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Tecnologia

O que aprendi ao banir as telas de casa por um mês

No decorrer de um mês, eu e meu parceiro trocamos uma infinidade de receitas e redescobrimos os mais diversos passatempos

Nos últimos 31 dias, sempre que eu colocava os pés na soleira do meu apartamento, estava adentrando uma zona sem telas. Sem televisão. Sem computador. Sem celular. Vish!

Eu e meu parceiro discutimos essa ideia no fim do ano passado, como uma versão digital do "janeiro seco" — período em que muitos ébrios de carteirinha renunciam ao álcool. Havíamos nos resignado a hábitos insalubres e desconfortáveis, como jantar toda noite de frente para a televisão. O objetivo era nos forçar a dar um tempo.

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Acontece que nós dois somos jornalistas e, assim como em muitas profissões atuais, não podemos largar as telas assim, como se nada fosse. Vivemos entre computadores e smartphones, o dia todo, para trabalhar e manter contatos. Mas em casa, em nosso espaço particular, poderíamos estabelecer as nossas próprias regras. Pois foi o que fizemos.
Era simples, mas severo:

  • nada de televisão
  • nada de computador
  • nada de celular

Havia algumas (poucas) exceções: pegar o celular para ver uma receita, ou conectar uma playlist aos nossos alto-falantes. Caso tivéssemos algum trabalho importante para concluir — fechar um artigo no prazo, por exemplo —, tudo bem, passe livre. Se não, a regra era desligar-se durante a noite e nos fins de semana, até o fim do mês.

Aquele brilho familiar. Créditos: WikiMedia Commons

"Quis fazer isso para me afastar daquela carga toda de entretenimento impensado, como Netflix e Reddit", disse o meu parceiro, Stuart. "É como açúcar. É açúcar para o cérebro, e acho que se as pessoas tentassem largar de repente, perceberiam que é um vício."

Já saíram muitos estudos científicos sobre os efeitos do tempo em demasia diante das telas na vida das crianças, mas ainda não há muita coisa sobre adultos. De qualquer forma, sabemos que ficar no computador ou celular antes de dormir prejudica o sono, e as multitarefas ao longo do dia — ficar zanzando entre a cozinha, o Facebook e a caixa de entrada —  drena a energia do cérebro. Esses problemas, somados ao fato de que ficar conectado o tempo todo nos deixava mal, nos induziram a renunciar aos nossos aparelhos em casa.

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Nutrimos uma série de expectativas e metas para o mês. Queríamos conversar mais, e passar mais tempo olhos nos olhos, em vez do celular. Também queríamos fazer coisas para as quais nunca tínhamos tempo — ir à academia, conferir aquela mostra de quadros dos anos 80 no Whitney, levar projetos criativos a cabo.

Acreditávamos que, sem o ruído e a distração do vórtice desgastante da mídia, teríamos tempo e energia de sobra para alcançar as nossas metas. Em muitos aspectos, isso se provou verdade, mas com certas limitações.

Os primeiros dias foram incríveis, para falar a verdade. Chegávamos em casa, ouvíamos música, cozinhávamos juntos o jantar, e então — quem diria? — nos sentávamos à mesa e comíamos. Depois do jantar, Stuart tocava violão enquanto eu lia. Concluíamos as tarefas sem hesitação. Foi mágico.

"Me senti nos anos 50", disse Stuart. "As pessoas simplesmente se sentavam à mesa, em apartamentos abafados, ao som de vinis, e conversavam, porque era o que tinham para fazer. Gosto de resgatar isso."

Então chegou o fim de semana.

Quando você tem só umas horinhas de sobre, à noite, a privação de telas não é lá muito difícil. Mas quando você vislumbra 48 horas desocupadas adiante, o corte de Netflix de repente soa aterrador. Ainda assim, não foi difícil encontrar passatempos — afinal, moramos em Nova York. Fomos à academia algumas vezes. E também exploramos novos bairros (até mesmo Nova Jersey, uma vez!), só pela diversão do passeio. Fizemos planos com os amigos, e por incrível que pareça, seguimos todos à risca. Também fomos ao Museu da Imagem em Movimento — pouco irônico, né! — para conferir a mostra sobre Martin Scorsese.

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"A rolagem infinta tende a consumir a nossa vida."

De muitas formas, o experimento compensou e foi muito além das nossas expectativas.

"É diferente de fazer exercício ou comer bem — essas coisas demoram para dar resultado —, mas com a tecnologia, dá para notar a diferença rapidinho", disse Manoush Zomorodi, apresentador do Note to Self, um podcast da WNYC. "Agir assim dá uma sensação empoderadora, é incrível. Notamos os resultados logo de cara."

O programa Note to Self costuma tratar de questões como estafa tecnológica, e volta e meia cria desafios para os ouvintes, para ajudá-los a largar os hábitos ruins. Um dos projetos, chamado Bored and Brilliant [Entediado e Brilhante], instigou os ouvintes a se sentirem entediados por livre e espontânea vontade, numa tentativa de reconexão com seu lado criativo.

A conexão entre tédio e criatividade se manifestou rapidinho aqui em casa. Stu logo voltou a desenhar, depois de anos. E eu… fico um pouco encabulada ao contar, mas voltei a escrever poesia, coisa que eu não fazia desde a faculdade. A musa retornou, e o segredo foi desligar as telas por algumas horinhas.

Alguns rascunhos de Stu, do nosso mês sem telas.

Também sentimos que nossa relação melhorou. Tivemos mais conversas, ora profundas, ora cotidianas. Apesar de passarmos tanto tempo juntos quanto antes, não costumávamos nos conectar assim.

No entanto, nem tudo foi como esperávamos. Por exemplo, tempo de sobra para fazer as coisas não significa dinheiro de sobra para fazer tudo que queremos — mostras, leituras, jantares fora e cursos custam caro. Tem hora que dá vontade mesmo de espairecer e assistir a um episódio ou dois de  The Office.

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"Nem toda noite nos sentamos juntos e tivemos conversas ricas, profundas", contou Stu. "Às vezes é preciso fazer algo só pela diversão, então meio que substituimos o entretenimento impensando por palavras-cruzadas. Fizemos bastante palavras-cruzadas."

Nós dois deslizamos um pouco no fim do mês. De repente, me dei conta de que estava de butuca no Facebook quando deveria apenas estar conferindo o caminho para um restaurante. Já Stu se emaranhou em uma corrente de tuítes no último fim de semana.

Mas, no fim das contas, nós dois pretendemos aproveitar os benefícios do desligamento e aplicá-los ao nosso dia a dia. Queremos que cada clique tenha um propósito; queremos usar as telas deliberadamente. Assistir a um episódio de  Game of Thrones porque gostamos da série e ficar a par dos acontecimentos, à vera, em vez de passar três horas descendo a barra de rolagem do Reddit irrefletidamente, sem nunca conversar com o outro de fato.

"A palavra-chave é 'deliberado'", disse Zomorodi. "A ideia é manter um uso propositado da tecnologia. Caso contrário, a rolagem infinta tende a consumir a nossa vida."

É por isso que desafios do tipo são mais do que mero divertimento; eles nos mostram os limites que poderíamos traçar para o nosso bem, em meio a um mundo de tecnologia feita para desmantelar limites e nos fazer querer sempre mais e mais. É diferente para cada um, e uma boa maneira de descobrir seus limites diante das telas é eliminar as telas por completo. Pelo menos por um mês.

Tradução: Stephanie Fernandes