Por que Deveríamos Construir Cidades nos Céus de Vênus
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Por que Deveríamos Construir Cidades nos Céus de Vênus

"A 50 quilômetros de altura, Vênus é muito parecido com a Terra, tirando a necessidade de vários projetos de terraformagem."

Geoffrey Landis, 59 anos, de Columbus, Ohio, é um prolífico escritor de ficção científica cuja obra já foi publicada em diversas revistas e lhe rendeu prêmios. Em 1992, Landis ganhou um Hugo, o equivalente ao Pulitzer da ficção científica, e em 2011 foi indicado a mais um Hugo por um conto intitulado "The Sultan of the Clouds" ( O Sultão das Nuvens). Com influências de Arthur C. Clarke e Robert Heinlein, é a história de um técnico residente em Marte chamado David Tinkerman, que acompanha sua paixão secreta, a cientista Leah Hamakawa, em uma misteriosa viagem ao segundo planeta mais próximo do Sol.

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"A superfície de Vênus é de uma pressão esmagadora e temperatura infernal. Vá acima dela, porém, e a pressão diminui, o calor cede. Cinquenta quilômetros acima da superfície, na base das nuvens, o clima é tropical e a pressão é a mesma que a da Terra. 20 quilômetros acima disso, o ar é rarefeito e gélido.

Entre estes dois níveis estão as dez mil cidades flutuantes de Vênus."

O primeiro parágrafo é completamente preciso. O segundo, é claro, não, mas Landis, que trabalhou como cientista na NASA durante 26 anos, passou a última década e meia tentando mudar este fato.

Um comparativo entre a Terra e Vênus, por vezes chamado de "gêmeo da Terra" por conta da semelhança em tamanho. Crédito: NASA

A gravidade de Vênus equivale a 90% da terrestre, e o planeta é mais acessível que Marte, alcançável em apenas cinco meses, enquanto uma viagem a Marte dura nove.

Na NASA, a ideia de enviar humanos à Marte e Vênus foi proposta pela primeira vez logo após à histórica caminhada na Lua de Neil Armstrong, durante o programa Apollo, quando a agência espacial era um tanto quanto leviana quanto à exploração e riquíssima. O apoio público para com a agência seguia rumo a alturas que jamais atingiria. Ela havia começado a enviar sondas para Vênus em 1961, como parte do projeto Mariner. Já nas propostas de enviar humanos para Vênus, que reaproveitariam o hardware do programa Apollo, os engenheiros determinaram que os três astronautas a bordo teriam entre 45 minutos e dois dias para observações em campo. Mesmo com motores nucleares (também teóricos) isso não seria o suficiente para fazer com que a viagem de 400 dias valesse o esforço. Ir até Marte, enquanto isso, era um feito considerado praticamente impossível. Para a exploração destes planetas, robôs teriam que bastar.

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Landis, que usa uma barba debaixo de alguns poucos cabelos castanho-avermelhados, juntou-se à NASA duas décadas após o Apollo, ao final da era Reagan, e dois anos depois do desastre com a Challenger ter abalado a determinação humana de se explorar o espaço. Após obter seu Ph.D. em física da Universidade Brown, Landis trabalhou como pesquisador pós-doutoral na NASA, como cientista sênior no Instituto Aeroespacial de Ohio, e como professor convidado de Astronáutica no MIT.

Landis agora é um cientista do serviço público no setor de Fotovoltaicos e Tecnologia Energética na NASA Glenn, onde integrou as equipes responsáveis pela aterrissagem tanto da Spirit quanto Opportunity em Marte. Ele também patenteou oito projetos de dispositivos fotovoltaicos, desenvolveu sistemas de propulsão de vela laser para viagens interestelares, e colaborou com um projeto cujo objetivo é colocar um submarino em Titã como parte do programa de Conceitos Avançados Inovadores da NASA.

Na conferência sobre exploração espacial em Albuquerque de 2001, Landis fez uma apresentação que a partir dali ligou seu nome a um pequeno grupo de cientistas espaciais que considerou, à sério, a exploração e colonização humana de Vênus.

