FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Conversamos com o Diretor de 'Hackers': a Patinação Não Vingou, Mas o Resto, Sim

Iain Softley refletiu conosco sobre o aniversário de 20 anos do cult cinematográfico.
Uma cena de Hackers com disquetão. Gif por Sarah Jeong

Em de setembro de 1995, Hackers – Piratas de Computador foi lançado nos cinemas americanos sem muito alarde. (No Brasil, talvez você lembre, o lançamento ocorreria em maio do ano seguinte.) De acordo com dados da época, a bilheteria recuperou metade do que foi gasto na produção. Desempenho ok. Críticos falaram mal. Nada fora do esperado.

O que poucos previam é que, durante as duas décadas seguintes, aquela história de conspiração corporativa com um grupo de hackers do ensino médio – de pseudônimos da hora tipo "Zero Cool" e "Acid Burn" – ganharia sobrevida. Virou, a bem dizer, um clássico cult.

Publicidade

Dirigido por Iain Softley, o filme é datado de tudo que é jeito. Temos o queridinho Jonny Lee Miller dando o seu máximo para falar com sotaque nova-iorquino, tem uma desconhecida qualquer chamada Angelina, Matthew Lillard participa e todo mundo anda de patins ou skate. É provavelmente o filme mais anos 90 de todos os tempos.

Mas apesar de sua residência na era das cabines telefônicas e modems ruidosos, a trama também é um retrato presciente dos perigos e promessas dessa tal de rede mundial dos computadores.

Madruguei para conversar com Softley sobre o aniversário de 20 anos do filme.

MOTHERBOARD: Quanto tempo faz desde a última vez que você assistiu Hackers?

Iain Softley: Na verdade assisti ao filme há umas três semanas pela primeira vez em duas décadas. Estava verificando uma versão para ser exibida em Londres. Foi divertido. Digo, tem coisas ali que parecem datadas e que não caíram tão bem. Mas o que continuou bem me agradou muito.

Que coisas?

A visualização do mundo, a noção de que eles eram essa gangue contracultural, a recriação do mundo tridimensional em suas cabeças. Suponho que esperava que essas coisas fossem vingar, mas o que me surpreendeu positivamente foi o enredo… É quase como se eles fossem uma banda de rock. Eu tinha acabado de filmar Backbeat (sobre o comecinho dos Beatles) e foi um momento contracultural surgido 20 ou 30 anos antes de eu filmá-lo. Estava tentando antecipar aquilo para o que estávamos nos preparando naquela época, o novo rock'n'roll, se você preferir assim.

Publicidade

Entendo essa sensação. Tenho 34 anos, ele foi lançado quando tinha 14. Hackers foi um filme muito importante para os adolescentes da época.

Eu tinha uma sobrinha de 15 anos na época. Ela me disse que o pessoal da escola assistia ao filme diversas vezes porque não tinha nada mais pra gente daquela idade. Ou eram filmes para crianças, para família ou para adultos. Não existia esse negócio de Crepúsculo ou Harry Potter ou Jogos Vorazes, filmes como esses, pra gente que estava no começo ou no meio da adolescência. Talvez isso explique a longevidade dele. E sempre foi algo meio aspiracional. Os jovens precisam de uma fuga das restrições de suas casas e escolas, outro mundo em que poderiam viver, como os garotos que ouviam rádios-piratas e discos em seus quartos enquanto seus pais ficavam no andar de baixo.

O filme saiu também em uma época em que não sabíamos o que seria a internet. Quando você estava filmando, imaginava que a internet seria como é hoje?

Meu ponto de partida foi como fazer algo invisível – o movimento de dados, a jornada de conexões eletrônicas, exploração eletrônica, vagar pelo labirinto – ser visualizado de alguma forma.

Outra cena de Hackers. Gif por Sarah Jeong

Foi um enorme desafio. E uma das coisas que me atraiu. Tive a chance de criar algo realmente imaginativo. E durante a criação dessas ideias – inspiradas em um monte de coisas, como cenas em 2001: Uma Odisseia no Espaço – muito foi feito junto de pessoas que, na época, tentavam prever as possibilidades. Eles pensavam em interfaces visuais, fáceis de usar. Isso me fez perceber que estávamos no rumo certo porque outras pessoas já começavam a seguir esse caminho. Na época criticavam e diziam que era tudo muito improvável, que nunca haveria nada além de textos em preto e branco na tela.

Publicidade

Houve outras formas de mostrar o interior de um computador consideradas por você?

