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Tecnologia

O fenômeno traiçoeiro que pode ferrar com sua coleção de discos

CDs e DVDs eram vendidos como objetos indestrutíveis, mas a verdade, como mostra o fenômeno da oxidação de disco, é mais complicada.

Muitas vezes, ele parece uma mancha de café — uma descoloração perceptível que, por algum motivo, não pode ser removida. Em outras, ele se manifesta como pequenos pontinhos brancos na superfície de um disco. E há aquelas vezes em que tudo muda de cor. De qualquer forma, quando você se depara com o que é popularmente conhecido como "oxidação de disco", é hora de dizer adeus a um ótimo álbum ou a um filme interessante.

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A eventual deterioração da mídia ótica é um problema e tanto, seja você um arquivista digital ou simplesmente alguém que quer assistir a um filme em uma mídia obsoleta como o Laserdisc.

Mergulhemos, então, de cabeça nesse mundo de manchas e deterioração.


Por que a oxidação de discos é um desafio para arquivistas e colecionadores

Em 2010, um colunista do site de jogos RF Generation, frustrado com uma série de compras nas quais os jogos sofreram algum tipo de oxidação antes de serem entregues, escreveu um aviso à comunidade gamer, incentivando seus membros a darem mais atenção ao problema.

O colunista, que responde pelas alcunhas de "slackur" e "Jesse Mysterious", narrou em seguida uma história assustadora vivida por um grande colecionador: após ler sobre o problema da oxidação, ele resolveu checar sua coleção de jogos e descobriu pequenas manchas brancas em muitos dos CDs — um sinal óbvio de oxidação.

Deixemos a narração por conta do próprio colecionador:

Uma só manchinha já representa um dano que nunca poderá ser recuperado. Nenhum processo de remoção de arranhões pode restaurar os dados perdidos. O jogo está danificado para sempre, e a tendência é só piorar. Muitos sites afirmam que a oxidação é um problema limitado, observado apenas em discos produzidos por determinados fabricantes, e não uma questão generalizada. Mas quando li sobre a oxidação, chequei minha coleção de jogos do Sega CD, Turbo CD, Saturn e Dreamcast e descobri que DEZENAS deles apresentavam esse problema. Muitos dos meus jogos valiosos estavam em excelentes condições — mas quando eu os coloquei contra a luz, pude ver alguns pontinhos brancos, prova de que meus jogos estavam danificados. Tentei jogar alguns dos jogos e descobri que muitos deles estavam travando ou haviam parado de funcionar. Abri alguns dos jogos que nunca havia tirado da embalagem e encontrei o mesmo problema. Para um colecionador como eu, isso é um pesadelo.

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Michele Youket, uma especialista em conservação da Biblioteca do Congresso, já viveu situações parecidas. Ela diz que este tipo de decomposição silenciosa, que pode se manifestar de três formas  — como discos "queimados", pequenos pontos brancos localizados nos discos ou a descoloração das extremidades — chamou a atenção da biblioteca nacional quando sua equipe começou a arquivar música em CDs, o que logo revelaria os defeitos do formato.

É preciso ter em mente que, embora os discos ópticos pareçam todos iguais, existem grandes — mas sutis — diferenças em sua fabricação que podem afetar sua qualidade final. Um disco mais antigo pode não ter sido feito com os mesmos produtos químicos utilizados em um mais novo, e ao longo do tempo, as técnicas tendem a se tornarem mais sofisticadas.

Um exemplo disso envolve a Philips and Dupont Optical (PDO), uma fabricante de CDs britânico que chegou a disponibilizar uma rede de apoio ao consumidor encarregada de trocar discos "queimados".

A história começa assim: entre 1988 e 1993, a PDO fabricou uma série de CDs com um verniz de baixa qualidade que não era resistente a enxofre, o que era um problema, visto que os encartes e as capas que acompanhavam os CDs continham traços de enxofre — o que significa que o material que deveria proteger o disco na verdade o danificava. Isso fez com que a camada de alumínio eventualmente se corroesse, deixando os discos com uma aparência queimada e afetando a qualidade do áudio dos discos. Entre 1991 e 2006, a PDO ofereceu um serviço de apoio aos consumidores que permitia a troca desses discos danificados.

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De acordo com Youket, casos como o da DOP se tornaram cada vez mais raros.

"Muitas das causas dos danos prematuros a esses discos desapareceram conforme a tecnologia evoluiu. No entanto, com a criação de formatos novos e mais complexos, surgiram outros mecanismos de falha ", explica Youket.

Quer você queira proteger o patrimônio cultural do seu país ou manter sua própria coleção, é justo dizer que a oxidação de discos é um enorme e preocupante problema.


Michele Youket, especialista em conservação da Biblioteca do Congresso, examina um CD. Crédito: Amanda Reynolds/Library of Congress

Cinco fatos importantes sobre a oxidação de discos compactos, de acordo com a Biblioteca do Congresso