Para começar a explorar o planeta-nuvem – cujo apelido deriva das massas enormes de dióxido de carbono e ácido sulfúrico ao seu redor – Landis propôs o uso de um avião movido a energia solar que poderia navegar pela atmosfera, e até mesmo um land-sailer que pudesse sobreviver ao clima extremo na superfície do planeta. Ele detalhou ainda mais o conceito em outra conferência, desta vez em 2003, onde afirmou que "a exploração robótica de Vênus poderia levar ao desenvolvimento de uma missão humana para explorar as nuvens de Vênus com aeronaves", concluindo que "no final das contas poderíamos ainda considerar a colonização da atmosfera venusiana".

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As primeiras propostas de Landis para a exploração da atmosfera de Vênus por meio de grandes balões e aviões solares, por mais inverossímeis que pareçam, recentemente inspiraram outros pesquisadores na NASA a explorarem tal ideia. Em outubro, Dale Arney e Chris Jones, uma dupla de cientistas de Langley, Virgínia, finalizou uma pesquisa para uma ideia a qual se referem como High Altitude Venus Operational Concept [Conceito Operacional de Vênus em Alta Atitude]. O HAVOC propõe que uma missão tripulada inicial fique na órbita de Vênus durante 30 dias, antes de se tentar viver acima do planeta. O vídeo que acompanha o estudo, disponibilizado abaixo, conseguiu mais de meio milhão de visualizações no YouTube.

O Argumento em Prol de Vênus

Estas ideias, é claro, são um tapa na cara do conhecimento convencional, que dita que o próximo habitat da humanidade deveria ser na superfície de Marte ou no espaço aberto – locais em que o ambiente terrestre pode ser reproduzido até certo ponto em benefício dos exploradores humanos. Mas a atmosfera de Vênus, Arney e Jones argumentam, é "provavelmente o ambiente mais próximo à Terra que existe".

Em suas nuvens, as temperaturas são semelhantes às nossas, e por conta de seu tamanho – praticamente o mesmo da Terra – o planeta conta com um empuxo gravitacional que chega a apenas 90% do terrestre, algo que envolveria muita energia e complexas mecânicas para se simular em qualquer outro lugar. E por isto Vênus ganhou outro simpático apelido: gêmeo da Terra.

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Vênus também é mais acessível que Marte. Pode-se chegar à Vênus em cinco meses, ao contrário de Marte, que leva nove meses no total. Tomando o caminho mais curto, oportunidades de viajar para Vênus surgem a cada 1.6 anos, enquanto que a janela ideal para viagens à Marte surgem a cada dois anos. Além do que, enquanto os dois planetas contam com grandes quantidades de elementos voláteis essenciais à vida como hidrogênio, carbono, e nitrogênio, apenas a atmosfera densa de Vênus ajudaria a proteger os colonizadores da radiação solar. Marte, por sua vez, quase não tem atmosfera, o que mantém o Planeta Vermelho profundamente congelado e expõe os futuros colonos à radiação.

Uma imagem do estudo de Landis de 2003

A densidade e altos índices de CO2 presentes na atmosfera venusiana também transformaram sua superfície em uma verdadeira fornalha. Durante o dia, as temperaturas normalmente chegam a mais de 482 graus Celsius, quente o bastante para derreter chumbo. Na superfície, a pressão atmosférica é 92 vezes maior que a terrestre, equivalente à pressão encontrada a quase 3 mil pés no fundo do mar.

É exatamente este ambiente inóspito e complexo (e nossa relativa ignorância de como ele veio a ficar deste jeito) que demanda por uma exploração mais profunda do planeta. O fervor do ambiente em Vênus e atmosfera rica em carbono oferece o melhor exemplo do sistema solar de um aquecimento global extremo. Cientistas teorizam que há um bilhão de anos Vênus seria um planeta muito mais frio, um planeta deserto habitável. Mas uma série de possíveis eventos, tais como a ascensão de placas tectônicas há cerca de 700 milhões de anos, poderiam ter contribuído para o acúmulo de carbono na atmosfera em níveis alarmantes, esquentando o planeta e evaporando os oceanos que talvez tenham existido lá.

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No final dos anos 70, o modelador climático da NASA James Hansen concluiu que o CO2 em combinação com os aerossóis de sulfato na atmosfera eram "responsáveis pelo estado climático básico em Vênus". Isto foi educativo para a Terra, escreveu Hanson, pois sulfatos e CO2 estavam sendo emitidos cada vez mais pela indústria humana, contribuindo para o acúmulo a partir de fontes mais naturais como vulcões. (Hansen seria uma das mais altas e precoces vozes preocupadas com os efeitos do dióxido de carbono no clima terrestre.)

