A vida secreta da mente por trás do Silk Road 2.0
Ilustração: Shaye Anderson

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Tecnologia

A vida secreta da mente por trás do Silk Road 2.0

DPR 2 não reformou o maior site de compra e venda de drogas da internet por dinheiro ou pelo desafio tecnológico. Sentia algo maior.

Em uma parte da cozinha, ele cozinhava para amigos. Na outra, tocava um site de compra e venda de drogas multimilionário a partir de um notebook.

"Tecnicamente ainda estava no trabalho enquanto fazia o jantar", me relembrou o homem que diz ser Dread Pirate Roberts 2, criador do segundo Silk Road, durante um encontro.

Esta noite com amigos foi um dos poucos momentos em que a vida pessoal dele e a de seu império ilegal estiveram prestes a colidir.

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"O notebook estava aberto na cozinha, com coisas rodando. Nenhum dos meus amigos era de TI, então não entendiam", disse DPR2. "Mas eu sabia."

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Em documentos do processo judicial, um agente do FBI descreveu o Silk Road 2.0 como "um dos maiores, mais sofisticados e amplamente utilizados comércios criminosos da internet hoje em dia". De acordo com dados do governo, em determinado momento ele "movimentava valores casa dos 8 milhões de dólares mensais".

Mas o site era, ao menos em parte, motivado ideologicamente por uma busca pela liberdade. DPR2 muitas vezes assumia uma personalidade grandiloquente. Fazia declarações grandiosas sobre o Silk Road 2.0 e o que este representava.

Pouco antes do site ir ao ar, logo após o Silk Road original ter sido encerrado pelo FBI em outubro de 2013, ele afirmou que a notícia "ecoaria pelo mundo".

"Este não é o final de nossa luta e espero que todos possamos continuar lutando com o mesmo vigor, coragem e dedicação que tivemos nas últimas semanas", disse.

"Dread Pirate Roberts agora é imortal e, caso você se dedique a esse ideal e nossos inimigos não consigam freá-lo, então a ideia se torna algo completamente diferente", prosseguiu. "Eles podem ter afundado um navio, mas agora despertaram o kraken."

Este personagem por vezes transparecia na vida cotidiana de DPR2, mas ele tinha que se manter discreto. Ficar longe da prisão significava guardar segredos dos amigos e da família. O problema é que DPR2 tinha uma fraqueza.

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O Silk Road 2.0 operava como um serviço oculto do Tor e aceitava apenas a moeda digital Bitcoin. O site conferia aos seus usuários e administradores relativo anonimato. Ficou no ar por um ano com aparente impunidade. Milhares de traficantes utilizaram suas estantes virtuais para vender, na cara-dura, heroína, metanfetamina, psicodélicos e diversos outros tipos de drogas. O site também oferecia ferramentas para hackers e identidades falsas.

A nova versão surgiu como se o Silk Road original houvesse retornado após a prisão do criador Ross Ulbricht, 31 anos, o primeiro Dread Pirate Roberts, cujo pseudônimo vinha do romance The Princess Bride. A velocidade da criação do site foi impressionante.

"Este novo site – lançado há pouco mais de um mês após agentes federais terem fechado o Silk Road original – sublinha a realidade inescapável de que a tecnologia é algo dinâmico e em constante evolução e que o governo tem que se adaptar", declarou Tom Carper, membro do Comitê de Assuntos Governamentais e Segurança Nacional do Senado, em nota da época.

"Assim que você aperta aquele enter, cria algo que sabe que vai gerar uma caçada enorme até você."

Em novembro de 2014, o Silk Road 2.0 foi encerrado abruptamente. Em seu lugar, surgia um alerta do FBI que dizia que a página havia sido apreendida em meio à Operation Onymous, que tinha como alvo mais dezenas de sites ilegais da deep web.

