Os impactos da radioatividade na fauna de Chernobyl
Cegonhas brancas numa estrada perto de Chernobyl, Ucrânia. Diversas áreas da região de Chernobyl apresentam níveis baixos de radioatividade e servem de refúgio para plantas e animais. Crédito: Tim Mousseau

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Os impactos da radioatividade na fauna de Chernobyl

Trinta anos depois, muitos animais, plantas e cogumelos ainda estão contaminados.

O maior desastre nuclear da história ocorreu 30 anos atrás, na usina nuclear de Chernobyl, na então União Soviética. O derretimento nuclear, as explosões e o incêndio que durou 10 dias injetaram quantidades imensas de radioatividade na atmosfera e contaminaram vastas áreas da Europa e Eurásia. Para se ter uma ideia, a Agência Internacional de Energia Atômica estima que Chernobyl lançou 400 mais radioatividade na atmosfera do que a bomba de Hiroshima em 1945.

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As cicatrizes continuam abertas. O césio radioativo de Chernobyl ainda pode ser detectado em alguns produtos alimentícios. E em partes do centro, leste e norte da Europa, muitos animais, plantas e cogumelos ainda contêm tanta radioatividade que são impróprios para o consumo humano.

A primeira bomba atômica do mundo explodiu em Alamogordo, no Novo México, há mais de 70 anos. Desde então, mais de 2.000 bombas atômicas foram testadas e emitiram materiais radioativos na atmosfera. Além disso, mais de 200 pequenos e grandes acidentes ocorreram em instalações nucleares. Em meio a esses dados perigosos, especialistas e grupos de preservação da natureza debatem, com unhas e dentes, as consequências da radioatividade para a saúde e o meio ambiente.

Nos últimos dez anos, biólogos progrediram bastante na documentação dos efeitos da radioatividade sobre plantas, animais e micróbios. Eu e meus colegas analisamos esses impactos em Chernobyl, Fukushima e regiões naturalmente radioativas do planeta.

Nossos estudos oferecem novas percepções sobre as consequências da exposição crônica, multigeracional, a baixas doses de radiação ionizante. Descobrimos que organismos individuais são prejudicados pela radiação de diversas formas. Os efeitos cumulativos desses danos resultam em populações menores e redução de biodiversidade em áreas de muita radiação.

Impactos profundos em Chernobyl

A exposição à radiação vem ocasionando danos genéticos e taxas mais altas de mutações em muitos organismos da região de Chernobyl. Até agora, encontramos pouquíssimas evidências de que os seres vivos locais tenham se tornado mais resistentes à radiação.

A história evolutiva dos organismos pode desempenhar um papel muito importante na determinação do quão vulneráveis são à radiação. Segundo os nossos estudos, as espécies que, historicamente, apresentam altas taxas de mutações, como a andorinha-de-bando (Hirundo rustica), a felosa-icterina (Hippolais icterina) e a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla), estão entre as espécies mais propensas aos declínios populacionais em Chernobyl. Nossa hipótese é que a capacidade de reparar DNA varia entre espécies, e isso afeta tanto as taxas de substituição de DNA quanto a suscetibilidade à radiação de Chernobyl.

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Assim como os sobreviventes das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, as aves e os mamíferos de Chernobyl têm cataratas nos olhos e cérebros menores. São consequências diretas da exposição à radiação ionizante presente no ar, na água e em alimentos. Ademais, assim como alguns pacientes com câncer em terapia de radiação, muitas aves apresentam esperma malformado. Na maioria das áreas radioativas, até 40% dos pássaros machos encontram-se completamente estéreis, sem esperma, ou com apenas um pouco de esperma morto em seus tratos reprodutivos durante a temporada de acasalamento.

Tumores, provavelmente cancerígenos, são obviedades entre algumas aves das áreas de alta radiação, bem como anormalidades no desenvolvimento de algumas plantas e insetos.

Dados os indícios esmagadores de danos genéticos e lesões individuais, não admira que tenham diminuído as populações de diversos seres vivos de áreas altamente contaminadas. Em Chernobyl, todos os grandes grupos de animais que estudamos eram menos abundantes em áreas radioativas. Isso inclui aves, borboletas, libélulas, abelhas, gafanhotos, aranhas e grandes e pequenos mamíferos.

Nem todas as espécies seguem o mesmo padrão de declínio. Muitas espécies, incluindo lobos, não apresentam efeitos da radiação em sua densidade populacional. Algumas espécies de aves parecem mais abundantes em áreas mais radioativas. Em ambos os casos, os números mais altos podem ser reflexo da menor quantidade de competidores ou predadores dessas espécies em áreas altamente radioativas.