Os vértices duplos no Polo Sul de Vênus. Crédito: Agência Espacial Europeia

"Certamente Vênus é um excelente exemplo de planeta que sofreu com o efeito estufa – talvez seja o futuro da Terra, mas o futuro bem distante da Terra", disse Landis. Independente de qualquer coisa, "aprendemos sobre nosso planeta ao aprendermos sobre outros, e aprendemos a viver em nosso planeta ao viver em outros".

A exploração de Vênus começou mesmo em 1961, quando a União Soviética lançou Tyazhely Sputnik (também conhecido como Venera 1VA No. 1), uma missão para levar uma sonda até Vênus. O foguete explodiu antes mesmo de deixar a atmosfera terrestre. Em 1962, o Mariner 2 da NASA revelou que a radiação de calor detectada pelos telescópios não vinha da atmosfera do planeta e sim de sua superfície quente. "Foi muito decepcionante para várias pessoas", relembra um dos descobridores, "[elas] estavam relutantes em desistir da ideia de um planeta-irmão e até mesmo da possibilidade de vida".

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Em 1966, após diversas outras tentativas malsucedidas de levar o programa adiante (ou mais próximo de Vênus), os soviéticos finalmente conseguiram colocar o primeiro objeto feito pelo homem em outro planeta, quando o Venera 3 caiu em Vênus. Em 15 de dezembro de 1970, o Venera 7 aterrissou no planeta relativamente intacto e tornou-se então a primeira sonda a transmitir dados da superfície venusiana. Levando em conta o ambiente hostil, não durou muito.

Uma foto da superfície tirade pela sonda Vanera 13 soviética em 1981. Ela sobreviveu 127 minutos

"O clima na superfície de Vênus é um aviso", escreveu Carl Sagan. "Algo desastroso pode acontecer com um planeta bastante parecido com o nosso."

Landis remonta sua própria busca de Vênus a um texto publicado em 1961 – o ano em que os soviéticos deram início ao projeto Vanera – de autoria de outro cientista e ficcionista. Naquele ano, o jovem astrônomo planetário Carl Sagan, então um estudante de doutorado trabalhando no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, onde colaborou com as primeiras missões do Mariner rumo à Vênus, publicou um artigo na Science intitulado "The Planet Venus". Nele, Carl delineava a primeira proposta séria de colonização do gêmeo terrestre.

Para início de conversa, Sagan defendia o bombardeio da atmosfera superior venusiana com algas geneticamente modificadas. A ideia era reduzir os níveis de dióxido de carbono na atmosfera de forma a servir como suporte para a vida terrestre. De acordo com Sagan, as algas (especificamente colhidas da família Nostocacae) eram conhecidas por sobreviverem a imersão em nitrogênio líquido e também às altas temperaturas em fontes termais que excediam os 80 graus Celsius, tornando-as candidatas ideais para aguentarem as condições atmosféricas extremas de Vênus. Estas algas também são conhecidas por sua capacidade de fotossintetizar "oxigênio molecular em evolução, sugerindo que poderiam desempenhar a tarefa crucial de dissociar o dióxido de carbono, transformando-o em oxigênio e carbono elementar, diminuindo significativamente a temperatura planetária e permitindo a fotossíntese de plantas verdes.

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A imponente proposta de geoengenharia de Sagan não foi muito longe. "Era uma ideia maravilhosa e radical para 1961, mas eles apenas começavam a entender Vênus", afirmou Landis. "[Sagan] não compreendia bem como funcionava a atmosfera densa de Vênus. Ele foi um dos primeiros a perceber que o planeta tinha uma atmosfera extremamente densa composta por dióxido de carbono, mas eles não sabiam que era uma atmosfera 92 vezes mais densa que a terrestre. Não dá pra converter tanto dióxido em oxigênio."