O FBI chegou ao servidor do Silk Road 2.0 graças ao apoio de pesquisadores acadêmicos financiados pelo governo. O Instituto de Engenharia Científica da Carnegie Mellon, que recebe dinheiro do Departamento de Defesa, lançou um ataque na rede Tor que permitiu revelar serviços ocultos na rede. O FBI então intimou o instituto de pesquisa para obter os endereços IP coletados de usuários e sites na deep web.

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Blake Benthall, o administrador que trabalhou com DPR2 no papel de principal desenvolvedor do Silk Road 2.0, foi preso em San Francisco. (Coincidentemente, a mesma cidade em que Ulbricht foi preso, pouco mais de um ano antes.) DPR2, enquanto isso, tem sido descrito como um dos maiores traficantes da deep web que se safou.

Conheci DPR2 quando o site ainda estava no ar e gerava centenas de milhares de dólares diários em receita.

"Não duvido das suas habilidades com segurança ou um desejo sincero de proteger as pessoas com quem você trabalha, mas no passado eu estive em meio às mesmas pessoas que agora me caçam e sei o que elas podem fazer", disse DPR2 por mensagem, antes de nos encontrarmos. "Nenhuma medida tomada por qualquer jornalista os manterá afastados por mais que algumas horas."

"Um aviso rápido", comentou. "O FBI sabe bem dos planos para nos encontrarmos." Não me foi dada nenhuma evidência disto, porém.

Trecho da queixa de Blake Benthall, descrevendo a proporção do Silk Road 2.0

No dia do encontro, lá estava eu em uma rua movimentada à espera pelo homem com o qual havia trocado dezenas de mensagens criptografadas. Sem celulares ou dispositivos com conexão à internet, claro. Havíamos nos comunicado anteriormente com mensagens de assinatura PGP – o que significava que estava em contato com quem quer que seja que controlasse as chaves de criptografia de DPR2 listadas junto da conta do administrador do site.

Ele estava atrasado, mas como prometido, chegou do nada.

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"Você ouve as pessoas cantando?", perguntei. Era o código que havíamos combinado para confirmar a identidade um do outro.

"Cantando a canção de homens raivosos", respondeu, completando o trecho de Os Miseráveis, palavras que mal poderiam ser ouvidas com o barulho do trânsito. Levei-o até uma portinha onde entramos e logo tranquei tudo. Vestido de forma inteligentemente genérica, ele nunca se destacaria em uma multidão. Era invisível.

Antes de falarmos sobre qualquer outra coisa, DPR2 passou os olhos pelo cômodo em busca de câmeras e microfones escondidos, ciente de que estava me encontrando enquanto uma das autoridades mais bem financiadas e cheias de recursos do mundo certamente corria atrás dele.

O Silk Road original chamou a atenção do FBI, do DEA, do IRS e do Departamento de Segurança Nacional. O senador de Nova York Charles Schumer até mesmo encorajou que as autoridades federais derrubassem o site.

Investigações paralelas tentavam descobrir a identidade do primeiro Dread Pirate Roberts. Uma delas, conduzida pelo DEA, envolveu o forjado (porém elaborado) assassinato e tortura de um funcionário do Silk Road. O FBI, no processo de identificar a localização do servidor do Silk Road, aparentemente utilizou de um método legalmente questionável ao invadir um computador estrangeiro, e agentes disfarçados haviam se infiltrado na panelinha que era a equipe do e-commerce pela deep web.

Era provável que o renascimento do Silk Road, sob a batuta de DPR2, gerasse reação semelhante.

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DPR2 estava nervoso. Só falava quando me dirigia a ele e era extremamente educado. Mas ainda assim fez uma piadinha da bizarra situação na qual nos encontrávamos: frente-a-frente com um jornalista tendo em mente que uma caçada em busca de seu paradeiro e identidade aconteciam naquele momento. Certa hora ouvimos uma sirene na rua, o que nos fez gelar.

"Eles estão sempre um passo atrás de mim", disse DPR2. Ele lembra de ter andado atrás de um policial que não fazia menor ideia do criminoso a poucos metros dele.

