O homem que transformou a noite em dia
Znamya no espaço. Crédito: QSI / MIR.

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Tecnologia

O homem que transformou a noite em dia

Nos anos 90, cientistas russos tentaram usar um gigantesco espelho espacial para refletir a luz do dia durante a noite. Deu certo por alguns segundos.

Não é segredo que empregadores sempre visaram aumentar a produtividade de seus funcionários. Hoje eles podem se aproveitar do e-mail, dos smartphones e do Slack para aumentar a jornada de trabalho moderna. Não à toa, estamos trabalhando mais e dormindo menos. Nos anos 1990, porém, cientistas russos tentaram uma medida um pouco diferente. Eles tiveram, digamos, uma abordagem mais dramática para aumentar as horas do dia: lançaram máquinas gigantes em órbita para refletir luz do sol em áreas escuras do planeta.

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Sim, é verdade: no início dos anos 1990, uma equipe de astrônomos e engenheiros russos estava determinada a transformar a noite em dia. Ao transportar um espelho gigantesco para o espaço, eles perceberam que poderiam levar luz do sol às profundezas da noite, fato que aumentaria o dia de trabalho, cortaria custos com iluminação e, claro, permitiria que os trabalhadores produzissem por mais tempo. Se isso parece um roteiro de filme do James Bond, bem, saiba que também já foi.

A diferença é que, por um momento, os cientistas da vida real, liderados por Vladimir Sergeevish Syromiatnikov, um dos engenheiros astronáuticos mais importantes da história, conseguiram levar o projeto adiante.

O Queijão

Engenheiro jovem e brilhante da ex-URSS, Vladimir Syromyatnikov se graduou em uma universidade técnica em Moscou em 1956. Aos 23 anos, obteve cargo no programa de elite dos projetos de foguetes espaciais, conhecido então como Bureau de Design Número 1 para Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto Número 88 (lembre-se que estávamos na Rússia Soviética), mais tarde chamada de Energia.

Syromyatnikov foi trabalhar com Sergey Korolev, diretor projetista do míssil balístico que lançou o Sputnik – o primeiro satélite artificial do mundo – em órbita no ano de 1957. Lá, ajudou a projetar a primeira espaçonave tripulada, a Vostok, que levou Yuri Gargarin à órbita em 1961.

Esse engenheiro diligente não demorou a ascender nas posições do programa espacial russo. Tinha notável talento com os sistemas de atracação. Seu brilhantismo fez com que ficasse conhecido até hoje como o inventor do mecanismo que permite as espaçonaves se conectarem. É ele o autor do Sistema de Conexão Periferal Andrógino, que permitiu às espaçonaves americanas e à Soyuz se conectarem em 1970. Seus projetos ainda são utilizados em veículos espaciais que atracam na Estação Espacial Internacional.

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"Nós o chamávamos de 'o queijão', e ele gostava do termo", contou Bruce Brandt, engenheiro americano do programa Soyuz-Apollo, ao Washington Post. "Ele estava sempre pensando. Se houvesse um problema, ele sempre tinha um bloco de rascunho por perto. Tivemos nossos momentos de falhas e problemas na fase de testes, mas não durava muito tempo, e logo, às vezes, de um dia para o outro, encontrávamos as soluções."

Seu sistema, que fique registrado, nunca falhou no espaço. Nenhuma vez em mais de 200 operações de atracação.

Entretanto, no fim dos anos 1980, o que Syromyatnikov desejava era projetar uma vela solar que pudesse aproveitar a energia do sol para propulsionar uma espaçonave através da galáxia – uma que também pudesse, por assim dizer, refletir a luz do sol de volta para a Terra durante a noite.

Seus líderes viram ali uma oportunidade para aumentar a eficiência laboral. Durante a era soviética, os cientistas russos estavam obcecados pela ideia de descobrir maneiras de aumentar a produtividade das terras agrícolas e dos trabalhadores das regiões ao norte da Rússia, onde os dias são bastante longos no verão e muito curtos no inverno. Em 1988, Syromyadnikov se prendeu à ideia de prolongar a incidência de luz do sol para convencer investidores a apoiar suas velas solares. Ele remodelou o foco de seu projeto para funcionar como um espelho espacial e fundou o Consórcio Regata Espacial.

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Sob o argumento de que o projeto poderia reduzir os custos de energia com luz elétrica, o slogan da empresa anunciava seus serviços como 'luz do dia o dia todo'.