  • Muitos discos ópticos com falhas significativas ainda são legíveis, diz Youket. "Caso o disco tenha uma falha incorrigível, dependendo de onde essa falha ocorre, muito dos dados ainda podem ser recuperados", explicou ela em uma entrevista. "Muitos discos com grandes falhas ainda podem ser reproduzidos, e dependendo do conteúdo — áudio, vídeo ou dados — até uma falha incorrigível pode não ser fatal".
  • Um arranhão na parte superior do CD é pior do que um na parte inferior. Mas por quê? Youket afirma que o padrão desses discos ópticos inclui esquemas de correção de erros que se adaptam a arranhões localizados na parte inferior dos discos. "No entanto", diz ela, "como na parte superior a camada reflexiva é coberta apenas por uma fina camada de acrílico com um rótulo impresso à tinta, arranhões nesse local podem penetrar e danificar a camada reflexiva".
  • Em geral, os DVDs são mais resistentes que os CDs, em grande parte porque a camada reflexiva desse tipo de disco é envolta por discos de policarbonato. Mas em compensação, esses discos oxidam com mais facilidade, graças às reações químicas entre as camadas e os discos de policarbonato, que ao longo do tempo causam a descamação das camadas. Logo, os discos de camada dupla acabam sendo mais frágeis.
  • CD's virgens duram menos, em parte por causa da tinta orgânica utilizada para gravar os bytes nos discos, que segundo Youket é altamente degradável — particularmente no caso de DVDs virgens, que são mais sensíveis à luz e, consequentemente, mais frágeis. Além disso, ela afirma que a forma como CDs virgens são gravados define sua vida útil — um disco mal gravado estraga mais rápido.
  • O manuseio e o armazenamento adequados são essenciais. Youket afirma que, de acordo com os testes de envelhecimento da própria LOC (que determinam a vida útil dos discos com base em sua taxa de bits errados), os discos duram muito mais quando manuseados corretamente e armazenados em boas condições. "Esses estudos mostraram que um disco compacto bem feito pode durar várias décadas caso armazenado e manuseado corretamente", disse ela, acrescentando que "discos armazenados em condições desfavoráveis, com altas temperaturas e/ou umidade terão uma vida útil menor do que os discos armazenados corretamente".


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Os colecionadores de Laserdiscs conhecem muito bem os horrores da "oxidação de laser"

Caso os colecionadores de CDs ou DVDs quisessem saber o que os esperava, bastava perguntar aos colecionadores de Laserdiscs, todos eles muito familiares com a morte prematura de sua mídia oitentista favorita.

Na verdade, o termo utilizado pelos colecionadores de Laserdiscs é "oxidação de laser", uma referência ao pioneirismo dessa primeira mídia óptica.

No caso dos Laserdiscs, as falhas, que começam como pequenos pontinhos brancos na tela da TV, aparecem durante a reprodução dos discos. Os próprios discos acabam também ficando com uma aparência nublada (conforme mostrado nesse vídeo do YouTube, que mostra os danos em uma cópia de Os Embalos de Sábado à Noite), e o resultado é quase sempre decepcionante, tendo em vista a suposta qualidade de áudio e som dessa mídia.

O problema é tão comum na comunidade Laserdisc que o a Laserdisc Database (LDDB), um site voltada para colecionadores, tem uma página que lista os filmes que mais apresentam esse tipo de problema, basicamente uma forma de evitar que seus membros comprem esses discos.

Assim como a PDO vendeu a seus clientes britânicos CDs que oxidavam com o tempo, uma fabricante americana é culpada por grande parte das falhas do Laserdisc: a fábrica DADC da Sony, localizada no estado da Indiana.

Ao adentrar o mundo dos entusiastas do Laserdisc, é possível encontrar toda sorte de teoria sobre porque essa fábrica da Sony, muito mais do que qualquer outra, produzia discos tão descartáveis.

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"Ao longo dos anos, a maior parte das fábricas de prensagem já teve problemas com oxidação uma vez ou outra, mas a maioria deles conseguiu resolver essa questão", escreveu Josh "Laserdisc Guru" Zyber em seu site em 2005. "Mas a DADC nunca fez isso".

A fragilidade do Laserdisc faz com que seus defensores estejam sempre em busca de novas maneiras de preservar suas coleções. No ano passado, Sean Cooper, um colunista da Engadget, descreveu como ele teve de jogar fora um fliperama original do jogo Dragon's Lair porque ele não conseguia achar uma cópia funcional do jogo original. Um problema nada surpreendente, convenhamos, já que o jogo foi lançado há mais de 30 anos.

No fim, Cooper foi forçado a substituir o Laserdisc original por um Raspberry Pi. Não tão autêntico, é verdade, mas pelo menos o jogo funciona.


Há algo de emocionante em apreciar uma obra de entretenimento em seu formato original, mas quando esses formatos perdem o interesse do mainstream, tanto as empresas quanto o público consumidor partem para a próxima tecnologia.

E para onde vai tudo que foi produzido nesses formatos obsoletos? Geralmente, as empresas não são os melhores guardiões dos formatos que elas uma vez venderam.

Os depósitos da WNYC estão cheios de CDs, o que pode ser um pesadelo arquivológico, como explicado em um post publicado no blog da Biblioteca do Congresso.

Embora Youket cite a existência de discos graváveis de "alta qualidade" como uma forma de manter arquivos seguros a longo prazo, seu colega Peter Alyea, um especialista em conversão digital, diz que a passagem para a computação em nuvem afastou as empresas desses formatos mais antigos.

"Depois da passagem da mídia física para a digital, isso deixou de ser uma prioridade para as empresas", explicou ele em uma entrevista. "Os consumidores estão mais interessados no acesso a longo prazo de dados pessoais armazenados na nuvem e no acesso imediato a entretenimento (música, vídeos, jogos). Seria bom se os fabricantes priorizassem a durabilidade de seus produtos, mas isso não seria realista".

Tudo envelhece, e as coisas perdem seu brilho com o passar do tempo. Mas na era da nuvem os consumidores estão mais perto de transferir esse problema para as grandes empresas. Os arquivistas, infelizmente, não podem ser dar a esse luxo.

Tradução: Ananda Pieratti