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Quando o dono do Silk Road Original, Ross Ulbricht, foi preso, um grupo de veteranos do site começou a trabalhar num substituto. DPR2, que assumiu o mesmo pseudônimo que seu predecessor, foi o especialista em tecnologia e membro respeitado que liderou o relançamento.

Pouco após um mês, período de trabalho frenético com outro administrador, o Silk Road 2.0 estava prestes a entrar no ar.

"Estava com o endereço pronto pro lançamento", disse DPR2. "Acho que devo ter ficado uns cinco minutos só olhando pra tela. Assim que você aperta aquele enter, cria algo que sabe que vai gerar uma caçada enorme até você."

"Ao lançar ao site, comecei a rir, histericamente, por uns 30 segundos", disse DPR2. "São muitas emoções juntas." Ele disse se tratar de ansiedade, empolgação e até mesmo espanto com o que havia criado e soltado no mundo.

Claramente zombando das autoridades, a página de login do site era uma versão modificada do alerta que as autoridades haviam postado no Silk Road original. A nova página dizia: ESTE SITE OCULTO RESSURGIU.

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O desafio técnico em colocar no ar um comércio online de drogas funcional em um espaço de tempo curtíssimo era um dos charmes do projeto. DPR2 e um co-administrador tiveram que fazer engenharia reversa com o código que o primeiro Silk Road usava, colocar proteções contra DDOS para impedir que o site caísse por conta do fluxo de usuários e se certificar de que ele poderia aguentar os acesssos.

O primeiro Silk Road surgiu sorrateiramente. Ficou conhecido no boca-a-boca antes de virar matéria no Gawker meses depois, em 2011, com todas as alterações que Ulbricht havia feito ao longo do tempo. Os fundadores do Silk Road 2.0, por sua vez, enviaram notas à imprensa do mundo todo. Era pra chegar fazendo barulho mesmo.

"Ninguém havia feito isso nessa escala antes, ainda mais em quatro semanas", afirmou DPR2. "Muita gente pensa que ficamos lá escrevendo linhas e linhas de código sem parar. Não tem nada a ver com isso."

"Diria que passei 70% do tempo lendo – lendo sobre como isso poderia ser feito de uma melhor forma, como melhorar a velocidade, como deixar mais seguro, e há muitas limitações teóricas nisso", continuou.

"Em algum momento você tem que mentir para alguém."

Durante a criação do site e nos meses subsequentes de seu crescimento explosivo, DPR2 teve que trabalhar com uma divisão rígida – isto é, separar sua vida comum, com amigos e família, de seu empreendimento ilegal. Envolvia escolher entre trabalhar no site ou ir a uma festa de aniversário, mentir para os outros sobre o que estava fazendo e criar respostas ardilosas para perguntas muito simples que não revelasse nada sobre o Silk Road 2.0.

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"Você tem que ser bastante criativo na hora de descrever tarefas mundanas", disse DPR2. Em vez de bolar mentiras elaboradas que o complicariam depois, ele respondia a tudo de forma vaga; afirmava que trabalhava em um projeto de TI, por exemplo. Quando falava com seus amigos que entendiam mais de tecnologia aí já era um probleminha.

"Em algum momento você tem que mentir pra alguém. Tem que enganar as pessoas", explicou. "Ter um negócio multimilionário que envolve drogas rolando por baixo dos panos é um tremendo de um segredo."

Os amigos perceberam sua distância durante o lançamento do Silk Road 2.0, declarou DPR2. Ainda assim, ele sempre foi o tipo de gente que sumia por dias ou semanas quando se focava em um projeto ou ideia. Mas o tanto de spam e demais acontecimentos "tediosos" do Silk Road 2.0 resultavam em DPR2 surtando com familiares simplesmente quando lhe perguntavam como havia sido seu dia.

"Sentia como se estivesse sendo um cuzão com eles. Eles não sabem de nada, não fizeram nada", comentou.

Por mais que ficar calado fosse vital para não ser preso, DPR2 nem sempre se sentia bem em desviar de perguntas inofensivas e bem-intencionadas como O que você está fazendo? Está trabalhando em quê?

