Um passeio pela convenção da indústria das armas no Brasil
Fabio Teixeira

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Tecnologia

Um passeio pela convenção da indústria das armas no Brasil

A maior feira de armamentos da América Latina contou com selfies bélicas, estandes de bazucas, um guia motorista de Uber e um presidente constrangido.

Armas são legais. Temer é um coitado. Não posso trair o leitor e negar o sentimento que tive quando visitei na semana passada, no Rio de Janeiro, a maior feira de armas da América Latina, a Laad. Não sei do Temer, mas tenho como provar que milhares de pessoas compartilham desse sentimento bélico. O evento ocupou quatro pavilhões do Rio Centro, na Barra da Tijuca, e tinha todo tipo de tecnologia de destruição que boa parte dos militares e dos adolescentes punheteiros só encontra nos videogames.

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Se você ficou chocado com manifestantes verde-amarelos que tiravam selfies com a polícia, bom, esse texto não será muito fácil para você. Na feira, teve selfie verde-oliva com bazuca, com fuzil e até com réplica do caça Grippen, que os suíços venderam para nós no governo Dilma. Se tivesse uma bomba nuclear, acho que teria alguém apontando o celular para si mesmo e sorrindo para uma foto.

Crédito: Fabio Teixeira

Grande parte do público era formado por membros das Forças Armadas. Todos trajados com os respectivos uniformes de militares – branco, azul-marinho e verde oliva. Na entrada, havia um aviso de que era proibido entrar armado na feira. Uma longa fila se formou para as pessoas trocarem suas armas por uma fichinha num armário. Mais tarde, gente do Bope circulava com pistolas dentro do coldre. Não porque eles são especiais, e sim porque não havia mais armários disponíveis à tarde de tanta gente que foi armada.

Passando pelas minas da recepção e pelos detectores de metais, o visitante desemboca na entrada do pavilhão 1. A primeira coisa que se nota é um som: o TSHIC-TSHAC de uma escopeta calibre 12 sendo carregada no grande estande da CBC/Taurus. Relembre: é a arma do Arnold Schwarzenegger no Exterminador do Futuro. Era possível reconhecer o som, mas a visão estava bloqueada pelo grande número de pessoas que admiravam e pegavam o artefato nas mãos. Eu mesmo peguei e testei. TSHIC-TSHAC, dispara. Recarreguei, mirei para cima e disparei novamente um tiro imaginário. (Por motivos óbvios todas as armas em exposição estavam sem balas.)

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Crédito: Fabio Teixeira

As dimensões da Feira devem significar alguma coisa: foram 600 marcas de todo tipo de empresa e um público de mais de 30 mil pessoas. Para muitos, era o lugar ideal para ver e ser visto. Até para o presidente em exercício, Michel Temer. Consegui a credencial para a coletiva com ele na última hora. Fiquei esperando num cercadinho junto com outros repórteres e cinegrafistas até que o homem chegasse. E demorou. Mais de uma hora de atraso. O clima ali não era "fica, Temer" nem "fora, Temer", mas, dado o atraso, "porra, Temer". Quando ele chegou, falou baixo, respondeu algumas perguntas com informações que ele deve ter decorado pouco antes. Depois os repórteres caíram em cima. A última pergunta foi algo como "como você pode garantir aos investidores que vai governar o Brasil até 2018?". Ele respondeu qualquer coisa e se mandou para dentro de uma bolha formada por seguranças.

Se me permitem, confesso que senti pena. É vergonhoso admitir, mas sou humano. Ele é mais baixinho do que na TV. Se a Marcela coloca um salto deve ser complicado. E o Temer tem ao menos uma qualidade divertida: uma total anti-fotogenia – uma rara capacidade de sair mal em quase todas as fotos. Parabéns, Temer.

Crédito: Fabio Teixeira

No dia seguinte decidi que era preciso ter um guia. Fui para o estande da Taurus tentar encontrar alguém para me ciceronear. Ninguém quis. Exceto DV, um carioca de 26 anos formado em engenharia mecânica, desempregado no momento. Trabalha como motorista de Uber, o que é um perfil bastante comum no segmento.

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Ele se considera de direita, mas não é um acólito do Bolsonaro. Classificou-se como Libertário. É um tipo de direita moderna que acredita na liberdade do máxima do indivíduo desde isso não interfira na vida de outra pessoa. Simplificando: ele usa mais ou menos a mesma base para defender seja o direito à posse de armas, seja a legalização da maconha. Não entramos em pormenores teóricos. Basicamente, eu queria saber melhor quem ele era e ele estava me sondando para saber se eu não escreveria uma matéria em que ele seria ridicularizado como um fascistóide adorador da morte. Por prevenção, pediu para que só usasse suas iniciais.

Crédito: Fabio Teixeira

Apesar da timidez, o moleque é bom porque ele é tipo um de nerd das armas. Estuda o assunto há dez anos, fez o trabalho de conclusão de curso sobre o tema. "Isso aqui é uma espingarda Pump, é um funcionamento antigo, de cerca de 100 anos, em que você faz a repetição da arma movimentando a telha", disse sobre a calibre 12. Eu o lembrei sobre o som clássico e respondeu de maneira técnica: "é tem um fator dissuasório muito grande. Você acordou na sua casa à noite, ouviu um barulho suspeito e TSHIC-TSHAC ( engatilha a arma). Quando a pessoa com intenções erradas ouvir esse som vai dar uma reconsiderada". DV vai descrevendo a arma: é toda preta feita de aço, alumínio e polímeros. A principal inovação é que esse modelo, o Pump 12 Military 3.0, tem um sistema interno de amortecimento que reduz em 50% o impacto do recuo.

