Os perigos físicos de ser um maratonista de séries

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Os perigos físicos de ser um maratonista de séries

Não somos nós, é a ciência que diz: depressão e embolia pulmonar são alguns dos riscos do esporte caseiro conhecido como binge-watching.

O astrônomo Alexandre Cherman está contando as horas para o dia 17 de março. Nerd assumido, ele está ansioso para assistir à estreia de Punho de Ferro, quarta produção da Marvel em parceria com a Netflix. O serviço de streaming já anunciou que vai estrear a saga de Daniel 'Danny' Rand, o alter-ego do super-herói que luta artes marciais, às 4h01. Se você é daqueles que gosta de curtir a temporada de uma tacada só, já sabe: a maratona para assistir aos 13 episódios começa de madrugada e só termina lá pelas 5h da tarde.

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"Até hoje, meu recorde absoluto foi a primeira temporada de Demolidor. Assisti aos 13 episódios em menos de 24 horas. A série foi lançada numa sexta, às 22h. No sábado à noite, eu já tinha terminado", recorda Cherman. "Dessa vez, devo acordar de madrugada para assistir aos primeiros episódios de Punho de Ferro. Quando voltar do trabalho, recomeço a maratona. Planejo terminar a série antes de o fim de semana acabar", avisa o astrônomo, que gosta de assistir Supergirl em companhia da filha, a pequena Ísis, de nove anos.

O hábito de assistir a um episódio atrás do outro, sem interrupções, ganhou o nome de binge-watching. A expressão, de origem inglesa, deriva de binge-drinking, o costume de pedir várias bebidas de uma vez e consumi-las às pressas antes de o bar fechar. Segundo pesquisa de 2013 realizada pela Harris Interactive a pedido da Netflix, seis em cada dez assinantes do serviço de streaming são adeptos de binge-watching. Desses, 73% disseram que gostam de assistir de dois a seis episódios de uma mesma série por sessão.

Para quem gosta de assistir a sua série favorita, confortavelmente refestelado no sofá da sala, um alerta: os espectadores que passam de 2h30 a 5h horas por dia na frente da TV têm 70% mais chances de sofrer uma embolia pulmonar do que aqueles que ficam menos de 2h30 horas diante do aparelho. O estudo foi coordenado pelo epidemiologista Toru Shirakawa, da Universidade de Osaka, no Japão, e realizado com mais de 86 mil voluntários, entre os anos de 1988 e 2007.

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Diretor da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), Júlio Peclat explica que passar muito tempo deitado pode aumentar as chances de formação de coágulos nas veias das pernas. E, eventualmente, esses coágulos podem migrar para os pulmões. "O ideal é, a cada hora, levantar-se, fazer alongamento e caminhar pela casa. Ver televisão deitado é preferível a sentado. Se o espectador puder elevar os membros inferiores sobre travesseiros e almofadas, melhor ainda", recomenda Peclat.

Para não descuidar da saúde enquanto pratica binge-watching, a dramaturga e jornalista Vana Medeiros, coautora do Guia das Séries – Tudo que Você Queria Saber Sobre as Mais Importantes dos Últimos Anos, já aciona o relógio para tocar de hora em hora. Ao soar do despertador, ela aproveita o intervalo para espreguiçar-se e esticar braços e pernas. "Meu dia favorito para 'maratonar' séries é sábado de chuva. Já fiquei umas 12 horas, de manhã até a noitinha, vendo Lost", confidencia.

Por coincidência, a série que narrou o infortúnio dos sobreviventes do voo 815 numa misteriosa ilha tropical também foi a recordista de binge-watching do roteirista Pedro Salomão. Na ocasião, ele assistiu aos 25 episódios da primeira temporada em apenas três dias. Na ponta do lápis, dá uma média de 5h30 na frente da TV por dia. "Tenho o péssimo hábito de beber pouca água. Então, procuro beber um copo ao final de cada episódio. É uma boa desculpa para hidratar o organismo", brinca.

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Alexandre passou o divertido e por vezes perigoso hábito de assistir maratonas de séries a sua filha Isis, de nove anos. Foto: Renata Bernardo

Deprimido, eu?

Os supostos malefícios à saúde provocados pelo hábito de assistir a um episódio atrás do outro vão além da embolia pulmonar. É o que garante um estudo da Universidade do Texas, nos EUA. Depois de monitorar os hábitos de 316 jovens de 18 a 29 anos, a equipe do pesquisador Yoon Sung Hi concluiu que o binge-watching pode mascarar sintomas de depressão e provocar sedentarismo e obesidade. Segundo o levantamento, quanto mais solitário e deprimido o telespectador, mais suscetível a 'maratonar' séries de TV.

O psiquiatra Antônio Egídio Nardi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não vê razão para pânico. "Geralmente, quando um comportamento difere do normal, tentam logo associá-lo a transtorno mental. Passar horas na frente da TV não é diagnóstico de depressão", tranquiliza. Mesmo assim, parentes e amigos precisam estar atentos a comportamentos considerados reclusos e solitários. "Há quem encontre no binge-watching uma evasão da realidade em momentos difíceis. Caso o indivíduo demonstre dificuldade para se socializar, pode ser aconselhável procurar orientação médica ou psicológica", recomenda o psiquiatra.

Como nada é tão ruim que não possa piorar, outro estudo, da Universidade de Ohio, também nos EUA, sugere que as relações que alguns telespectadores estabelecem com seus personagens favoritos são iguais aos que eles têm com os amigos de carne e osso. A coordenadora do estudo, Emily Moyer-Gusé, analisou o impacto causado pela greve dos roteiristas, lá em 2007, na vida de 403 universitários americanos. A greve durou 99 dias e causou a paralisação de Two and a Half Men, Prison Break e Heroes, entre outras séries.

Na ocasião, muitos voluntários relataram que "Meu personagem favorito me faz sentir como se eu tivesse um amigo de verdade" ou, então, "Agora, que meu seriado favorito está fora do ar, eu me sinto mais só". Vana Medeiros já passou por isso. "A sensação é de vazio", descreve. Para amenizar a saudade que, até hoje, sente de How I Met Your Mother, que terminou em 2014, confessa que já assistiu às nove temporadas da série, do começo ao fim, três vezes. "E, mesmo assim, ainda não superei o final", brinca.

Para evitar sintomas desagradáveis, como aperto no coração ou nó na garganta, sempre que sua série favorita chega ao fim, Antônio Egídio Nardi, da UFRJ, usa algumas dicas: "Assistir a várias séries ao mesmo tempo ou, quem sabe, substituir a produção que acabou por outra similar". O editor do blog Ligado em Série, Bruno Carvalho, bem que tentou substituir Friends por Arrested Development, Parks and Recreation e Community, mas não conseguiu. "Séries boas foram feitas para acabar um dia. Caso contrário, ficarão no ar até se tornarem ruins, maçantes ou repetitivas", consola-se.