Bem no começo tive uma ideia enquanto voávamos sobre Nova York de transformar tudo em uma placa de circuitos. Chegamos a construir um mapa nesse formato com base na paisagem arquitetural. Tirei uma foto e dei aos caras das maquetes e eles reproduziram. Rolava essa transição suave quando um dos personagens chegava em Nova York e a via como um possível playground.

Fisher Stevens usa óculos 3D no filme. Esses óculos seriam o próximo grande lance, mas deu ruim e agora meio que voltou. Tem alguma outra tecnologia que você acompanhou que deveria ter bombado e não deu?

Não acho que tenham sido tantas. Uma das coisas que tentamos prever e ilustrar não era bem a tecnologia, mas a forma como ela era fetichizada. Tínhamos personagens que usavam alças em seus notebooks como as de guitarras, cheios de adesivos. Era como uma guitarra mesmo. Não queria que fossem só massas cinzentas tecnológicas. E era um mundo em que eles queriam poder se comunicar uns com os outros e isso aconteceu com salas de bate-papo e o Facebook e as redes sociais. Agora, acho que o lance de patinar [risos]… Ficou pra trás bem rápido.

Também é um pouco datado ao falar do é a internet de verdade.

Pude notar essas conexões na época entre, digamos, a cultura hippie e a ideia de liberdades e pioneirismo, a noção de que a internet seria um lugar aberto, igualitário e sem as restrições do mundo comum. Muitos dos pioneiros da tecnologia que levaram ao fenômeno do Vale do Silício tinham esse espírito direto de Haight-Ashbury e San Francisco nos anos 70.

Publicidade

"Tudo foi encaixotado e vendido."

Estava lendo que alguns dos primeiros dispositivos que permitiam você fazer ligações de longa distância e evitar certos trâmites foram vendidos em shows do Grateful Dead. E em parte é por isso que havia uma ligação entre a natureza expansora da mente, as possibilidades ilimitadas e o movimento psicodélico dos anos 70. Aquilo foi transposto naquilo que chamamos de cultura ciberdélica – repare que no filme temos uma boate chamada "Cyberdelia".

- Leia também: Como a Muralha do Grateful Dead Revolucionou a História da Música ao Vivo

Observando Hackers agora, o que você mudaria caso fizesse o filme hoje?

Talvez incluísse mais detalhes sobre o mundo de dentro da empresa e como o agente de segurança [A Praga, interpretado por Fisher Stevens] jogava nos dois times porque acho que isso foi bem premonitório. A noção de que as pessoas responsáveis por sistemas de segurança vieram de comunidades hackers. Isso aconteceu, até onde sei. Era bastante fácil cometer um crime dessa forma porque ninguém entendia esse mundo.

Os primórdios da internet eram associados a uma liberdade que não existe mais.

Tudo foi encaixotado e vendido. Este é o fato de onde estamos agora. Não quero fazer juízo de valor sobre isso. Cada vez mais, muito do acesso livre é uma espécie de amostra pra te fazer ficar ligado naquilo e então pagar pelo serviço. Então creio que nem tudo tenha ocorrido como as pessoas esperavam, mas talvez isso nunca tenha sido muito realista e provável.

Publicidade

Nos últimos anos, vários grupos hackers tem aparecido nos noticiários. Você esperava por isso?

Estava claro que isso era possível. Digo, há aquela competição toda em que eles tomam como alvo o agente do Serviço Secreto interpretado por Wendell Pierce. Eles estão tentando arrumar formas de encerrar seu perfil online, dificultando sua forma de agir no mundo. Acho que as pessoas não achavam que era possível acessar os dados pessoais de alguém e basicamente tomar controle daquilo. As pessoas no filme não faziam nada visando ganhos materiais. Eram exploradores curiosos mapeando um novo território e observando tudo. Mas havia uma noção de que cada vez mais viveríamos na internet e teríamos nossos dados armazenados. Era lógico que estaríamos sujeitos a esses tipos de crimes.

- Leia também: O Criador de Mr. Robot Fala Sobre suas Raízes Hacktivistas e Cults

Na cena em que um dos personagens fala para "Hackear o planeta", há ali uma alusão de uma nova comunidade global surgindo.

Nós nos tornamos mais globais e certamente pessoas mais jovens estão criando conexões com outras em diferentes países e entendendo mais sobre pessoas nesses lugares. Está ficando complicado para regimes ao redor do planeta excluírem informações sobre o que realmente está acontecendo para a população. Ainda ocorrem tentativas disso, mas sempre há maneiras da informação ser passada adiante já que agora é globalmente acessível.

Tradução: Thiago "Índio" Silva