Antes do fim da União Soviética, o objetivo geral permaneceu nos círculos científicos da Rússia, em razão, talvez, de inércia institucional.

"O ímpeto inicial do projeto era fornecer iluminação para a exploração de recursos naturais e para a indústria em áreas geograficamente remotas, com noites polares longas na Sibéria e no Oeste da Rússia, permitindo que o trabalho ao ar livre ocorresse 24 horas por dia", afirma Jonathan Crary, professor de arte e teoria na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e autor de um livro sobre o aumento do paradigma do trabalho ininterrupto. "Mas a empresa expandiu seus planos para incluir a possibilidade de suprimir a luz da noite para áreas metropolitanas inteiras. Sob o argumento de que o projeto poderia reduzir os custos de energia com luz elétrica, o slogan da empresa anunciava seus serviços como 'luz do dia o dia todo'."

"Imagine o que isso significará para o futuro da humanidade", disse Syromyadnikov mais tarde ao Moscou Times. "Nunca mais teremos contas de luz e invernos longos e escuros. Trata-se de um grande avanço tecnológico."

Ele reuniu uma equipe que construiria um satélite que seria conhecido como Znamya (ou, ainda, por seu nome em inglês, "Banner"). Ele era, essencialmente, um espelho espacial de 20 metros de altura.

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Znamya 2

"Assim como uma criança que brinca com um espelho de mão aprende a refletir um ponto de luz do vidro de uma janela em uma fenda em sua sala, alguns cientistas acreditam que é possível colocar espelhos enormes em órbita acima do planeta, capazes de iluminar áreas escuras abaixo de si com pontos de luz do sol refletidos do tamanho de dezenas de quilômetros", explicou o New York Times em um artigo de 1993 sobre o Znamya.

O satélite seria lançado da Terra à estação espacial Mir, e da Mir para a órbita. Quando estivesse lá, ele se abriria em oito seções, totalizando 20 metros, que desviariam a luz do sol de volta à Terra, iluminando o hemisfério que estivesse na escuridão. Isso, na teoria, reduziria os custos com energia das cidades iluminadas, bem como permitiria jornadas de trabalho mais extensas em regiões mais escuras.

Os engenheiros do projeto calcularam as potenciais vantagens em um documento esboçado a fim de promover o Znamya:

"- um sistema de iluminação artificial poderá se mostrar inestimável para o suporte de operações de resgate durante desastres naturais e industriais;

- a iluminação pode ser útil durante campanhas de cumprimento da lei e antiterroristas;

- a luz do espaço também pode auxiliar projetos de construção especiais e outras atividades industriais."

O plano era testar inicialmente um espelho de 20 metros (o Znamya 2), depois uma versão de 25 metros (o Znamya 2.5), e finalizar a fase de testes com um espelho de 70 metros (o Znamya 3) para, em seguida, lançar um espelho espacial permanente de 200 metros que seria capaz de transformar aquelas cidades russas que escurecem mais cedo em algo semelhante a um dia totalmente iluminado.

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"Russos Testarão o Espelho Espacial Tão Grande Quanto a Escuridão da Terra", anunciava reportagem, apropriadamente intitulada, no Times. E continuava: "Se realizado, seus proponentes afirmam, o fornecimento de luz do sol à noite economizará bilhões de dólares ao ano em custos com eletricidade, aumentará as horas de sol poente durante as estações de plantio e colheita para auxiliar os fazendeiros, permitirá mais horas de trabalho para grandes projetos de construção e ajudará em operações de salvamento e recuperação após desastres naturais, como terremotos e furacões." Seu único prejuízo seria o sono.

"O esquema exigia uma cadeia de vários satélites a ser colocada em órbitas sincronizadas com o sol em uma altitude de 1.700 km, cada satélite equipado com refletores parabólicos abertos, feito de material fino como papel", escreve Crary. "Assim que estiver totalmente aberto a 200 metros de diâmetro, cada satélite espelhado teria capacidade de iluminar uma área de 17 metros quadrados no planeta com uma iluminação 100 vezes maior que a luz da lua."

Construir o Znamya foi um trabalho apressado; o colapso da União Soviética deixou as instituições para ciência da nação carentes de recursos e muitos engenheiros e técnicos se viram trabalhando com voluntários para apoiar a causa. O satélite em si foi montado com equipamento doado. O apoio financeiro que chegou veio de um consórcio das empresas espaciais estatais que restaram e grupos de pesquisa, com a NPO Energia entre eles.

