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Tecnologia

A Rota Espacial Alternativa de Fábio Teixeira

Primeiro brasileiro a estudar na Singularity University e um dos poucos a ingressar na International Space University, ele quer criar um satélite ultrabarato e renovar nosso entendimento de física quântica.
E as estrelas lá no céu. Crédito: Guilherme Santana/VICE

Fábio Teixeira dos Santos é um dos únicos brasileiros que ingressou na International Space University (ISU), o centro de estudos itinerante voltado a pesquisa espacial. Ele também foi o primeiro estudante do Brasil na Singularity University (SU), instituição fundada pelos cientistas americanos Ray Kurzweil e Peter Diamandis. Com um plano mirabolante em física quântica e um projeto factível de satélite de baixo custo, a história do desenvolvedor de software gravita entre ficção e ciência. Algo como um roteiro de filme — um filme sobre o espaço, claro.

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"Eu vi Interstellar cinco vezes!", ele me disse numa conversa no laboratório de robótica da Pontífica Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pouco antes de voltar aos Estados Unidos. Sua camiseta com estampa de astronautas confirmava a paixão por qualquer assunto relacionado ao universo. O interesse nasceu na sua primeira temporada fora do país, em 2010, quando fez parte da segunda turma da SU. "Lá entendi a proposta da exploração espacial, algo que é muito longe da realidade brasileira", disse.

Em parceria com os novos colegas, Fábio resolveu empreender seu mais importante projeto: o Hyper3s, um satélite do tamanho de uma caixa de sapato que faz fotografias de várias camadas da Terra com equipamentos baratos. "É uma tecnologia que não tem nada de novo, mas o pulo do gato é fazer algo que custa US$ 500 milhões por US$ 250 mil", disse ele. A técnica, que existe desde os anos 80, indica compostos segundo o reflexo da superfície para diferentes faixas de luz. "Com isso digo qual a composição química do ar ou se o solo tem água, gás ou petróleo", explicou.

Projetos desse tipo tem ganhado importância na exploração espacial nos últimos anos devido aos altos custos para manter um equipamento fora da Terra. Para Annibal Hetem Jr., diretor do curso de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, o plano de Fábio é cabível. "É realmente viável e não é uma iniciativa única: tem mais gente trabalhando com isso", explicou. "É possível reduzir bastante o custo do satélite para uma missão simples de coleta de dados: ele fica muito mais barato porque funciona com componentes normais e fica muito mais leve porque não precisa de proteção adicional."

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O Mac pode até ser popular entre designers, artistas e músicas, mas entre o pessoal de tecnologia… Crédito: Guilherme Santana/VICE

Fábio quer multiplicar sua ideia em órbita. "O objetivo é ter uma constelação de satélites que vai fazer um monitoramento diário de poluentes que são lançados em rios e vegetação em florestas como a Amazônia", disse ele. Para tirar o projeto do papel, ele conta com investidores internacionais e apoio da NASA. Assim como os parceiros no projeto, esses contatos valiosos foram feitos quando o brasileiro estudou na SU – a universidade funciona em um centro de pesquisa da Agência Espacial Norte-americana, na Califórnia.

"Quando cheguei na NASA, me veio uma cena muito forte de que eu não tinha nada a meu favor: um cara negro de família simples sem acesso a recursos que, de repente, estava ali", ele me disse. Filho de uma costureira e de um caminhoneiro, Fábio fora selecionado pela SU ainda na graduação na Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP), em 2009, ao ganhar o Global Impact Competition. O concurso mundial premiava soluções tecnológicas para grandes problemas. À época ele desenvolveu um sistema de alerta global de trânsito: o Wikitrânsito, algo bem parecido com o que o Waze é hoje.

Segundo Fábio, sua rotina na SU consistia em dormir pouco, participar das 160 palestras sobre temas que iam de engenharia genética a inteligência artificial, discutir projetos tecnológicos e conviver entre cientistas como o astronauta Daniel Berry e estudantes vindos de renomados centros de pesquisa, como a universidade de Harvard ou o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Para o desenvolvedor, era uma corrida espacial. "Um amigo me falou que estar lá é como ter sede e beber água de um hidrante."

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A enxurrada de informações a que foi exposto era quase incompatível com a seca do fim do curso. "Voltar de lá foi ficar a um passo da depressão", disse Fábio. Segundo ele, isso é um efeito geral nos ex-alunos da SU. Foi preciso um ano para ele que se habituasse novamente à rotina comum de trabalho numa empresa de TI e família em casa. Mas não sem marcas. "Minha esposa na época disse: eu não sei quem você é, mas a NASA mandou outro cara pra cá", lembrou. "Terminamos depois da SU."

