Máquinas inteligentes estão aprendendo física quântica sozinhas

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Máquinas inteligentes estão aprendendo física quântica sozinhas

O ensino pode levar a avanços sem precedentes na física quântica.

No ano passado, a inteligência artificial DeepMind do Google venceu Lee Sedol numa série de partidas de Go, um jogo de estratégia semelhante ao xadrez, mas com um nível de complexidade muito mais avançado. A vitória foi um notável passo adiante para o campo da inteligência artificial, e levou Roger Melko, um físico no Perimeter Institute for Theoretical Physics, a pensar em como as redes neurais—um tipo de inteligência artificial inspirado no cérebro humano— podem ser usadas para resolver alguns dos problemas mais difíceis da física quântica. De fato, talvez máquinas inteligentes sejam necessárias para resolver esses problemas.

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"O negócio da física quântica é que ela é muito complexa num sentido estritamente matemático. Um grande problema que enfrentamos quando estudamos esses sistemas quânticos [sem a ajuda de inteligência artificial]  é como lidar com essa complexidade," disse Melko.

"A vitória do DeepMind na partida de Go, de certa forma, cristalizou parte do nosso raciocínio. O Go é um jogo muito complexo, mas havia uma solução e ela veio por meio de máquinas capazes de aprender," continuou ele. "Então pensamos: por que não podemos usar soluções similares para enfrentar o problema da complexidade da física quântica?"

Melko citou como exemplo seu próprio trabalho, que se concentra na física da matéria condensada—basicamente o estudo das interações entre diversas partículas quânticas em vários sólidos ou líquidos. Como escreveu Melko num artigo recente para o Quartz, a física da matéria condensada "lida com o conceito mais complexo na natureza: a função de onda quântica num sistema de várias partículas." A função de onda quântica de uma partícula descreve matematicamente todos seus possíveis estados, ou, como descreveu Melko para mim, "a realidade infinitamente complexa da partícula".

Embora "infinitamente complexo" pareça ser um pouco exagerado, de acordo com Melko, gerar um modelo com a função de onda de um pedacinho de poeira na escala dos nanômetros exigiria um computador com um disco rígido cuja quantidade de partes magnéticas fosse maior que o número de átomos no universo. Está pensando em computar a função de onda de várias dessas partículas de poeira ao mesmo tempo num computador tradicional? Esqueça disso.

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A questão levantada por Melko e outros pioneiros no campo da inteligência artificial aplicada à física quântica é se as redes neurais poderiam executar tarefas que estão além da capacidade de algoritmos que não incorporam a aprendizagem de máquina, como por exemplo a tarefa de gerar um modelo da função de onda de um sistema de várias partículas—e eles não tiveram que esperar muito para chegar à resposta.

De acordo com um estudo publicado na semana passada na revista Science, dois físicos sem nenhuma ligação com Melko criaram uma rede neural relativamente simples que foi capaz de reconstruir a função de onda de um sistema de várias partículas, e fez isso melhor do que qualquer outra técnica anterior que não usava a aprendizagem de máquina. Como disse à New Scientist Giuseppe Carleo, físico do ETH Zurique e co-autor do estudo, "é como ter uma máquina que aprende sozinha a desvendar o código secreto da mecânica quântica."

Agora que Carleo e seu colega provaram sua hipótese, eles esperam desenvolver uma rede neural mais robusta, que possa lidar com problemas mais complexos. Esse é um bom sinal para Melko, que apostou nos benefícios da aprendizagem de máquina quântica e criou uma rede neural capaz de identificar transições de estado em sistemas de matéria condensada.

Roger Melko. Imagem: Perimeter Institute.

A matéria condensada tem seus próprios problemas-chave e há partes de nossas teorias que não entendemos," afirma Melko. "Então aplicamos a inteligência artificial com capacidade de aprendizado a problemas comuns da física da matéria condensada, para os quais talvez já tenhamos soluções, basicamente para ver como as redes neurais lidam com esses altos níveis de complexidade que aparecem na matéria condensada.

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Como foi detalhado num artigo publicado na Nature Physics, a rede neural de Melko é apenas uma versão levemente modificada de um programa de inteligência artificial usado para identificar números escritos por humanos. Incrivelmente, esse algoritmo relativamente simples de aprendizagem de máquina foi capaz de reconhecer diferentes estados da matéria num sistema quântico, com ajustes mínimos. Após aplicar o algoritmo a problemas tradicionais da física de matéria condensada, Melko aumentou a complexidade dos problemas que estava apresentando ao algoritmo de aprendizagem de máquina para ver até onde ele iria antes de parar de funcionar.

Avanços na aprendizagem de máquina podem muito bem levar a avanços na computação quântica

"Não podemos descrever a função de onda de forma inteiramente matemática; ela é complexa demais," disse Melko. "Mas quando estamos estudando a maneira como os algoritmos respondem a diferentes níveis de complexidade em problemas de física de matéria condensada, também estamos estudando o que movimenta esses algoritmos. Eu acredito que isso é o que define o campo da aprendizagem de máquina quântica: tentar entender se a aprendizagem de máquina pode ou não nos ajudar de maneira fundamental nesses problemas quânticos."

Tanto o estudo de Melko como o de Carleo trazem boas notícias para o futuro da aprendizagem de máquina quântica. Como demonstrado numa conferência sobre o assunto organizada pelo Perimeter Institute no ano passado, já existe bastante interesse em como a aprendizagem de máquina pode ser aplicada à física quântica—a conferência recebeu acadêmicos que são expoentes nos campos da física quântica e da inteligência artificial, além de pesquisadores de empresas como Google e Intel.

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"Antes daquela conferência, nunca tínhamos pensado em aplicar a aprendizagem de máquina a esses problemas de múltiplas partículas na física quântica," disse Melko. Mas agora as pessoas estão levando adiante a ideia de usar redes neurais para criar representações eficientes de sistemas quânticos. Essa área do conhecimento está apenas começando a decolar."

Além disso, avanços na aprendizagem de máquina podem muito bem levar a avanços na computação quântica. Embora ainda faltem muitos anos para que sejamos capazes de construir o primeiro computador quântico de larga escala, o poder de computação de um dispositivo do tipo revolucionaria a aprendizagem de máquina, o que por sua vez poderia melhorar os sistemas quânticos.

Nesse meio tempo, a aprendizagem de máquina pode ajudar a esclarecer problemas que poderiam aumentar drasticamente a velocidade com a qual tecnologias quânticas estão sendo desenvolvidas.

"A meta final desse tipo de aprendizagem de máquina é aumentar o processo científico e industrial de fabricação de um computador quântico," disse Melko. "Estamos nos estágios iniciais porque ainda não temos o hardware, mas no futuro, se você tiver o hardware de um computador quântico, seria capaz de potencialmente resolver alguns problemas muito complexos com um computador quântico construído por uma máquina inteligente. É fascinante: estamos basicamente partindo da estaca zero do mundo da computação quântica."

Tradução: Danilo Venticinque