa da distância entre nossos cérebros e nossas consciências é o filme They Live, de 1988. Rowdy Roddy Piper e conspirações bizarras à parte, temos um filme que representa um mundo onde todas as propagandas que nos bombardeiam carregam mensagens subliminares que incentivam o consumismo e a subserviência.

Essa camada de significado extra – todos sabem que propagandas cheias de mulheres bonitas bebendo champanhe e homens com barbas mal-feitas maravilhosas fumando cigarros querem nos fazer sentir algo – faz desse filme uma obra profética, apesar de ele representar uma preocupação que já existia há alguma décadas.

Em 1970, Del Hawkins publicou um estudo que se tornou um marco no campo do marketing, e que inspirou a criação do nosso conceito de marketing subliminar. As tentativas de Hawkins de "gerar associações subliminares com consequências comportamentais foram em vão", mas a ideia permaneceu, e diversos pesquisadores tentaram desenvolver um processo científico capaz de nos afastar de nossos cérebros e nos fazer acreditar que sim, Pepsi é melhor do que Coca-Cola.

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No final das contas, o marketing subliminar é menos eficaz do que as propagandas com fotos de modelos. Como podemos ler em um estudo de 1987, "a crença popular nas propagandas subliminares continua firme, mesmo sendo refutada por diversos profissionais e considerada uma técnica ineficaz".

Camadas e mais camadas de subserviência? Não, apenas a sugestibilidade elementar de nossos subconscientes.

Ou, como dito em um estudo engraçadinho de 1988 : "a história das pesquisas subliminares consiste em documentos nos quais os investigadores relatam uma descoberta subliminar que outros não conseguem comprovar; apesar disso, a descoberta ainda é publicada e aceita pelo público leigo".

Mas o lance do marketing subliminar deve-se ao fato de que temos mais poder sobre nosso cérebro do que pensamos ou ao fato de a tecnologia dos anos 70 e 80 não ser avançada o suficiente?

Nos últimos anos, o marketing subliminar ganhou um nome mais sexy: "neuromarketing", que soa como algo muito mais científico. Um estudo particulamente interessante publicado em 2012 e disponibilizado online, é provocador: enquanto ele deixa claro que o sonho de todos os executivos – o uso de ressonâncias magnéticas e neuroimagens na criação de campanhas de marketing perfeitas, que poderiam hackear os cérebros dos seus consumidores e fazê-los comprar o produto agora – não é muito realista, a ideia de focar nos cérebros dos consumidores pode realmente render bons frutos.

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"Resumindo, o neuromarketing não pode apertar o botão de 'compre' no cérebro do consumidor, porque não temos um botão de 'compre' em nossos cérebros", escrevem os autores.

No entanto, "os resultados indicam que os consumidores tendem a se projetar na pessoa mostrada na tela, o que faz com que se comportarem, reagirem e sentirem de acordo com o o que essa tela mostra. Encorajamos o estudo de neuromarketing e a utilização de imagens e vídeos, assim como testes em pequenos grupos pré-determinados em prol da maior compreensão do comportamento dos consumidores e suas reações à diferentes situações", a publicação continua.

Em outras palavras, nosso caráter extremamente empático faz com que propagandas imersivas e emotivas se fixem em nossos cérebros – mas não em nossa consciência, que costuma estar mais preocupada com dinheiro.

E onde temos experiências imersivas e interativas? Isso mesmo, em nossos feeds. "Acreditamos que nossas descobertas e método podem ser utilizados na avaliação do processo de compra, assim como nos testes de novos produtos, serviços e aplicativos, em especial no setor de alta tecnologia", dizem os autores.

Estamos no controle de nossos cérebros? Provavelmente não. Ter consciência do fato de que nossos feeds e ferramentas de busca são manipulados (para o bem ou para o mal) por algum algoritmos não é o suficiente para nos proteger de seus efeitos, visto que não possuímos nada para guiar nosso julgamento. O algoritmo do Facebook está sendo constantemente aperfeiçoado e as pessoas que o utilizam também estão evoluindo; não há como contra-atacar uma manipulação tão sutil e complexa, mesmo sabendo que esse ataque é necessário.

Multiplique esse exemplo pela infinitude da internet, e no final temos dois cenários: um cenário em que somos controlados por terceiros e outro em que todas as forças se anulam, não nos influenciando mais do que o necessário. Também temos duas possibilidade de ação: aceitar o fato de que não controlamos nossos cérebros da forma que gostaríamos e seguir em frente, ou jogar nossos computadores dentro da privada e viver o mundo lá fora.

Tradução: Ananda Pieratti