Spacebug

Fábio começou a estudar tecnologia aos 12 anos com um curso de eletrônica por correspondência. "Meu lance era ir na casa do vizinho e falar: o que você tem aí que eu possa desmontar? Minha casa sempre tinha alguma tralha", contou. O gosto por ciência foi interrompido aos 17 anos, quando ingressou na organização católica Tradição, Família e Propriedade (TFP). Nos cinco anos seguintes ele morou com pessoas de outros países. Isso lhe rendeu um inglês impecável, o que foi fundamental na Singulary University.

Fábio tem aproveitado para tietar alguns astronautas. Esse é o Andrew Aldrin, filho do astronauta Buzz Aldrin. Crédito: Arquivo Pessoal/Fábio Teixeira

"Na SU peguei o que a gente chama de spacebug: eu me apaixonei pela exploração espacial", disse o desenvolvedor de software. Depois de desistir de um mestrado no Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), Fábio resolveu retomar os estudos e se candidatou à International Space University. As contas para pagar e o pequeno filho Gustavo não permitiam que ele largasse o emprego sem mais nem menos. "Entendi que para chegar na ISU eu precisava de um passo intermediário, aí nasceu a ideia da máquina de drinques: a Boozebox."

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Desde 2012, Fábio está se virando para desenvolver sua "impressora de bebidas" e alguns software e aplicativos que mantêm seus gastos a curto prazo. Isso serve para lhe dar fôlego financeiro, diz. A conclusão da Boozebox recebeu um investimento que financiou parte do custo do curso na ISU. Outra parte foi custeada por amigos e colaboradores em um crowdfunding. Metade do total foi concedido como bolsa de estudos pela ISU.

No processo seletivo do curso, o desenvolvedor de software apresentou o projeto Q-Space: um conjunto de placas solares que transfeririam energia captada no espaço à Terra por meio de entrelaçamento quântico. A grosso modo, essa propriedade física habilita partículas separadas a se influenciarem mutuamente, isto é, como num espelho. "No espaço tenho luz do sol o tempo todo, então faz todo o sentido do mundo captar energia solar lá", disse ele. "Mas construir uma usina de energia solar no espaço não se mostra viável, então a ideia é entrelaçar um único satélite com paineis solares com uma usina na Terra".

A ideia tem contornos de ficção científica de filmes como o próprio Interstellar. Ao menos é o que pensa Rodrigo Nemmen, professor do Instituto de Astronomia e Geociências da USP (IAG/USP) e cientista da NASA entre 2010 e 2014. "Acho que esse projeto é inviável", disse o especialista. "A captação de energia solar é algo de baixíssima eficiência, colocar alguma coisa no espaço é caríssimo e a gente ainda não entende direito o entrelaçamento quântico."

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Seriam deuses astronautas? Crédito: Guilherme Santana/VICE

Fábio argumenta mesmo sem ter a análise embasada contraposta a sua ideia. "Quando um cientista diz que algo é impossível, provavelmente ele está errado", disse ele em alusão ao escritor de ficção científica Arthur C. Clarke. Como um Juscelino Kubitschek da tecnologia espacial, ele emenda: "A evolução tecnológica que entrou em cena vai fazer em cinco anos o que a gente não fez em cinco bilhões."

Sua crença teocrática na ciência condiz com os discursos futuristas dos mentores da Singularity University como Ray Kurzveil. Fábio sabe que o Q-Space só sairá da gaveta à medida em que projetos palpáveis a curto e médio prazo ganhem vida. Por ora, "a menina do seus olhos", diz, é o satélite a baixo custo. No momento, enquanto muitos curtem o verão nos Estados Unidos, ele estuda as particularidades do projeto. "Vou aprender o que falta, como coisas no âmbito político e legislativo", disse.

A trajetória de Fábio é corajosa segundo seu amigo Wagner Marcelo. Diretor do projeto de incentivo a empreendedores Startup Evolution, ele não enxerga apoio em solo nacional a iniciativas de pesquisa e produção em tecnologia desse tipo. "O Fábio é fora da curva porque hoje, no Brasil, ninguém tem suporte para essas pessoas."

Embora tenha estudado e realizado parte de seus projetos na sua terra natal, Fábio concorda com o amigo. E sonha com seu projeto de satélite, o Hyper3s, em contato com Houston. "Quero abrir essa empresa lá: para eu ter um parceiro como a NASA, essa empresa precisa ser americana."