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Além disso, vastas áreas da Zona de Exclusão de Chernobyl hoje já não estão altamente contaminadas e, assim, parecem servir de refúgio para muitas espécies. Um relatório publicado em 2015 descreveu que animais de caça, como javalis selvagens e alces, prosperam no ecossistema de Chernobyl. Entretanto, quase todos os efeitos documentados da radiação em Chernobyl e Fukushima revelaram que organismos individuais expostos à radiação ainda apresentam lesões graves.

Mapa da região de Chernobyl, na Ucrânia. Observem os padrões de deposição de radioatividade na região, bem heterogêneos. Áreas de baixa radioatividade proporcionam refúgios à fauna da região. Shestopalov, V.M., 1996. Atlas da zona de exclusão de Chernobyl. Kiev: Academia Ucraniana de Ciência.

Pode haver exceções. Por exemplo, substâncias chamadas antioxidantes podem se defender de danos ao DNA, a proteínas e lipídios causados por radiação ionizante. Capaz que os níveis de antioxidantes disponíveis no corpo dos indivíduos desempenhem um papel importante em reduzir os danos causados pela radiação. Evidências mostram que algumas aves parecem ter se adaptado à radiação alterando a maneira como utilizam antioxidantes no corpo.

Paralelos em Fukushima

Recentemente, testamos a validade dos nossos estudos sobre Chernobyl ao aplicá-los em Fukushima, no Japão. A queda de energia de 2011 e o derretimento nuclear de três reatores da cidade emitiram cerca de um décimo da quantidade de materiais radioativos do desastre de Chernobyl.

Em suma, descobrimos padrões similares de declínios em abundância e diversidade de aves, embora algumas espécies tenham se mostrado mais sensíveis à radiação do que outras. Também percebemos o declínio de alguns insetos, como borboletas, o que pode ser efeito do acúmulo de mutações danosas ao longo de incontáveis gerações.

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Os nossos estudos mais recentes em Fukushima usufruíram de análises mais sofisticadas das doses de radiação às quais os animais foram expostos. No último artigo, nós nos unimos a radioecologistas para reconstruir as doses recebidas por cerca de 7.000 aves. Os paralelos que encontramos entre Chernobyl e Fukushima oferecem fortes evidências de que a radiação é a causa subjacente aos fenômenos que observamos em ambos os lugares.

Alguns membros da comunidade reguladora de radiação custaram a admitir a dimensão dos acidentes nucleares na natureza. Por exemplo, o Fórum de Chernobyl, patrocinado pelas Nações Unidas, instigou a noção de que o acidente teve um impacto positivo sobre os seres vivos da zona de exclusão por causa da ausência de atividades humanas. Um relatório mais recente, realizado pelo Comitê Científico das Nações Unidas, sobre os Efeitos da Radiação Atômica, prevê consequências mínimas para a fauna e a flora da região de Fukushima.

Infelizmente, essas avaliações oficiais foram baseadas, em grande parte, em prognósticos de modelos teóricos, e não em observações empíricas diretas de plantas e animais que vivem nessas regiões. De acordo com a nossa pesquisa, e de outros especialistas, hoje está claro que animais que vivenciam toda a gama de tensões na natureza são muito mais sensíveis aos efeitos da radiação do que se imaginava antes. Embora os estudos de campo não contem com os ambientes controlados que uma experimentação científica precisa exige, eles compõem uma descrição mais realista dos processos naturais.

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A nossa ênfase em documentar os efeitos da radiação sob condições "naturais", observando organismos silvestres, já nos proporcionou muitas descobertas que nos ajudarão a lidar melhor com o próximo acidente nuclear ou com um ato de terrorismo nuclear. Essas informações são absolutamente necessárias caso desejemos proteger o meio ambiente, não só em prol do ser humano, como também de todos os seres vivos e dos ecossistemas que sustentam a vida no planeta.

Hoje há mais de 400 reatores nucleares em operação ao redor do mundo, mais 65 em construção e 165 no papel. Todas as usinas nucleares em operação estão gerando grandes quantias de resíduo nuclear, que deve permanecer armazenado nos próximos milhares de anos. Por conta disso e da probabilidade de acidentes futuros e terrorismo nuclear, é importante que cientistas aprendam o possível sobre os efeitos desses contaminantes no ambiente, tanto para remediar os efeitos de incidentes futuros quanto para produzir análises de risco, com base em evidências mais fortes, para o desenvolvimento de novas políticas.

Timothy A. Mousseau é Professor de Ciências Biológicas na Universidade da Carolina do Sul, nos EUA.

Este artigo foi originalmente publicado na revista acadêmica The Conversation.

Tradução: Stephanie Fernandes