​Ted Chiang, o autor por trás de ‘A Chegada’, quer invadir sua mente
Batemos um papo com o criador da trama do melhor filme de sci-fi dos últimos anos. Crédito: Paramount Pictures

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​Ted Chiang, o autor por trás de ‘A Chegada’, quer invadir sua mente

Batemos um papo com o criador da trama do melhor filme de sci-fi dos últimos anos.

O filme mais falado dos últimos meses é A Chegada, um drama de ficção científica estrelado por Amy Adams que tem sido amplamente elogiado pela crítica e que, na semana passada, recebeu oito indicações ao Oscar. A trama retrata a história de uma linguista convocada pelo exército para se comunicar com os primeiros visitantes alienígenas da Terra, seres não-humanóides surgidos em naves esféricas, belas e ameaçadoras que pairam sobre diversos pontos do planeta. O surgimento destes alienígenas cria, logicamente, um clima de frenesi global.

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Uma comoção parecida, porém em menor escala, ocorreu na Convenção Mundial de Ficção Científica de 2007, ocorrida em Yokohama, no Japão. Aquela seria a primeira vez em 68 anos que a famosa convenção aconteceria na Ásia, e entre os expoentes do gênero presentes no evento estava Ted Chiang, o autor americano de Story of Your Life, o conto de ficção científica escrito em 1998 no qual A Chegada foi baseado.

Enquanto Chiang caminhava pelo Centro de Convenções Pacifico Yokohama, vestido despojadamente e com o cabelo amarrado no topo da cabeça, ele foi cercado por uma massa disforme que se remexia e sussurrava, em uníssono: "É o Ted Chiang!"

Levando em consideração seus prêmios — quatro Nebulas, quatro Hugos, um Prêmio Theodore Sturgeon Memorial e quatro Locus ao longo dos 20 anos de sua carreira — essa cena de adoração não é de todo surpreendente. Mas as massas que seguiram Chiang eram de fato únicas, em especial tendo em vista que o autor é pouco conhecido fora dos círculos de literatura sci-fi.

"Ted nunca foi muito notado aqui na América. Ele nunca imaginou que tivesse um grande séquito de leitores em algum lugar, muito menos no Japão", disse Karen Joy Fowler, outra escritora de ficção científica que me contou essa anedota quando a entrevistei, no começo do mês, sobre o trabalho de Chiang.

Mas agora Chiang está pronto para conquistar o grande público. Além de A Chegada, existem três outros de seus contos disponíveis na internet (Understand, Life Cycle of Software Objects e Hell is the Absence of God). Seu conto mais recente, The Great Silence, escrito para o e-flux Journal em um projeto colaborativo com os artistas Allora & Calzadilla, foi adicionado nos volumes mais recentes das antologias Melhores Contos de Ficção Científica Americanos e Melhores Contos Americanos.

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"Ted nunca foi muito notado aqui na América. Ele nunca imaginou que tivesse um grande séquito de leitores em algum lugar, muito menos no Japão…"

"Espero que as portas estejam prestes a se abrir", disse Kirby Kim, agente literário de Chiang. "Talvez esse seja o momento dele — e é bom lembrar que quase todas obras do Philip Dick foram adaptadas para o cinema. Estamos falando de alguém que é considerado um deus em uma parte do mundo, mas que é desconhecido entre o público geral."

Chiang pareceu surpreendido quando perguntei a ele, por email, sobre o roteiro de A Chegada, limitando-se a elogiar Eric Heisserer, que adaptou Story of Your Life para o cinema: "Sempre esteve muito claro que a intenção de Eric não era fazer um filme de ficção científica convencional… Eu estava interessado em ver o que ele iria fazer."

O caminho de Chiang rumo à vanguarda do que Kim define como "ficção científica realista" foi trabalhoso. Filho de um professor de engenharia da Universidade Stony Brook, nos EUA, e de uma bibliotecária aposentada, Chiang não cresceu lendo ficção científica.

Chiang conta que, no entanto, o estudo científico foi muito importante durante sua infância, citando em particular as obras de não-ficção de Isaac Asimov, entre elas seu Guide to Science. "Eu ainda lembro da explicação de como Eratóstenes calculou o tamanho da Terra medindo sombras de objetos ao meio-dia e de como Cavendish estimou a massa da terra usando pesos suspensos por um fio", escreveu Chiang.

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Crédito: Paramount Pictures

Quando ele se matriculou na Universidade Brown com o intuito de estudar física ou ciência da computação, Chiang havia se tornado um fã inveterado de ficção científica, devorando todas as obras de Asimov (The Last Question foi uma de suas maiores inspirações) e de Arthur C. Clarke, entre elas Encontro com Rama. Foi por volta dessa época que ele começou a escrever seus próprios contos, enviando-os para revistas de ficção científica e, de acordo com Chiang, "colecionando rejeições ao longo do curso". Ele nunca tentou publicar seus trabalhos nas revistas da universidade, já que "estava claro que eles não aceitariam contos de ficção científica".

Chiang logo compreendeu que ele não servia para a carreira acadêmica. "Eu era um estudante de física nota 'B', e não conseguiria entrar num mestrado com essas notas", escreveu ele. "Na verdade eu odiava a academia, então não faria um mestrado nem se pudesse."