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Após anos de desenvolvimento, em 1992 Syromyadnikov e sua equipe lançaram o Znamya-2 ao espaço a bordo de um veículo chamado Progress M15, com destino à estação espacial Mir como uma carga secundária.

"Deveria ser uma demonstração técnica maravilhosa", afirmou à época James E. Oberg, ex-especialista da NASA sobre programas espaciais russos. "É uma ideia sobre a qual já conversamos por muito tempo e agora eles terão uma chance de ver se funciona."

O Znamya ficou ocioso por meses. "O refletor deveria ter sido implantado em dezembro, mas as autoridades espaciais russas atrasaram", relatou o Times em outro artigo publicado mais adiante. "Os planos agora exigem que os astronautas da Mir encaixem o tambor que contém o Banner no portão de atracação da Progress antes que a nave não tripulada de suprimentos deixe a estação em 4 ou 5 de fevereiro. Quando a Progress estiver a 153 metros de distância da Mir, a Banner será implantada por meio de um motor elétrico, que gira seu tambor e expande o disco refletor de oito segmentos como um leque japonês. O espelho orbitará em uma altitude de cerca de 363 km e, quando visto da Terra, seu brilho parecerá com o de uma estrela."

E essa estrela iluminará a Terra com a luz equivalente à de uma lua cheia – ou até mais. "O experimento testará a capacidade de iluminar certos pontos no planeta com luz equivalente à de várias luas cheias."

Pense nisso por um instante: várias luas cheias. O céu à noite pode, é claro, ser bastante claro, como fim de tarde nublado, com uma única lua cheia. Várias luas cheias eliminam a necessidade de lanternas.

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Conforme planejado, o Znamya deixou a Mir em 4 de fevereiro. Quando encontrou sua órbita a uma distância segura, a implantação do espelho foi bem sucedida. E enviou de volta à Terra um raio de luz de cinco quilômetros. O feixe passou por toda a Europa, movendo-se do sul da França a oeste da Rússia a uma velocidade registrada de oito quilômetros por segundo.

A expressão "várias luas" foi superestimada, pois a luminosidade foi equivalente a uma única lua cheia. Infelizmente, a cobertura excessiva das nuvens impediu que o efeito fosse visto em terra; conforme relatado pela BBC, alguns europeus relataram ter visto um flash de luz, mas foi só isso.

Ainda assim, a teoria se mostrou correta, e o projeto deu certo. O Znamya foi retirado de órbita algumas horas depois e incinerado na atmosfera acima do Canadá durante a reentrada em órbita.

"O refletor foi um grande sucesso porque mostrou que o conceito estava certo", Nikolai N. Seva, um engenheiro do Znamya, disse ao Times. "Agora buscamos apoio para construir um ainda maior."

Znamya 2.5

O Znamya 2 ganhou, além do reconhecimento da equipe, recursos suficientes para pôr em prática outra tentativa. Isso também rendeu a eles atenção da mídia. "Cientistas Espaciais Russos Buscam a Luz Eterna", foi a manchete do Moscou Times de julho de 1998, que começava assim: "Nas profundezas da indústria espacial russa, cientistas visionários têm um plano para acabar com a escuridão do inverno. […] É muito simples. Por meio do uso de espelhos enormes suspensos acima do planeta e dispostos de maneira a captar raios solares, eles economizariam bilhões em contas de iluminação e aquecimento".

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Depois de refinar os projetos e aumentar o escopo – o Znamya 2.5 teria 25 metros de diâmetro e seria capaz de controlar e focar seu raio de luz – Syromyadnikov e sua equipe buscavam outra data de lançamento. Um cargo em direção à Mir chegaria em novembro e, conforme questionado pelo Moscou Times, "por que não simplesmente anexar uma membrana refletora gigante ao foguete, soltá-la e daí levar horas adicionais de luz do sol às cidades ao norte da Rússia?".

A expectativa estava aumentando; a ousadia do projeto fez com que ele fosse observado de perto nos círculos científicos e pelo mundo todo. Os planos estavam ficando audaciosos. O Znamya 3 já estava em construção.