Três décadas depois o próprio Sagan afirmou que a ideia era "fatalmente equivocada". Mas ele ainda acreditava que Vênus tinha lições importantes para ensinar à Terra. Em seu livro Cosmos, de 1980, Sagan ponderava sobre as características de "Cachinhos Dourados" que a Terra detinha ao se referir aos efeitos do dióxido de carbono em Vênus:

Como Vênus, o planeta Terra também tem 90 atmosferas de dióxido de carbono; mas estas residem na crosta no formato de calcário e outros carbonatos, não na atmosfera. Se a Terra se aproximasse um pouco mais do Sol, a temperatura aumentaria levemente. Isto faria com que parte do CO2 abandonasse as rochas da superfície, gerando um efeito estufa mais forte, que por sua vez esquentaria ainda mais a superfície. Uma superfície mais quente vaporizaria ainda mais carbonatos, transformando-os em CO2, e haveria a possibilidade de um efeito estufa rampante causar temperaturas extremamente altas. Isto é o que achamos que aconteceu no início da história de Vênus, por conta de sua proximidade com o Sol. O clima na superfície de Vênus é um aviso: algo desastroso pode acontecer com um planeta bastante parecido com o nosso.":

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AS OPÇÕES DE TERRAFORMAÇÃO

Por mais remotos que pareçam os planos de Sagan de "engenharia microbiológica planetária", uma série de outras propostas surgiu no decorrer das cinco décadas desde então, apelando a uma inversão total do efeito estufa do planeta. Em seu livro New Earths, de 1981, James Oberg propôs tornar Vênus habitável ao remover 98% de sua massa atmosférica ao deslocar 10 quintilhões de toneladas de CO2 para o espaço. De acordo com seus cálculos, se tal projeto fosse desenvolvido para se dar ao longo de 100 anos, isto envolveria a retirada de cerca de 300 mil toneladas de gás por segundo. Comparativamente, a Amazon consegue mover por volta de 10 mil toneladas de água por segundo.

Em visões mais expansivas, encher Vênus de dióxido de enxofre ou hidrogênio – ou cobrir o planeta com protetores solares – poderia levar seu clima à submissão.

Em 2010, o químico atmosférico vencedor do prêmio Nobel Paul Crutzen sugeriu a liberação de quantidades gigantescas de dióxido de enxofre na atmosfera venusiana, o que de acordo com ele poderia diminuir a temperatura na superfície e frear o efeito estufa ao recriar condições similares a de uma erupção vulcânica terrestre. A ideia ecoou sua agora famosa proposta para a Terra: bombear gás na atmosfera para combater os efeitos do aquecimento global – uma espécie de Plano B para o clima que ajudou a dar fôlego para o surto de geoengenharia.

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No começo dos anos 90, um cientista chamado Paul Birch propôs uma abordagem de terraformação diferente diante do problema com o CO2 em Vênus: administrar 40.000.000.000.000.000.000 quilos de hidrogênio à atmosfera do planeta, hidrogênio este obtido de alguma forma dos gigantes gasosos Júpiter e Saturno. De acordo com Birch, o hidrogênio reagiria com o excesso de dióxido de carbono na atmosfera em um processo conhecido como reação Bosch , produzindo então carbono elementar e quantidades incríveis de água – de acordo com sua estimativa, água o bastante para cobrir 80% da superfície venusiana. O processo reduziria a pressão atmosférica a meros 3 bar, mais ou menos a mesma da Terra, e esta atmosfera rica em nitrogênio continuaria caindo em pressão enquanto o nitrogênio se dissolvesse nos novos oceanos.

"A outra ideia que Paul Birch teve foi colocar protetores solares ao redor de Vênus para deixar a atmosfera do lado de fora, e essa é uma ideia muito louca", disse Landis. A ideia de Birch envolveria o uso de espelhos solares gigantes posicionados em um ponto de Lagrange entre Vênus e o Sol. Estes espelhos teriam dois propósitos: gerar energia solar e refletir luz solar excessiva para longe do planeta, diminuindo assim as temperaturas na superfície. Mas entre outras visões dantescas, estas são quase que monolíticas. "Paul Birch tem algumas ideias maravilhosas e abrangentes sobre a terraformação de planetas – ele era mesmo um pensador futurista", disse Landis. "Mas acho que Paul talvez seja otimista demais."