"Certamente isso coloca uma dúvida em torno de você. Se não estou falando a verdade, se estou escondendo coisas deles, o que isso me torna?", disse DPR2. De acordo com ele, seu co-administrador, sob o pseudônimo Defcon, tratava o ato de mentir para manter o site no ar como algo religioso.

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"Ele comparava com [como] Jesus morreu por nossos pecados e fez de todos pessoas melhores", comentou.

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Ulbricht, pelo jeito, era muito mais relapso ao lidar com segredos. Sua ex-namorada Julia sabia do site, e ele confiou em um amigo que, no final das contas, foi forçado a testemunhar contra ele. O mesmo amigo que, bêbado, falou para outra pessoa sobre o Silk Road.

"Sair pra beber sempre foi um pouco arriscado por causa da chance de beber demais e falar algo", DPR2 relembra de suas próprias experiências. "Há sempre um nível de paranoia em torno de tudo."

"As pessoas dizem 'Eu entendo' ou 'Eu sei como é ter segredos'", continuou. Mas elas não sabem como é viver com segredos como o dele, disse o próprio DPR2. "É algo isolador no sentido de que há um grupo de pessoas para as quais você pode contar algo, e outro grupo pode saber de outras coisas, mas nunca há ninguém pra quem possa contar tudo. É muito arriscado."

"Acho que a única coisa que me incomodava", admite, "é não ter ninguém pra quem pudesse dizer tudo".

Ao passo em que mentia para amigos de anos, DPR2 se aproximava de gente que nunca tinha visto na vida e provavelmente nunca o faria.

"Tinha gente que eu confiava mesmo. Poderia dizer que eram amigos, mas eu não dizia", ele pausa. "Não é o mesmo tipo de amizade que as pessoas pensam."

No mundo real, DPR2 me explicou, as pessoas muitas vezes julgam as outras antes mesmo de uma conversa começar. Mas na deep web, onde quase todos agem anonimamente graças às proteções oferecidas pelo Tor, a única pista que temos é como essas pessoas agem.

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"Nesse ambiente, você só ouvia o que as pessoas diziam", revela. "Não havia nada para que pudéssemos julgá-las fora suas ações."

Tomemos por exemplo Defcon, que se ofereceu como programador para DPR2 em uma mensagem privada. A calma de Defcon em meio ao caos do encerramento do Silk Road intrigou DPR2, que o pôs à prova.

Dentro de algumas horas Defcon pôs no ar aquilo que viria a ser o fórum do Silk Road 2.0 junto de uma série de funcionalidades de segurança que outros deixam de lado na maioria das vezes.

"Ele sabia o que fazia, notei de cara", disse DPR2.

Defcon cometeu um erro, porém. Depois seria revelado que ele havia registrado um servidor do Silk Road 2.0 usando seu próprio email.

Ilustração: Shaye Anderson

Outras pessoas que DPR2 conheceu não só ajudaram a construir o site, mas derrubar outros.

Em uma seção "Geek" secreta do fórum, povoada por um pequeno grupo de tecnólogos e hackers, DPR2 criava longos tópicos discutindo como melhorar a segurança do site. Ele também conectou pelo menos uma pessoa para testar as defesas do Silk Road 2.0 até seus limites.

Foi neste fórum que DPR2 pediu a hackers que atacassem sites rivais. Endereços como TorMarket e Sheep Marketplace foram alvos dos ataques que incluíram até o roubo de mensagens privadas.

"O Agora vai cair", escreveu à equipe em março de 2014, referindo-se ao principal rival do Silk Road 2.0. "Aconselho que fiquem longe dali."

"Não queremos associar nenhum ataque ao Silk Road", escreveu em outro post.

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Além de deixar suas ações falarem por si, os usuários da deep web poderiam ser mais honestos uns com os outros do que na vida real.

