Artista propõe 'ovelhas biônicas' para evitar ataques de lobos
Ovelha usando uma versão antiga da coleira. Crédito: projeto Bionic Sheep project e Shepherd School/Fernando Garcia Dory

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Tecnologia

Artista propõe 'ovelhas biônicas' para evitar ataques de lobos

Na Espanha, projeto propõe aos pastores uma espécie de coleira com frequência ultrassônica capaz de espantar os predadores.

Há séculos, pastores quebram a cabeça para impedir que lobos selvagens comam suas ovelhas. Para proteger seus rebanhos, eles já usaram de tudo: balas, cachorrões, veneno e cercas elétricas. Nada foi muito eficaz. É aí que chegou a ideia: e se os bichos ganhassem um sistema de defesa de predadores que impedisse que qualquer um saísse ferido do processo?

Foi mais ou menos com essa dúvida que entrou em cena o "projeto da ovelha biônica", também conhecido "Ultrasonic Flock Protection System" [Sistema de Proteção de Rebanho Ultrassônico].

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Criado pelo artista espanhol Fernando García Dory, o projeto visa impedir os ataques de predadores com uma espécie de coleira de ovelha que emite frequência ultrassônica inaudível para humanos e ovelhas, mas que se espera ser bastante desagradável para os lobos. Dory apresentou o projeto há pouco em um evento organizado pelo Arts Catalyst, centro cultural, tecnológico e científico de Londres, na Inglaterra.

"Em 2006 estava estudando ferramentas não-letais usadas pela polícia em manifestantes de forma a acalmá-los", disse Dory ao telefone, mencionando ainda os canhões sonoros usados contra os manifestantes no G20 em Pitsburgo, nos Estados Unidos. "Aquilo chamou minha atenção porque queríamos apenas afastar os lobos, não matá-los."

Crédito: projeto Bionic Sheep project e Shepherd School/Fernando Garcia Dory

Dory teve a ideia ao realizar pesquisa em uma escola de pastoreio localizada no Parque Nacional Picos de Europa, no norte da Espanha, onde passou os verões de sua infância. Ele afirma que parte do valor do projeto experimental reside em chamar atenção, artisticamente, para o papel vital dos pastores na tradição cultural espanhola.

Em várias regiões espanholas, os pastores têm vivido ao lado dos lobos por séculos e usam de seus próprios meios para controlá-los. No passado, por exemplo, Dory disse que grupos de pastores foram aos bosques juntos para fazer barulho e afastar os lobos de seus territórios. Eles também contrataram caçadores profissionais para diminuir a população do animal, mas sem eliminá-lo por completo.

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Numa tentativa de preservar a cultura de pastoreio do norte espanhol, Dory se voltou para a tecnologia. Ele aprontou seu primeiro protótipo do dispositivo de ovelha "biônica" em 2006 com a ajuda de alguns amigos engenheiros e pastores. Sua intenção era que o aparelho fosse movido a energia solar e emitisse uma frequência ultrassônica por volta de 40kHz, audível e desagradável para cães e lobos, mas não para seres humanos e ovelhas (cuja amplitude de audição é menor). Ele admite, porém, que na época o sistema era limitado.

"Testamos o protótipo de 2006 com lobos, mas a frequência só tinha um alcance de meio-metro e o volume provavelmente não era o suficiente para repelir os lobos", disse Dory.

Protótipo do componente regulador do emissor ultrassônico, que depois seria reduzido e montado na ovelha, criado pelo hacker Paolo Cavagnolo, em colaboração com Fernando García Dory desde 2015. Crédito: Fernando García Dory

Sem financiamento para continuar o projeto, Dory teve que esperar nove anos antes de poder dar início ao segundo protótipo com ajuda financeira do Parque Nacional Picos de Europa.

Para o "Bionic Sheep 2" ele conta com Paolo Cavagnolo, hacker italiano com um histórico em engenharia nuclear.

Ao testar o Bionic Sheep 1, Dory descobriu que o componente mais fraco de seu aparelho era o emissor ultrassônico. Como ele quer que o novo dispositivo seja eficaz num raio de cerca de 20 metros, ele trabalha junto de Cavagnolo para ampliar suas capacidades.

"Queríamos mexer com volume e frequência de forma a determinar quais seriam piores para o lobo", disse Dory, que ainda não testou o segundo protótipo em lobos em cativeiro.

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O aparelho também funcionaria em cabras. Crédito: projeto Bionic Sheep e Shepherd School/Fernando García Dory

Mas a construção do aparelho em si apresenta desafios.

"Temos que levar em conta coisas como quanta energia ele consome e se será útil para a sociedade, se impedirá os lobos", disse Cavagnolo. "Com essas respostas podemos partir para desenvolver a coleira e reduzir o tamanho dos componentes essenciais como a bateria e o falante."

Por mais que Dory afirme que pastores e fazendeiros de outros países da União Europeia têm interesse no produto, uma parcela segue cética.

"Lobos são animais incríveis e grandes solucionadores de problemas", disse Sue Hull, diretora do UK Wolf Conservation Trust. "Estou encarando o aparelho com a mente aberta, mas o que eles tem que fazer agora, assim que descobrirem como alimentá-lo, é testar em lobos cativos para ver se ocorre alguma reação adversa."

Hull sugeriu que, no futuro, tecnologia como drones que afastam lobos pode ser desenvolvida. "Sempre será uma luta contínua", afirma.

Ainda que o dispositivo siga na sua fase inicial, é um possível adeus aos dias de atirar ou envenenar lobos. Se tudo der certo, Dory planeja que as coleiras custem de 30 a 40 euros no futuro. E tenham seu código aberto.

"Quando as pessoas pensam que uma ovelha terá essa tecnologia, riem; parece esquisito e quase ridículo contarem com ela", disse. "Mas quando olharmos para trás teremos vergonha disso. É importante preservar o papel psicológico vital que o pastor tem em nossa cultura."

Tradução: Thiago "Índio" Silva