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AS OPÇÕES COM NUVENS

Na visão mais pés-no-chão de Landis, o lugar da humanidade em Vênus não será na superfície do planeta, mas sim quilômetros acima, em suas densas nuvens. "Meu plano é, nem tentar terraforma a superfície, mas construir acima dela", disse Landis. "Não sei se soluções biológicas estão descartadas, mas acho que um bom lugar em Vênus, o lugar no qual você deveria se concentrar, está a uns 50-60 quilômetros acima – comecemos com cidades flutuantes."

Ele conjura a poética de algo neste sentido em "The Sultan of the Clouds", quando seu protagonista penetra a atmosfera do planeta pela primeira vez:

"Cento e cinquenta milhões de quilômetros quadrados de nuvens, um bilhão de quilômetros cúbicos de nuvens. No oceano de nuvens as cidades flutuantes de Vênus não são limitadas, como as cidades terrestres, à duas únicas dimensões, podendo flutuar para cima e para baixo de acordo com as vontades de seus mestres, para cima em direção à brilhante e fria luz solar, ou para baixo rumo às sombrias e quentes profundezas… A barcaça passa pelas catedrais de nuvens e montanhas de nuvens, pontas recomplicadas com fractais de couve-flor. Passamos por covis de monstros feitos de nuvens com um quilômetro de altura, com pescoços de nuvem arqueados para a frente, ameaçadores e barulhentos com seus dentes de nuvem, corpos musculosos compostos por nuvens e com pés com garras cheios de trovões".

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"A 50 quilômetros da superfície, Vênus é notavelmente semelhante à Terra, excluindo a necessidade de projetos sérios de terraformação. A pressão atmosférica é de confortabilíssimo um bar, a gravidade cerca de 90% da terrestre, e as temperaturas ficam entre acolhedores zero a 50 graus Celsius."

Estas cidades flutuariam quase no topo da camada de nuvens de Vênus, o que lhes permitiria colher bastante energia solar durante um dia típico venusiano, que dura cerca de 117 dias terrestres. Por mais que os humanos ainda tenham que lidar com diversos fatores ambientais venusianos únicos – ventos que chegam 320km/h circulam o planeta a cada dois dias em um processo conhecido como "super rotação", criando nuvens de ácido sulfúrico por onde passam - encontrar soluções técnicas para estas variáveis é tarefa relativamente simples se comparado com tentar retirar toda a atmosfera de um planeta e jogá-la no espaço.

O mais recente conceito de cidades flutuantes sobre Vênus, parte de um "projeto paralelo" na Diretoria de Conceitos e Análise de Sistemas da NASA em Langley, Virgínia, sugere que naves entrem na atmosfera venusiana e lancem dirigíveis menores, mas ainda assim segue um conceito similar à ideia traçada por Landis.

Na proposta do HAVOC, dirigíveis com 129 metros de comprimento seriam lançados após a entrada na atmosfera venusiana, servindo de base para habitats maiores flutuantes. Crédito: NASA

Por maios que os planos de Landis precedam a proposta de Langley em mais de uma década, ele vê ambas não como rivais e sim como dois diferentes conceitos com o mesmo objetivo: colocar o homem em Vênus. "O trabalho deles é um pouco mais focado nas fases iniciais da exploração", disse Landis. "Com certeza estamos pensando na mesma direção, mas não posso tomar o crédito pelo trabalho deles. Eles deram duro ao enviarem os detalhes para conceitos iniciais para as primeiras missões."

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Para os cientistas de Langley, a ideia de Landis foi uma inspiradora precursora. "Há muito tempo suas ideias tem sido a base para conceitos de exploração humana em Vênus", disse a mim Dale Arney, co-autor da proposta HAVOC. "Lemos um de seus artigos e decidimos que seria uma ideia bacana de se aprofundar, de ver o que seria mesmo preciso para que uma missão destas se tornasse viável."

A proposta inicial de Landis para cidades nos céus venusianos era muito mais ampla em escopo do que a missão HAVOC, envolvendo a construção de habitats aerostáticos flutuando a 50 km da superfície planetária. Estas serviriam como "bases operacionais avançadas" para missões na superfície e estações de passagem para viagens interplanetárias. Essencialmente, estas cidades existiriam em envelopes flutuantes gigantescos de ar respirável, uma mistura de oxigênio e nitrogênio que serviria como gás de elevação na atmosfera repleta de dióxido de carbono de Vênus.