"Somos os pioneiros no campo", contou Vladimir Syromyadnikov, então diretor do Consórcio Regata Espacial Russo, ao Times. "Se o experimento ocorrer de acordo com o planejado, proporemos enviar mais dezenas de veículos ao espaço no futuro, em uma base permanente."

O projeto estava assumindo uma escala maior – para o desagrado de alguns.

"A oposição ao projeto surgiu imediatamente e de todas as direções", de acordo com Jonathan Cray. "Astrônomos expressaram medo das consequências para a maioria das observações espaciais que acontecem na Terra. Cientistas e ambientalistas declararam que o projeto teria consequências psicológicas prejudiciais tanto para os animais quanto para os humanos, no sentido de que a ausência de alternações regulares entre noite e dia perturbariam vários padrões metabólicos, incluindo o sono. Houve também protestos de grupo culturais e humanitários, cujos argumentos se baseavam no fato de que o céu noturno é um bem comum ao qual toda a humanidade merece acesso e que a habilidade de experimentar a escuridão e observar as estrelas é um direito humano básico que nenhuma empresa poder invalidar."

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A oposição já era bem conhecida dos cientistas. "Oficiais espaciais russos receberam reclamações de astrônomos e ambientalistas de que o Znamya iria poluir o céu noturno com luz indesejada", relatou a BBC em 1999.

As reclamações não eram exatamente sobre o Znamya 2.5; elas diziam respeito ao conjunto de espelhos espaciais permanentes que Syromyadnikov pretendia construir. E a transformação completa de algumas porções da noite em dia.

"Se funcionar, eles serão capazes de iluminar cinco ou seis cidades russas", afirmou o especialista em espaço Leo Enright.

Subitamente, iluminar cidades inteiras – e até mesmo regiões inteiras – escurecidas pela noite se tornou uma possibilidade viável. Veículos midiáticos como a BBC publicaram guias dos locais onde a reflexão dos satélites seria visível, para que alguns sortudos observassem um flash luminoso ao longo do dia.

Então o mundo todo estava de olho no céu em 5 de fevereiro de 1999, quando o segundo e maior Znamya foi lançado do Mir.

No meio do processo, entretanto, um dos espelhos se prendeu à antena da Mir e se rasgou. O controle da missão tentou livrar o espelho enganchado, mas era tarde demais. O restante do Znamya foi relutantemente retirado de órbita e incinerado.

Syromyatnikov tentou se recuperar dessa falha e continuou com planos para construir o Znamya 3. Ele está listado como a única pessoa para contato em um site montado pelo projeto no fim de 1999 e que ainda está disponível – com seu e-mail pessoal e número de telefone.

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"Aguardando ansiosamente pelo experimento do refletor espacial, muitas pessoas no mundo e os participantes interessados no progresso técnico e na investigação do universo com fins pacíficos lamentaram a falha no cumprimento do experimento", ele escreve, observando que sua equipe recebeu cartas de apoio de nações ao redor do mundo. "Depois completar o experimento, fomos solicitados a continuar com o projeto e para que não nos decepcionássemos, não nos sentíssemos desmotivados. O caminho para o inexplorado é um desafio."

O homem que buscava a extensão da jornada de trabalho com um espelho espacial gigante não queria ter que dormir.

Entretanto, esse desafio exigia um investimento substancial. Quase no fim do documento há um pedido comovente por investimento: "Na realidade, estamos considerando a possibilidade de repetir o experimento do Znamya-2.5, assim como preparamos e conduzimos o experimento Znamya-3 com o refletor de 70 metros dentro do esquema do programa experimental programado", afirma.

"Mas somente o entusiasmo não é suficiente. O investimento do experimento Znamya-2.5 foi extremamente apertado. […] Em razão da falta de finanças governamentais de apoio às pesquisas científicas, esperamos encontrar patrocinadores aqui e no estrangeiro. É uma das formas de acelerar o processo de desenvolvimento de naves de velas solares, sistema de iluminação espacial, bem como de outras altas tecnologias." (Mesmo aqui, no fim ele não abriu mão das velas solares que deram origem à malfadada empreitada.)

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É impossível dizer o quanto o Znamya custou no total – o Times relatou que o Znamya 2 provavelmente custou 10 milhões de dólares só em hardware, descontando os custos de lançamento – mas Syromyadnikov solicitava mais de 100 milhões para o Znamya 3. Ele estimou que a série permanente de refletores reguladores de luz solar que o experimento do Znamya estava acarretando custariam cerca de 30 milhões para serem construídos, lançados e operados. Ele argumentou, contudo, que o Znamya permanente seria lucrativo dentro de dois ou três anos, por causa da redução dos custos de iluminação em cidades grandes e de serviços de resposta a desastres que ele forneceria.

