A política de censura do Twitter é uma bagunça
Quando se trata de discursos de ódio – antisemitismo, racismo, terrorismo –, a rede social ainda não sabe como lidar com suas regras. Crédito: Alejandro Mallea/Flickr

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A política de censura do Twitter é uma bagunça

Quando se trata de discursos de ódio – antisemitismo, racismo, terrorismo –, a rede social ainda não sabe como lidar com suas regras.

Na semana passada, Jon Weisman, editor do New York Times, anunciou sua saída do Twitter, motivado por "racistas, anti-semitas, e os Bernie Bros que atacaram jornalistas ontem". Aquela havia sido a última gota.

Essa é a história: em resposta a uma onda de ódio no site, Ari Isaacma Bavacqua, colega de Weisman e também editora do Times, denunciou contas que postavam insultos anti-semitas e ameaças no Twitter. Em seguida, diz ele, o site alegou que essas contas não haviam "violado as Regras do Twitter". Para o editor, aquilo simplesmente não fazia sentido.

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Weisman não é o único. Um diretor da Human Rights Watch, uma repórter do New York Times e um jornalista que escreveu sobre um video game, também relataram problemas similares. Muitos outros denunciaram essa política ao Motherboard. Cada um deles recebeu o que parecia ser uma ameaça no Twitter, denunciou o culpado para os responsáveis e recebeu a resposta de que aquela conduta não violava as regras do site.

Quando o Twitter anunciou suas novas regras de conduta, em janeiro desse ano, a empresa se comprometeu a fazer o impossível: dar liberdade de expressão a 310 milhões de usuários e ao mesmo tempo punir assédios, "ameaças violentas (diretas ou indiretas)" e "conduta de ódio". As rachaduras na fundação do Twitter estavam cada vez mais profundas.

An update to reporting this tweet, as many suggested, to @twittersecurity. As usual, no action taken. pic.twitter.com/pJZ3e8Tq85
— Hiroko Tabuchi (@HirokoTabuchi) May 16, 2016

A resposta indiferente recebida por Bevacqua faz parte da política endossada por Jack Dorsey, atual CEO da empresa. Segundo ele, não existe censura no Twitter.

Existe um outro lado do Twitter, um que possui um "conselho de segurança" composto por dezenas de grupos de ativismo digital e que desenvolveu um programa para caçar usuários abusivos. Foram eles que assinaramum acordo com a União Europeia no mês passado sob a promessa de monitorar o discurso de ódio em sua plataforma. O acordo também foi assinado por empresas como o Facebook, o YouTube e a Microsoft e, embora ele não seja juridicamente vinculativo, essa é a primeira tentativa de estabelecer regras concretas quanto à resposta adequada ao discurso de ódio na internet.

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"Há uma clara diferença entre liberdade de expressão e discursos que incitam a violência e o ódio", disse Karen White, diretora de políticas públicas do Twitter na Europa.

O que não está muito claro é como o Twitter honrará seu acordo com a UE — até o momento, tudo indica que a plataforma espera que seus usuários denunciem conteúdos ofensivos.

A internet sempre foi uma fonte de intolerância, algo que vem piorando nos últimos anos. Neo-nazis começaram a colocar parênteses (ou "ecos") ao redor do nome de um escritor judeu. O Google Chrome recentemente deletou uma extensão chamada Coincidence Detector que colocava esses parênteses ao redor do nome de outros escritores. O símbolo representa o "poder Judeu"; afinal, os anti-semitas não desistem da teoria de que os judeus são culpados por tudo de ruim que já aconteceu na história.

"O que é novo é a possibilidade de expor esse ódio de forma tão pública e eficiente"

Do ponto de vista prático, controlar o discurso de ódio em uma plataforma com 310 milhões de usuários é muito difícil. Os "ecos" não aparecem nas pesquisas do Twitter ou do Google. O Twitter quer ser um santuário da liberdade de expressão — mas ele também quer, ao menos segundo uma declaração dado ao Washington Post, "empoderar vozes positivas, desafiar o preconceito e enfrentar as raízes da intolerância".

"Eu diria que muito do anti-semitismo presente no Twitter e em outras plataformas não é novo em termos de mensagem e conteúdo", disse Oren Segal, diretor do Centro de Pesquisa em Extremismo da Liga de Anti-Defamação, ao Motherboard. "O que é novo é a possibilidade de expor esse ódio de forma tão pública e eficiente."

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Esses "ecos" se tornaram um sinal claro de racismo. Mesmo sem a extensão do Google Chrome, o símbolo dominou o Twitter — alguns escritores colocaram os parênteses ao redor de seus próprios nomes, como forma de reapropriar o símbolo, mas outros ainda o utilizam como marca de ódio. Um usuário mandou para Weisman foto de um caminho de dinheiro que levava a um forno.

Outro usuário respondeu: "pode entrar Sr. (((Weisman)))!". Esse segundo usuário tem como foto de perfil uma bandeira dos Estados Unidos coberta por uma suástica. Essa é a bandeira utilizada em O Homem no Castelo Alto, série que retrata um Estados Unidos dominado pelo nazismo.

Weisman denunciou esses tuítes, mas o site não os removeu. Outros perfis, no entanto, foram deletados. "De repente eu recebi vários avisos de que aquela conta havia sido suspensa", disse Weisman ao Washington Post. "Não sei como o processo de seleção deles funciona", disse. "Não sei o que eles consideram ou não discurso de ódio."

"Não é como se esse meme dos parênteses fosse a tática anti-semita mais criativa que nós já vimos", disse Segal. "Ele é relevante porque estamos vendo um aumento do anti-semitismo na internet… Ele representa um pequeno elemento de uma tendência muito maior."

No passado, o Twitter tomou medidas contra contas consideradas ofensivas. Recentemente, o site suspendeu cinco contas que parodiavam o governo russo, embora a mais popular delas, @DarthPutinKGB, tenha voltado ao ar. Desde meados de 2015, o Twitter suspendeu mais de 125.000 contas que promoviam o terrorismo, prática que ganhou popularidade em 2013.

Após os ataques terroristas na Bélgica, a hashtag #StopIslam (algo como #ForaIslã em português) estava em alta. O Twitter retirou a hashtag da barra de trending topics, embora muitos a estivessem utilizando de forma positiva.

No começo do ano, o site revogou o status de "verificado" da conta de Milo Yiannopoulos, escritor do site Breibart cujas mensagens provocativas já foram descritas como misóginas e ofensivas. Yiannopoulos diz ter entrado em contato com o Twitter duas vezes, mas como sua conta não era mais verificada, nunca recebeu uma resposta. A plataforma o ignorou solenemente, assim como ela ignorou aqueles que denunciaram tuítes ofensivos.

Para o CEO e co-fundador do Twitter, a intolerância faz parte da vida. "É uma pena, mas isso reflete o mundo em que vivemos", respondeu quando Matt Lauer citou aqueles que usam a plataforma para "expressar raiva e insultar outros". Ele também acrescentou que os usuários podem bloquear quem bem quiserem, embora ele nunca tenha bloqueado ninguém em sua conta pessoal.

Tradução: Ananda Pieratti