"Você teria mesmo que fazer isso em prol exploração espacial à longo prazo. É lá que está o futuro. Estamos nos mudando para o sistema solar." – Dale Arney

Mas e a possibilidade de colônias inteiras caírem dezenas de quilômetros em direção à superfície enquanto queimam em nuvens de ácido sulfúrico? Landis não pareceu muito abalado.

"É claro que tudo que os humanos fazem tem algum risco", disse. "Mas você gostaria de fazer suas cidades bem robustas. Lógico que quanto maior o balão, mais tempo você terá para lidar com o vazamento. Se é um balão pequeno, de criança, ele estoura na hora. Você precisaria de um balão enorme com várias câmaras [nestas cidades flutuantes]. Seria gigantesco comparado com qualquer outro balão terrestre. Com certeza faria o Hindenburg parecer um anão."

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As naves exploradoras propostas para a missão HAVOC teriam 130 metros de comprimento, um equivalente a dois Boeing 747, o que é cerca de metade do Hindenburg. O conceito de Landis clama por habitats bem maiores. Os habitats aerostáticos imaginados por ele seriam compostos por múltiplos balões, cada um com até um quilômetro de diâmetro, capaz de suportar dezenas de milhares de pessoas.

Para colocar isto em perspectiva, um balão com um quilômetro de diâmetro é capaz de levantar 700.000 toneladas, ou o peso de dois Empire State. Adicione um segundo balão do mesmo tamanho e a capacidade destes aumenta exponencialmente: agora ele pode suportar 6 milhões de toneladas. De fato, estes balões seriam até mesmo mais fáceis de se manter flutuando na atmosfera venusiana do que na terrestre tendo em vista que a gravidade tende a ser um pouco mais fraca em Vênus.

Em " Sultan of the Clouds", Tinkerman e Hamakawa observam a cidade de Hypatia surgir entre as nuvens:

"A cidade era um domo, ou melhor, uma série de domos brilhantes fundidos improvisadamente, cada um facetado com um milhão de painéis de vidro. Os domos eram gigantescos, o menor com no mínimo um quilômetro de ponta à ponta, e enquanto a barcaça deslizava pelo céu, as facetas de vidro recebiam a luz solar e brilhavam com a luz refletida. Abaixo dos domos, um fino traçado de preto se esticava feito caramelo em direção à base das nuvens, delicado como fibra de vidro, culminando em uma pedrinha que parecia diminuta demais para contrabalançar o peso dos domos.

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Bonito, você acha, não? Como as maravilhosas águas-vivas dos oceanos de seu planeta azul. Consegue acreditar que meio milhão de pessoas vive ali?"

Apesar da recepção calorosa do público quanto à proposta HAVOC e de seu próprio otimismo, Landis reconhece que as chances de uma missão tripulada a Vênus no futuro próximo são remotas. O financiamento para as missões lunares definhou em 1973; o orçamento geral da NASA encolheu de um ápice de 5.9 bilhões de dólares em 1966 para 3.2 bilhões em 1974. Enquanto porcentagem dos gastos federais, segue encolhendo: em 1966, a NASA compunha 4,4% de todos os gastos federais. Agora bate na casa dos 0,5%.

"Como em todas a missões, o dinheiro e a política são os verdadeiros problemas. Acho que poderíamos fazê-lo, tecnicamente, apesar de haver muita engenharia específica a ser feita. Conseguir o apoio político é que é complicado", declarou Landis. "Minha crença é que precisamos colonizar o sistema solar, mas não podemos fazer nada politicamente sem um consenso nesse sentido".

Por que, se Vênus é tão promissor, o Planeta Vermelho acaba roubando a atenção? Num golpe de ironia, isso talvez tenha a ver com as duas sondas que Landis ajudou a pousar lá. "Acho que [Vênus] tende a ser ignorado possivelmente porque as imagens que recebemos de Marte são tão espetaculares", disse. A melhor maneira de se conseguir apoio político e econômico para missões tripuladas em Vênus é simplesmente enviar mais robôs para lá.