"Como era anônimo, muita gente era mais sincera", disse DPR2. Este foi o caso com um especialista de segurança que admitiu para alguns integrantes do Silk Road 2.0 que era pedófilo. É claro que isso não é algo que alguém no mundo real admite publicamente, socializando.

"Acho que esse nível de confiança, em que as pessoas podem admitir o que são de verdade, deve ter sido um grande alívio para ele comentar com alguém", prosseguiu DPR2, comentando ainda que não concorda com o que o pedófilo fazia ou acreditava, mas que "era um cara incrivelmente inteligente".

"Quando as pessoas são sinceras assim, você tem uma ligação mais profunda com elas porque não é algo mais que a sociedade espera delas, e sim o que elas são", disse DPR2. "Acho que saber que ele era pedófilo, e ainda assim vê-lo como uma boa pessoa, mudou a mim também."

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Em dezembro de 2013, diversos supostos membros da equipe do Silk Road 2.0 que também haviam trabalhado no site original foram presos em operações coordenadas ao redor do mundo.

"Libertas" foi preso na Irland. "SSBD" na Austrália, já "Inigo" foi pego nos EUA mesmo. DPR2 afirma ter recebido um aviso de fontes internas, incluindo o Centro de Combate a Crimes Cibernéticos da Europa, integrante da Europol, apesar de que a dica não havia sido específica o suficiente a ponto de mencionar membros em especial.

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"Duas personalidades completamente diferentes para dois mundos."

"Se mais de uma fonte ou diferentes países sabem, é internacional, é coisa grande", disse. (Em email enviado nesta semana, um porta-voz da Europol afirmou que "A Europol não tem razões para suspeitar que ocorrido relatado esteja correto". Também não vi nenhuma evidência concreta de DPR2 ter fontes dentro da agência.).

DPR2 disse então ao restante dos membros do fórum: "Agora está tudo um caos na melhor das hipóteses, então não sei ainda como reagir no longo prazo. No curto prazo, tratem Libertas e Inigo como pessoas hostis e qualquer contato deles deve ser repassado a mim imediatamente".

Em reação às prisões, DPR2 sumiu. Desapareceu por completo dos fóruns públicos do Silk Road 2.0 e deixou membros da comunidade especulando que havia então sido pego pelas autoridades.

"Fazem 24 horas desde a última mensagem de nosso Capitão", anunciou Defcon nos fóruns. "Certamente ele corre grave perigo."

No lugar disso, DPR2 estava lendo uma historinha de natal para uma criança da família.

"Sua maior preocupação [era] Papai Noel chegar com os presentes na manhã seguinte, se inclinando em minha direção enquanto pensava nos possíveis desdobramentos de tudo que fiz e a carnificina deixada no caminho", disse.

"É um momento que sempre me lembra porque mantive tudo tão separado. Duas personalidades completamente diferentes para dois mundos, de forma que uma não afetasse a outra."

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DPR2 afirma que este familiar lutava contra uma doença e ele teve que visitá-lo urgentemente. Ao mesmo tempo, uma questão de segurança havia surgido no site, o que exigia sua atenção imediata.

"Alguns diriam que correriam para suas famílias nesta situação, mas não se esqueça que uma cagada no [Silk Road 2.0] poderia levar centenas de pessoas a passarem décadas atrás das grades em um sistema injusto, algo que lutei contra minha vida inteira", afirmou DPR2. "Poderia viver comigo mesmo ao ignorar quem significa tudo pra mim e o fato de que poderia colocar em perigo as mesmas pessoas que prometi proteger a qualquer custo?".

Esta decisão não foi a única complicada que DPR2 foi forçado a tomar, mas foi a "devastadora".

No final das contas, DPR2 agiu de forma extremamente arriscada: trabalhou no site enquanto visitava seu parente.

"Segurança de merda, pensando agora", comentou. "Mas a emoção acaba com a lógica de tempos em tempos."

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DPR2 disse que o Silk Road 2.0 "não estava sendo conduzido como um negócio, não era uma empresa de forma alguma". Eram, afirmou pessoas que acreditavam de verdade em uma ideia e queriam dar suporte a esta ideia de forma que outras pessoas não o fariam.

