Como as imagens do museu de anatomia veterinária da USP foram parar na Wikipédia
Crânio da hipopótamo Teteia, que viveu por décadas na Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Crédito: Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP / Wagner Souza e Silva

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Como as imagens do museu de anatomia veterinária da USP foram parar na Wikipédia

Na época da pós-verdade, um pouquinho de conteúdo confiável.

Coração de boto, esqueleto de capivara, feto de porco doméstico, testículos de cavalo. Qualquer coisa está na Wikipédia, como sempre. Mas dessa vez é confiável: as imagens do órgãos citados, entre outras 160, saíram dos arquivos do Museu de Anatomia Veterinária (MAV) da Universidade de São Paulo para ilustrar verbetes da enciclopédia virtual.

O processo é o resultado de um esforço que a Wikipédia vem fazendo para melhorar a qualidade de seu conteúdo que, como sabemos, tem muitos problemas. Uma das formas é fazer parcerias com centros de pesquisa especializados em alguma forma de conhecimento científico. No caso, há uma parceria com o Neuromat (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática), que fez o convite ao museu, sediado no campus da USP no Butantã, zona oeste da capital paulista.

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"A gente tem grande proximidade com os pesquisadores de biociências. Um deles me falou do trabalho de divulgação científica do Neuromat. Daí marcamos uma reunião em julho de 2016 com eles e fechamos a parceria", disse o coordenador técnico do MAV, Mauricio Candido da Silva.

Pelicano taxidermizado. Crédito: Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP / Wagner Souza e Silva

Silva, 48 anos, conta que levou a ideia aos chefes e, depois de algumas conversas, perceberam o potencial de divulgação do projeto. Decidiram deixar de fora apenas as peças de anatomia humana, como crânios, braços e outros órgãos. "Por questões éticas, achamos melhor adotar essa restrição", afirmou.

Ao mesmo, ele aproveitaria o movimento para criar um banco de dados das cerca de mil peças que estão em exposição permanente — o espaço, de 400 m², é considerado pequeno e não possui local para um acervo.

A parceria só deu certo porque as fotos haviam sido feitas seis meses antes. Na época, o objetivo era apenas fazer uma base para um catálogo do museu. Silva convidou o fotógrafo e professor da Escola de Comunicação e Artes Wagner Souza e Silva para fazer a documentação.

Crânio de camelo com ossos pintados. Crédito: Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP / Wagner Souza e Silva

"Foi um trabalho intenso. Montamos um fundo, ajustamos as luzes e passávamos o dia mexendo nas vitrines. Imagine tirar um esqueleto de um bisão e colocá-lo no fundo infinito. Foi complicado", diz Silva. O resultado deu certo. Cerca de 800 imagens foram feitas, com destaque para a dos esqueletos dos bichos contra o fundo preto, que ficaram, ainda que de uma maneira esquisita, poéticas.

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Fechado o contrato, a operação levou um mês para começar — era preciso criar um processo que colocasse as informações com segurança para a enciclopédia. O método foi criar uma planilha com lotes de 30 peças. Silva seleciona as imagens, um bolsista (equivalente ao estagiário no mundo acadêmico) preenche cada uma com os dados do que está descrito na exposição, as informações são traduzidas para o inglês, revisadas pelo diretor do museu e finalmente repassadas à equipe do Neuromat, que sobe as fotos na Wikipédia.

Cervo sambar taxidermizado. Crédito: Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP / Wagner Souza e SilvaEsqueleto de cervo sambar. Crédito: Museu de Anatomia Veterinária da FMVZ USP / Wagner Souza e Silva

"Descrevemos o nome da espécie, qual é peça, que pode ser um fragmento de fígado de capivara ou esqueleto de avestruz, por exemplo, e a técnica de preservação. O processo vai continuar até esgotarmos as 800 fotos".

Silva conta que a divulgação não alterou o movimento do museu, mas que os relatórios das visualizações são impressionantes: até o momento são três milhões de views pelo mundo inteiro. Ao disponibilizar os dados, o coordenador do MAV sente que cumpriu o objetivo de difundir a cultura científica originada na universidade, que também é uma das propostas da museologia que ele acredita.

"Nada substitui a experiência de ir ao museu, mas é uma forma de deixar a ciência mais próxima das pessoas", diz o coordenador. "Nesse contexto de pós-verdade, a gente tem o papel de inserir dados confiáveis e disponibilizar para as pessoas."