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"Acho que se você quer enviar pessoas, é preciso ter mais sondas robóticas explorando o ambiente de forma mais detalhada", declarou Landis. Seu conceito de avião solar poderia ajudar. "Creio que poderíamos desenvolver o avião solar com a tecnologia disponível agora. Precisaríamos de algum esforço para desenvolvê-lo, mas com certeza é um projeto possível e que nos permitiria observar a atmosfera superior de Vênus". Uma sonda também ajudaria: "O que precisamos é colocar algumas missões em Vênus tão capazes – e com câmeras tão boas – como as recentes em Marte, para que as pessoas se empolguem de verdade".

A equipe HAVOC, nesse meio tempo, já se separou. O tempo extra liberado para o "projeto paralelo" de Arney e Jones pela Diretoria de Conceitos e Análise de Sistemas da NASA em Langley expirou, e os dois voltaram para o setor de Análise de Missões Espaciais, ajudando a projetar e supervisionar a exploração atual do sistema solar.

"Atualmente Chris e eu não temos planos iminentes de voltar a trabalhar nesta área específica, mas certamente existem muitas oportunidades a serem exploradas com missões robóticas e coisas assim", disse Arney. "Uma campanha robótica rigorosa é necessária, semelhante ao que vimos acontecer em Marte nas últimas duas décadas. Então a coisa teria que começar a tomar forma. Propostas científicas para missões em Vênus tem que começarem a ser feitas."

Até então, a equipe HAVOC não recebeu nenhum retorno da administração atual ou de membros do Congresso quanto à sua pesquisa. "Não posso falar com os políticos e como isso tudo irá mudar, mas agora o Congresso e o Presidente estão bastante focados no redirecionamento de asteroides e missões em Marte."

Apesar do peso imediato de nossa compreensão científica das mudanças climáticas, Arney admite não existir incentivo econômico (ou militar) a curto prazo para o envio de uma missão tripulada ao planeta. "Temo que seja difícil atribuir à exploração venusiana algum valor econômico no momento", disse. "Acho que podemos fazer isso tendo em mente objetivos a longo prazo, ou ainda – ouso dizer – por idealismo. Você teria mesmo que fazer isso em prol exploração espacial à longo prazo. É lá que está o futuro. Estamos nos mudando para o sistema solar."

Ainda assim, incentivos econômicos escassos não são o mesmo que nenhum incentivo. Ao passo em que Vênus não pode ser considerado uma mina de ouro, existem razões bem convincentes, do ponto de vista fiscal, para considerar a colonização do planeta algo sério, ainda mais a longo prazo. "Na superfície [de Vênus] existem diversos recursos, mas custa caro demais ir até lá para minerar, potencialmente, estes recursos, então focamos primeiro no que poderia ser extraído da atmosfera, como é o caso do nitrogênio e dióxido de carbono", disse Arney.

"Economicamente, não estou certo do tipo de mercado que existiria no futuro próximo para esses recursos [atmosféricos]", adicionou, "mas se você pensar a longo prazo, em um futuro em que a humanidade seria uma espécie multiplanetária, ter estes recursos à pronta entrega seria útil".

Não obstante um future mercado para o nitrogênio, Arney crê que a iniciativa privada, empresas como a SpaceX e Boeing, também tem um papel a ser desempenhado no desenvolvimento de tecnologia para futuras missões da NASA a Vênus. "Tradicionalmente, missões não-tripuladas tem utilizado veículos de lançamento comerciais, então consigo ver esta como uma posição em que a iniciativa privada talvez estivesse envolvida [na exploração venusiana]", afirmou.

Landis vê um sem-fim de trabalho a ser feito no future imediato a fim de traçar o caminho para uma exploração maior do planeta. Enquanto isso, ele dá crédito à equipe de Langley por reacender o interesse no planeta-nuvem, e lamenta o fato de que a última tentativa de enviar uma sonda à sua atmosfera tenha sido feita pela União Soviética.

"Você tem que começar com o brainstorming e então ir além, passando para os detalhes de engenharia", afirmou Landis. "Mas ao mesmo tempo acho que temos que parar de negligenciar Vênus como possível alvo de missões científicas. Vamos voltar lá com tecnologia moderna – vamos explorar atmosfera e este planeta de ponta à ponta e ver qual é a dele. Acho que isso ajudaria a desenvolvermos os mesmos sentimentos na exploração de Vênus como os que sentimos por Marte."


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Tradução: Thiago "Índio" Silva