Deste modo, enquanto Chiang se dedicava à ficção científica, ele começou a vender tutoriais e resenhas de softwares para revistas de computação, uma forma de ganhar dinheiro e treinar ainda mais sua escrita (isso eventualmente fez com que ele conseguisse seu atual emprego como escritor técnico da Microsoft).

Embora ele já tenha considerado abandonar o sonho de ser artista, outros viram nele um gênio: seu conto Tower of Babylon, que ele escreveu durante a famosa Oficina de Escritores Clarion, ganhou um Nebula em 1990, seguido de três outros prêmios (todos os perfis escritos sobre Chiang — não existem muitos — narram a história de como ele recusou um prêmio Hugo por achar que o editor havia apressado a conclusão de um conto). "Ele saiu da caixa já pronto", disse Spider Robinson, escritor e um dos mentores de Chiang. "Eu logo compreendi que tinha mais a aprender com ele do que ele comigo."

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O processo de escrita de Chiang é sempre o mesmo. "Ele é muito cuidadoso, muito decidido, e ele não precisa da orientação ou da opinião de ninguém", disse Fowler. "Claro que o fato dele nunca ter escrito algo ruim ajuda."

Chiang não separa um momento do dia para pensar em novas ideias, preferindo, em vez disso, manter um caderno no qual ele anota suas ideias. Segundo ele, "minhas histórias costumam ser baseadas em ideias que assombram minha mente há anos". "Muitas vezes, perco o interesse por uma ideia quase que imediatamente. Sei que uma ideia pode virar uma história quando penso nela de novo e de novo durante anos", diz.

Ele continua, dizendo que "escrever é muito difícil para mim, e por isso eu escrevo muito devagar". Essa demora se dá graças ao cuidadoso processo criativo de Chiang, que sempre tenta povoar suas histórias com os personagens certos, combinando uma série de fatores diferentes.

"Escrever é muito difícil para mim, e por isso eu escrevo muito devagar"

Segundo Robinson, esse comportamento é incomum entre escritores de ficção científica — "a maioria de nós acredita que o processo criativo é apenas uma desculpa para não escrever" — e é por isso que as obras de Chiang são tão aclamadas. Nelas não existem nenhum salto de lógica, personagens imperfeitos ou tramas que poderiam ter sido desenvolvidas com mais cuidado. "Suas histórias nascem já prontas", disse Kirby.

Essa qualidade faz com que seus contos se destaquem em meio às outras obras do saturado mercado de ficção científica. "Existe sempre um tipo de história pessoal envolvida, mas o trabalho dele também aborda grandes questões", diz Fowler. "Quando você lê uma história de Ted Chiang, você não está apenas lendo uma história sobre pessoas que te interessam, você é levado a refletir."

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Seus personagens existem tanto fora quanto dentro das páginas e, embora as tramas de Chiang sejam claramente voltadas para a ficção científica, nada nelas é absurdo. "Tenho certeza de que há leitores que não conseguem suspender sua descrença ao ler meu trabalho", escreve Chiang.

"Mas estou mais interessado em explorar questões filosóficas, e não acho que tecnologias fantasiosas sejam uma boa forma de fazer isso. Quando filósofos propõem experimentos mentais, tendo a preferir aqueles que não tem premissas extravagantes."

"Ele sabe que não é necessário dar ao leitor uma palestra sobre o futuro da tecnologia", disse Robinson. "É sempre melhor deixar a história seguir seu rumo."

Crédito: Paramount Pictures

A Dra. Louise Banks é uma das personagens mais complexas e fascinantes da obra de Chiang. A narradora de Story of Your Life entrelaça suas interações com os alienígenas e sua filha de maneira tão perfeita que o leitor demora a perceber que as duas histórias não estão acontecendo paralelamente. O futuro fictício de Chiang está sempre um passo à nossa frente, o que permite que o leitor se foque no que Banks e os outros personagens estão vivendo em vez de se preocupar com tecnicalidades.

Isso também faz com que suas obras sejam atraentes para Hollywood. "Tive uma reação intelectual e visceral aos contos dele", disse Heisserer, que tentou, sem sucesso, vender as histórias de Chiang para produtoras por anos.

"Todos os estúdios rejeitaram meu roteiro, dizendo que eles não conseguiam ver um filme nele".

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"Todos os estúdios rejeitaram meu roteiro, dizendo que eles não conseguiam ver um filme nele", continua Heisserer. "Disseram que ele era inteligente demais, o que eu comecei a ver como uma desculpa para rejeitar tudo que não fosse mais um filme de alguma franquia conhecida."

Heisserer negociou os direitos literários de Story of Your Life durante um ano, adaptando o conto antes de receber o sinal verde em 2010. "O caminho até o lançamento do filme foi longo e vagaroso", disse ele.

Mas mesmo que A Chegada tenha uma excelente temporada de premiações, Chiang não pretende esquecer suas raízes. O autor não planeja escrever um romance, o que ele deixou claro em um email para Kim durante o primeiro contato entre os dois: "Não vou escrever um romance. Quero que você saiba que eu sou um escritor de contos."

Depois de uma temporada de tapetes vermelhos, estréias e entrevistas, Chiang voltará para sua casa num subúrbio silencioso e pacto de Seattle, Washington, nos EUA, onde ele começará, mais uma vez, a pensar em seu próximo conto: "Estou feliz em trabalhar com contos, e não acho que preciso abandonar isso para me desafiar."

Tradução: Ananda Pieratti