Um dos benefícios citados por DPR2 era a redução de danos para usuários de drogas e uma maior segurança no comércio de narcóticos.

"Era bem extremo", em termos ativistas, afirma DPR2. "O site foi fundado com base na ideia de colocar seus princípios antes da lei ou o que os outros dizem, pois é naquilo que se acredita verdadeiramente."

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Claro, por mais que site de compra e venda de drogas seja operado com o objetivo de ajudar os usuários, há efeitos colaterais significativos.

"Não posso negar que teve gente que morreu comprando no meu site", disse DPR2. Durante o julgamento de Ross Ulbricht, que supostamente criou o Silk Road como um experimento libertário, familiares de pessoas que alegadamente morreram por conta de drogas compradas no site forneceram testemunhos via carta à corte.

"Mas caso não agisse, quais seram as consequências disso?" questionou DPR2. "Mais gente teria morrido, mais overdoses teriam ocorrido, as pessoas retornariam a financiar traficantes na rua?."

Estas drogas, independentemente de pararem nas mãos de usuários responsáveis ou que sofreriam com elas, geravam muita grana. O Silk Road 2.0 era um dos mais bem-sucedidos comércios online de drogas de todos os tempos. Pesquisas acadêmicas apontam que no auge do site, em fevereiro de 2014, ele movimentava por volta de 400.000 dólares por dia e seus donos ganhavam de 4 a 8% em cima de cada transação.

"Depois de uma hora ou duas vendo o dinheiro entrar – alguns milhares de dólares em poucas vendas – não significava nada. Não havia nada. Depois das primeiras dezenas de milhares, eram só números. Não parecia real", disse DPR2.

"Eu não tinha nenhum custo. O servidor? Umas centenas de dólares ao mês, no máximo."

No total, DPR2 afirma ter ganhado dinheiro na casa dos quatro dígitos enquanto trabalhava no Silk Road 2.0.

Isso porque ele afirma ter doado centenas de milhares de dólares a uma série de organizações de caridade e demais entidades, dentre as quais o Tor Project, a instituição sem fins lucrativos que mantém o software Tor e algumas entidades sem qualquer ligação direta à tecnologia ou drogas, tais como orfanatos. (O Tor Project não respondeu às nossas tentativas de contato).

Como muitos desses locais não aceitavam bitcoin, "encontramos representantes que fizessem as doações em nosso nome", afirmou DPR2. Em 2013, no fórum do Silk Road 2.0, DPR2 ajudou a arrecadar fundos para vítimas do terremoto nas Filipinas.

Ilustração: Shaye Anderson

Conhecendo DPR2 melhor, pude perceber sua real motivação. Quando sugeri que o que lhe interessava não era o dinheiro, os ideais ou desafio tecnológico, e sim um prazer em quebrar a lei, ele riu.

"Há alguns níveis de entretenimento que, assim que você os atinge, são como drogas, não dá pra largar quando chega lá", disse com brilho nos olhos e um sorriso largo.

Ao passo que seus clientes chegavam ao estado de euforia com MDMA e outras drogas, DPR2 pirava na perseguição, em estar um passo à frente das autoridades.

A adrenalina da caçada é "algo que a maioria das pessoas nunca saberá como é, por sua natureza", continuou. "Quantos podem mandar o governo dos EUA se foder sentados ali com um notebook? Não há nada na Terra que se compare."

Tal desejo ardente de romper barreiras segue DPR2 desde a infância, revelou. Faz parte de sua "personalidade como um todo". Sua família muitas vezes dizia que não podia fazer algo e, da mesma forma que muitos pais lidam com seus filhos, não explicavam o porquê.

"Chateia a maioria das pessoas. Eu surto quando dizem esse tipo de coisa", DPR2 comenta. "Alguns indivíduos, como eu, não se satisfazem em serem tranquilos e respeitarem as leis."

Tradução: Thiago "Índio" Silva