​A ciência por trás da virada de Michael Phelps
Por que o maior medalhista de todos os tempos passa tanto tempo submerso ao virar?Crédito: Associated Press

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​A ciência por trás da virada de Michael Phelps

Por que o maior medalhista de todos os tempos passa tanto tempo submerso ao virar?

Você deve ter visto na tevê, mas vamos relembrar: na metade do revezamento 4x100 estilo livre por equipes, no domingo, o nadador Michael Phelps estava bem atrás do líder Fabien Gilot, da França. O americano então deu seu impulso na parede, permaneceu submerso por muito mais tempo que seus rivais e, para delírio da torcida, veio à superfície na primeira posição.

Muitos chamaram de a "melhor virada já feita". "Depois de realizá-la, Phelps veio à tona impressionantes 2,5 segundos após o francês que havia completado a volta primeiro", escreveu Timothy Burke, do site Deadspin.

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No mundo da natação é sabido que, após a virada, pernadas estilo borboleta debaixo d'água são muito mais eficazes do que nadar na superfície, já que, neste caso, os nadadores criam uma espécie de onda que impede o progresso. Além disso, há a resistência na superfície – a fricção na água contra o corpo do atleta – que pode ser evitada ao se nadar submerso. A resistência das ondas aumenta junto da velocidade do nadador, o que torna a tacada de pau na parte de cima da água uma péssima opção.

De fato, nadar abaixo da superfície se tornou uma técnica tão popular que é ilegal nadar mais que 15 metros debaixo d'água após mergulhar na piscina ou fazer a virada. "Pernadas submersas são a maneira mais rápida de se nadar", afirmou John Muller, fundador do site SwimmingScience.net e fisioterapeuta de atletas olímpicos. "Você sofre menos atrito frontal, menos atrito com as ondas."

Mas se nadar debaixo d'água é tão superior, então por que diabos Phelps foi o único que ficou submerso por tanto tempo? Por que seus rivais subiram logo?

"Se você vai ficar submerso por tanto tempo, você consome muito oxigênio e força seus músculos respiratórios"

Fiquei surpreso ao saber que há toda uma ciência sobre esse negócio de nadar debaixo d'água. Os rivais de Phelps subiram logo não porque são burros, mas sim porque seria a estratégia adequada para suas habilidades (vale notar que o tempo de Phelps foi apenas o quarto melhor na corrida).

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Por mais que saibamos há 20 anos que nadar borboleta debaixo d'água é o método mais ágil, trata-se de uma técnica incrivelmente complexa. Poucos conseguem fazê-la de forma eficaz ao longo dos 15 metros permitidos.

"Ela também tem algumas desvantagens: se você ficar submerso por tanto tempo, você consome muito oxigênio e força seus músculos respiratórios", disse Mullen, comentando ainda que, a não ser que a técnica seja executada perfeitamente, ficar mais tempo debaixo d'água nem sempre é o melhor para cada nadador. "Alguns estudos já provaram que esta é a maneira mais veloz, mas há toda uma geração de atletas que talvez não tenha recebido esse treinamento para ficar submerso quando estavam aprendendo a nadar."

O fato de seres humanos não serem lá muito bons na natação (em comparação a peixes e animais aquáticos, claro) deixa muito espaço para melhorias em estratégia e mecânica. É isso que faz do esporte tão empolgante. Agora existem várias pesquisas científicas que nos ensinam como o ser humano pode se mover melhor dentro da água.

"Os nadadores mais rápidos em competições mundiais de 100 m não passaram mais tempo submersos que os mais lentos"

Um artigo publicado em março no European Journal of Sport Science revelou que, apesar do tempo nadando submerso ter aumentado nas últimas décadas (numa média entre 2 a 6 metros a mais do que no passado), os melhores nadadores do mundo passam pouco tempo a menos submersos nos 100 metros estilo livre que seus rivais mais lentos. O nome do artigo é: "Nadadores mais rápidos passam mais tempo submersos que os mais lentos em campeonatos mundiais?"

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"Os nadadores mais rápidos em competições mundiais de 100 metros não passaram mais tempo submersos que os mais lentos", escreveu Santiago Veiga, que estudou os tempos de natação submersos e na superfície no mundial de 2013. "Os resultados eram inesperados… Nadadores de elite de 100 metros podem priorizar vir à superfície em vez de cobrirem longas distâncias submersos de forma a maximizar a velocidade."

Veiga, que estuda ciências de natação para a Federação de Natação de Madrid, na Espanha, comentou ainda que, essencialmente, nem todos conseguem dar pernadas tão eficazes quanto Phelps. Isso ocorre provavelmente porque pernadas submersas sempre foram algo mais ligado a quem nada borboleta ou peito, por serem feitas de forma mais lenta que no crawl. Ou seja: Phelps é excelente no estilo borboleta e afiou toda sua técnica naquele evento.

Veiga me disse ainda que competidores de estilo livre demoraram a adotar a técnica submersa porque o crawl é quase tão rápido quanto nadar debaixo d'água – especialistas no estilo livre não veem a mesma vantagem que alguém nadando peito ou borboleta veria.

"O estilo livre é um pouco diferente porque a velocidade na superfície é maior do que a em outras modalidades (por volta de 2m/s no estilo livre e 1,7-1,8m/s no peito ou borboleta)", comentou. "Logo, somente se sua velocidade submerso é alta pode obter alguma vantagem de passar mais tempo debaixo d'água. Isso acontece com especialistas nos estilos peito/borboleta que competem em eventos de estilo de livre, como Phelps, o francês Jeremy Stravius ou o sul-africano Chad Les Clos. É raro ver pernadas excelentes em quem se dedica ao estilo livre."

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"Quando os nadadores percorrem maiores distâncias submersos isso também causa efeito positivo ao nadar na superfície, algo que acabamos de perceber em nossas pesquisas mais recentes", disse Veiga. "Nadadores de peito e borboleta que eram melhores debaixo d'água tiveram uma transferência positiva de impulso ao retornar à superfície. Logo, ao dar pernadas por mais tempo, Phelps alcançou velocidades maiores submerso e também quando voltou à tona".

Não se pode dizer que "nadar submerso é sempre melhor", especialmente quando as técnicas e corpos dos nadadores variam tanto.

"As pesquisas atuais devem ser encaradas com parcimônia já que as estratégias de natação submersa devem ser consideradas de acordo com as características de cada nadador", escreveu Veiga em seu artigo.

Mullen me disse ainda que, pelo fato dos seres humanos serem tão ineficazes ao nadar, o esporte sofre mudanças constantes. Por vezes, são necessárias décadas para que uma técnica em especial chegue às competições.

"A virada de Phelps foi importante, ainda mais para ele que é excelente debaixo d'água. Suas pernadas submersas são um tremendo recurso, e só agora vemos os especialistas nos 100m irem um pouco além debaixo d'água", disse.

"Nadadores de 26-32 anos não receberam tanto treinamento nesse sentido quando jovens. Já os de 16-20 anos em sua primeira Olímpiada, passaram a vida toda desenvolvendo habilidades para manterem velocidades submersos."

Tradução: Thiago "Índio" Silva