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De óculos de grau, vestindo uma camisa polo vinho com uma faixa azul escuro horizontal abaixo do peito, calça jeans azul um pouco larga, ele foi adentrando pelos corredores, eu atrás, anotando o que cabia. Nos pés, meu guia usava sneakers cinza chumbo com detalhes amarelo-ovo não orgânico, da cor dos que a gente comprava no mercado antes da comida ser uma marca de distinção social travestida de 'bons hábitos alimentares'.

DV me explicou que as inovações em armas de fogo são poucas. Há alterações na qualidade dos materiais, na leveza e um ou outro dispositivo, mas os designs básicos são consagrados pelo uso. Isso significa que vários fabricantes fazem exatamente a mesma arma há décadas.

Crédito: Fabio Teixeira

Crédito: Fabio Teixeira

Paramos no estande da Imbel, a estatal brasileira de material bélico. As armas curtas, as pistolas, eram todas derivadas de um modelo chamado 1911. DV explicou: "No mundo dos armamentos isso não quer dizer que é velho e ruim. Quer dizer que foi provado em combate. Eram as pistolas usadas pelos americanos na guerra das Filipinas, na Primeira Guerra, na Segunda, na do Vietnã. Não tem inovação, porque não tem que inovar. É um design perfeito."

A maior mudança é que a empunhadura é de polímero, deixando a pistola mais leve. É melhor porque quanto menos peso, mais munição é possível carregar. Enquanto ele me explicava sobre o mundo bélico, DV encontrou seu orientador na faculdade, um militar do Exército trajado a caráter. Se cumprimentaram e seguimos adiante.

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Crédito: Fabio Teixeira

Chegamos ao estande da Glock onde estão expostas 20 armas. Todas elas presas por um fio de aço, com alcance suficiente para manusear bem, tipo caneta Bic de banco. DV pega uma pistola com cano mais longo e faz a descrição: arma desenvolvida para competição. Em seguida, vai para os detalhes bem técnicos: quanto mais longo o cano, mais tempo o projétil fica dentro dele, sendo propelido pelos gases da explosão, o que faz com que fique mais rápido. A rapidez é importante para precisão pois todo corpo quando jogado para frente é puxado em direção à terra pela força da gravidade, o que faz o movimento de um arco. Quanto mais rápido o tiro, mais longo o arco e mais reto fica o disparo.

No caminho para vermos as armas da empresa italiana Beretta, DV reclama do mercado fechado de armas no Brasil: "Só dá pra comprar legalmente Glock, Imbel e Taurus". Como ele demonstrou grande destreza na operação das pistolas, eu o sondei para saber se ele não teria alguma ilegal. A resposta foi mais simples e um tanto envergonhada: ele treina os movimentos de operação manual com modelos air soft, conhecida na minha infância como arma de bolinha, uma defesa útil contra o meu irmão 2 anos e meio mais velho.

Crédito: Fabio Teixeira

Com os italianos testamos primeiro os fuzis. "Esse é bom pra mim porque é mais ambidestro", disse DV. Em seguida, ele pede em inglês pela pistola Px4Storm que vem com um supressor acoplado. "Silenciador é coisa de Hollywood. Aquele Tschiu, Tschiu não existe". Isso porque o som tem dois componentes: é o ruído dos gases se expandindo em alta velocidade e a bala quebrando a barreira do som. O que o supressor faz é criar um segundo estágio para a expansão. Mas se vocês quiserem ser assassinos profissionais silenciosos ainda será preciso comprar munições chamadas subsônicas.

O guia informal também faz considerações sobre a desvantagem na comparação com um revólver. "Toda arma semi-automática é passível de falha, o que uma desvantagem. Se o revólver tiver uma pane e não disparar, puxa o gatilho de novo que ela vai girar o tambor e botar outra munição no disparo", diz. "Na pistola, há vários tipos de falha que exigem procedimentos diferentes. Se tiver um bandido atirando em você e der uma pane dessa, você tá ferrado se não souber resolver."

Crédito: Fabio Teixeira

Quando eu já estava de saída, paramos em mais um estande. Era um mostruário de bazucas russas. DV parou e comentou que entendia pouco desse tipo de armamento. "Nunca toquei numa arma dessas. Vai ser a primeira vez."

Meio tímido esperou outra pessoa usar. É uma bazuca chamada RPG7, mais fina, preta, do tipo que se coloca aquelas munições meio hexagonais que aparecem na mão de terroristas nos filmes picaretas sobre o Oriente Médio. É uma arma clássica, soviética, segundo DV, mas conhecida por falhar muito. Com a bazuca no ombro, o jovem engenheiro mecânico parecia satisfeito apesar de ser projetada para destros. Perguntei o que havia achado e ele respondeu uma variação do meu 'armas são legais': "Tô pra conhecer alguma que eu não goste e não queira tocar. Não existe".