Os investidores nunca vieram. Após a falha do Znamya 2.5, eles perderam o interesse no projeto, o Znamya 3 foi abortado e Syromyadnikov foi relegado aos projetos de espelhos espaciais somente de modo conceitual. Ele foi forçado a abandonar seu sonho de lançar as naves de velas solares. A jornada de transformação do dia em noite pelo espaço estava acabada. A noite vencera.

Uma Noite Difícil

Syromyatnikov voltou a trabalhar com sistemas de atracação. Ele conduziria experimentos na área até seus últimos dias de vida em 2006.

Antes de falecer, em 2006, ele deu uma entrevista à IEEE Spectrum, na qual ele dizia trabalhar ininterruptamente, ao longo de seus 70 anos, quase sempre nos mecanismos de atracação para os foguetes Soyuz.

"Começo meu trabalho de manhã cedo, geralmente às 5h, outras vezes às 4h", ele contou. "É cedo demais para a cama e cedo demais para levantar. Todos os dias de manhã faço entre 20 e 30 minutos de exercícios físicos – e trabalho todos os fins de semana." O homem que buscava e a extensão da jornada de trabalho com um espelho espacial gigante não queria ter que dormir.

Um dos slogans favoritos de Syromyadnikov era: "O melhor descanso é trabalhar até a hora do almoço. Assim, você sente que seu dia não foi perdido – e nas horas restantes você pode fazer atividades diferentes, tarefas menos críticas".

Sim, estamos pensando de novo em satélites refletores do sol em órbita. Desta vez, o objetivo é irradiar uma grande quantidade de energia solar para a Terra. O Laboratório de Pesquisa da Marinha dos EUA tem estudado esse prospecto atentamente, e a Agência Aeroespacial do Japão planeja lançar à órbita uma planta de energia solar dentro de uma década.

Os Estados Unidos já têm uma que talvez fique pronta na mesma época. John Mankins, o ex-especialista da NASA por trás do SPS-ALPHA dos EUA, argumenta que "um único satélite de energia solar forneceria energia para cerca de um terço da humanidade". E assim como Syromyadnikov e sua equipe provaram, os refletores espaciais gigantes não estão tão distantes da ficção científica.

O fascinante, em retrospecto, é que parece que Syromyadnikov nunca parou de trabalhar. Ele parecia desmerecer ativamente o sono – bem como a escuridão da noite. Ele estava sempre trabalhando. Mesmo nos seus 70 anos, ele seguia um regime de trabalho bastante severo, labutando em seus sistemas de atracação para os foguetes da Soyuz.

"Eu sei como projetá-los", ele contou à IEEE. "Você deve sentir, talvez por intuição, o que está à frente do processo, o que deve ser feito, não somente o projeto por si, não somente o esboço original, mas a coisa toda."

Pode ser impossível para nós compreender a visão total do Znamya – um mundo orbitado por máquinas que regulam a luz do dia – mas é possível compreender seu conceito. É algo premente, às vezes de forma bem desconfortável em um mundo cada vez mais privado de sono.

"Esse empreendimento impraticável é uma instância particular de um imaginário contemporâneo na qual o estado de iluminação permanente é inseparável da operação ininterrupta de trocas e de circulação global", escreve Crary. "Em seu excesso empresarial, o projeto é uma expressão hiperbólica de uma intolerância institucional daquilo que é obscuro ou que evita uma condição instrumentalizada e interminável de visibilidade."

É um mundo no qual, assim como nos dias de hoje, dormimos menos e abrimos mão de nossos dias para as tecnologias distantes, com mais luz da lua preenchendo nossa visão. Imagine se, em vez de telinhas brilhantes ao nosso lado da cama, tivéssemos a luz de satélites como a lua?

O Znamya de Syromyatnikov pode ser interpretado tanto como uma inovação quanto um experimento esquecido, bem como uma lenda da hubris humana, dos perigos de estender a jornada de trabalho demais. Podemos tentar utilizar a tecnologia para transformar a noite em dia, mas as leis da natureza têm suas maneiras de transformá-las de volta.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri