O cambista que quebrou as pernas da Ticketmaster

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Tecnologia

O cambista que quebrou as pernas da Ticketmaster

Ele usava bots para comprar milhões de ingressos e acabar com as gigantes do mercado. Agora quer combater a prática.

Uma versão desta história foi publicada na edição de fevereiro da revista VICE.

Em fevereiro de 2005, ao levar o primeiro Grammy da noite, o U2 subiu no palco e anunciou a turnê Vertigo, que estava por vir. "Por conta de circunstâncias que estão fora do nosso controle, muitos fãs desafortunados não conseguiram ingressos", disse o baterista Larry Mullen Jr. "Em nome da banda, gostaria de pedir desculpas."

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O motivo desse infortúnio? Ken Lowson, o cambista mais famoso e bem-sucedido da história, havia comprado quase todos os 500 ingressos de pista disponíveis para o fã-clube, para cada show.

"Quando começaram as vendas, compramos 496 ingressos em Nova York, 492 em Boston e 496 em Los Angeles", me contou Lowson, o antigo CEO da Wiseguy Tickets, em um dos diversos telefonemas que trocamos nos últimos seis meses. "Eles se desculparam no Grammy por nossa causa, e ofereceram uma segunda rodada de vendas para compensar. Compramos todos os ingressos bons da segunda rodada também."

U2 é um dos poucos grupos musicais que já aludiu ao fato dos ingressos não serem vendidos diretamente para os fãs. Durante mais de uma década, a Wiseguy foi a bambambã da revenda de ingressos. A empresa praticamente faliu a Ticketmaster usando um dos primeiros "bots de ingressos", um programa automatizado que comprou e revendeu milhões de ingressos entre 1999 e a prisão de Lowson por acusações de fraude, em 2010.

A praga dos bots de ingressos e a imoralidade dos gatunos que os utilizam são de conhecimento geral, e estão tão impregnados na consciência do público, impassíveis de punição, que o projeto de lei para banir os bots foi aprovado pelas duas câmaras do congresso americano ano passado, por unanimidade, em parte graças a uma ilustre campanha de relações públicas, protagonizada por Lin-Manuel Miranda, criador do musical  Hamilton.

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Contudo, ninguém da indústria cambista acredita que a proibição de bots vá de fato desacelerar o mercado secundário. Sete anos depois da invasão do escritório da Wiseguy por agentes armados do FBI, Lowson me contou que virou a casaca. Agora, ele está disposto a desembuchar os segredos da indústria dos ingressos, numa tentativa de garantir a venda direta para os fãs.

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Toda discussão nos EUA sobre a prática cambista foca nos bots, uma maldição misteriosa que as pessoas culpam pela compra desenfreada de ingressos.

Um bot de ingressos é um programa de computador que automatiza o processo de aquisição de ingressos na Ticketmaster, ou em algum outro site primário de vendas. Há diversos tipos de bots de ingressos, mas os que mais irritam a Ticketmaster, os políticos, fãs e artistas são softwares simples, programados preencher os formulários da Ticketmaster em milésimos de segundo e encomendar ingressos no instante em que entram à venda, ao passo que um humano habilidoso leva pelo menos 10 segundos para fazer o mesmo. Os bots mais complexos são programados para abrir milhares de pedidos nos servidores da Ticketmaster a partir de milhares de endereços de IP diferentes, o que confere aos bots ampla vantagem sobre os fãs. Assim que os ingressos são reservados com sucesso, um humano pode comprá-los.

"Bots são só uma pecinha do quebra-cabeça. A indústria opera de diversas formas impróprias."

O que falta no debate público sobre a prática cambista, contudo, é uma compreensão detalhada de como funcionam os mercados de ingressos, o primário e o secundário, e como revendedores levam vantagem sobre o fã comum, com ou sem bots. Para muitos revendedores, a prática serve de ganha-pão. Por isso, fazem de tudo para tomar posse dos ingressos antes que todo mundo. Convenhamos, quanto tempo você já gastou estudando a arquitetura e os pormenores do site da Ticketmaster, buscando senhas de pré-vendas, se inscrevendo em fã-clubes, ou solicitando cartões de crédito especiais para pré-vendas?

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Aprendi que ser cambista é um trabalho duro com uma incursão fracassada no mercado, na época da faculdade. Seis anos depois, ainda estou pagando as faturas do cartão de crédito. Mesmo operações cambistas automatizadas requerem um grande investimento de tempo para prospectar shows lucrativos, gerir inventários e desenvolver novas formas de entrega ao público, cada vez mais rápidas.

Á medida que o projeto de lei contra bots ganhava força, eu me via cada vez mais cético. Eu entendia a indústria bem o bastante para saber que banir os bots não resolveria o problema, pois a grande maioria dos revendedores não usa bots (eu, pelo menos, não usava). Do meu ponto de vista, bots são bodes expiatórios, uma narrativa simplista, usada para acobertar o mundo secreto e complexo da venda de ingressos para shows. O pior de tudo é que nenhuma reportagem que condenou os bots sequer se propôs a explicar como eles funcionam.

Então decidi recorrer a um dos inventores dos bots de ingressos. Ken Lowson passou alguns anos na miúda depois da prisão, e agora está pronto para contar sua história.

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Créditos: Damien Maloney

Ken Lowson tem 47 anos de idade; é um velho astro do rock que agora busca solidificar seu lugar na história da prática cambista, mas ainda quer emplacar mais um hit. Ele está animado para falar sobre seus tempos de glória, os clubes de strip-tease que os funcionários da Wiseguy frequentavam em Vegas, em dias lucrativos, e o prêmio que ele chegou a oferecer para o melhor vendedor da empresa, um produto para aumentar o pênis (ninguém levou a oferta a sério). Hoje, sua grande fixação é a TIXFAN, uma nova iniciativa que promete ajudar artistas, casas de shows e presidentes de times esportivos a vender ingressos diretamente para os fãs, em vez de cambistas.

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Basta trocar uma palavrinha com Lowson para entender por que ele mandava tão bem na compra e venda de ingressos. Para começo de conversa, ele é uma enciclopédia ambulante de conhecimento sobre ingressos, capaz de descrever a prática cambista na época dos gladiadores romanos, ou ilustrar a lenta evolução do comércio em questão, de operaçãozinha local a mercado internacional. Ele se lembra, em mínimos detalhes, de shows específicos para os quais vendeu ingressos, e sabe de cor o mapa de assentos da maioria das casas dos Estados Unidos. Pedi para ele me enviar um punhado de documentos para o artigo, e ele me mostrou milhares de pedidos de compra da Wiseguy, dezenas de matérias sobre a indústria e uma série de documentos de Word com longas confidências sobre o desgaste dos fãs.

"Eu fazia três ou quatro ligações ao mesmo tempo, cronometrava e flertava com as representantes. "

Acima de tudo, ele é simplesmente bom de papo; eu telefonava para Lowson com frequência para esclarecer detalhes do artigo, e ele passava 40 minutos explicando o sistema de CAPTCHA da Ticketmaster, ou como as pré-vendas são projetadas para cambistas, e não para os fãs. O dom da lábia veio a calhar antes da Wiseguy usar bots, nos velhos tempos, quando ainda compravam ingressos por telefone.

Fundada em 1999, a Wiseguy (termo do inglês americano que significa "engraçadinho", mas também é usado para designar mafiosos de alto escalão) empregava cerca de uma dúzia de funcionários, incumbidos de ocupar as linhas telefônicas da Ticketmaster. Eles tinham na ponta da língua as melhores táticas para passar pelo atendimento automatizado do sistema e ludibriar representantes, para então reservar ingressos assim que começassem as vendas. Funcionava assim: Lowson e seus colegas, situados em um pequeno escritório em Las Vegas, ligavam para o serviço de atendimento ao cliente da Ticketmaster poucos minutos antes de começarem as vendas de um show disputado (a maioria das vendas começa às 10 da manhã, horário local).

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O trabalho dos funcionários da Wiseguy consistia em driblar o atendimento telefônico automatizado e solicitar assistência a um representante de vendas sobre algo não relacionado ao show por vir — indagavam a data de envio de uma compra anterior, por exemplo. Como eles telefonavam em busca de assistência, e não de ingressos, o serviço de atendimento ao consumidor não os desconectava logo de cara, que era o protocolo da Ticketmaster na época. Então, pouco antes das 10 da manhã, o autor da chamada dizia algo como "Ah, aliás, será que você poderia reservar ingressos para o show do Springsteen para mim quando começarem as vendas, daqui a 30 segundos? "

"Eu fazia três ou quatro ligações ao mesmo tempo, cronometrava e flertava com as representantes. Eu dizia: 'Eu sei até que teclas você precisa pressionar para descolar os ingressos para mim — F2, 10, volta'. Às vezes, conseguia fazer com que cantassem comigo. 'F2, 10, volta, F2, 10, volta'.", contou Lowson. "Foi assim que consegui um assento central na segunda fileira do Madison Square Garden para ver o Springsteen. Eu comprava um ingresso por 80 dólares e revendia por 700. Os ingressos eram revendidos no mesmo dia, os lucros eram quase que instantâneos. O dinheiro caía na hora."

O programador búlgaro criou um monte de ferramentas para a equipe de Lowson, para que pudessem preencher formulários e atualizar páginas automaticamente. A equipe ficou um bom tempo às voltas com a elaboração do programa, fazendo pequenas mudanças — por exemplo, mudaram de Windows para Linux — para aprimorar sua velocidade e eficácia. E à medida que o programador foi estudando o site da Ticketmaster, percebeu que poderia remover o ser humano da equação da compra.

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"Não é que hackearam o CAPTCHA. Responderam a ele. Um computador respondeu."

"Ele vivia dizendo, 'Posso ir além', e eu respondia incrédulo, pois estava com receio dele abrir a própria empresa", disse Lowson. "Enfim, tirei as rodinhas da bicicleta e disse para ele mandar ver."

A última peça do quebra-cabeça foi o sistema contra bots da Ticketmaster, que requer que um ser humano reproduza letras tachadas ou palavras embaralhadas para provar que não é um robô. A Wiseguy por fim descobriu que o sistema de CAPTCHA da Ticketmaster tinha apenas 30.000 imagens distintas em seu banco de dados, e não milhões. Então, a equipe de Lowson baixou todas as imagens que foi capaz, em formato .jpeg, e passou a noite em claro ensinando o bot a comparar as imagens.

"A Ticketmaster passou anos sem atualizar o sistema", disse Lowson. "Assim que percebemos que a base de dados do CAPTCHA era estática, conferi os assentos poderíamos comprar, e na mosca! — consegui os melhores lugares para ver o Springsteen. Foi quando nos demos conta de que tínhamos futuro."

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Um pequeno adendo sobre leis e tecnologia: quando comentava com os amigos que estava escrevendo este artigo, eles só falavam de CAPTCHA. "Aquelas palavras embaralhadas não param os bots?", perguntavam. As especificidades de como o Wiseguy venceu o CAPTCHA são importantes. Muitos bots usam uma ferramenta chamada "Optical Character Recognition" [Reconhecimento Ótico de Caracteres], ou OCR, para burlar o CAPTCHA. O OCR é uma espécie de visão computacional, pela qual o bot é treinado a "ver", reconhecer e reproduzir os caracteres, assim como um ser humano faria. No caso de Lowson e seus comparsas, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos baseou a acusação na ideia de que a Wiseguy havia hackeado o CAPTCHA com OCR.

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Lowson e seus advogados negam o uso de OCR. Essa distinção é importante tanto em termos legais quanto práticos. O governo argumentou que bots com OCR precisam estar a par do código-fonte da Ticketmaster para uma implementação bem-sucedida, isto é, implicam "manipulação" do software da empresa. Com base na CFAA, lei americana contra fraude e abuso de computadores, essa operação seria considerada uma prática de hacking e, portanto, ilegal. No entanto, o OCR é muito mais lento do que a solução de Lowson. Ou seja, seu bot era mais rápido e conseguia ingressos melhores que os concorrentes.

A Wiseguy alugou dezenas de servidores e centenas de endereços IP ao redor dos Estados Unidos

"O que fazíamos era bem simples, como um jogo infantil de memória. O programa cotejava o CAPTCHA com uma base de dados .jpeg, compilada por uma equipe da Wiseguy", argumentou o advogado de Lowson no julgamento. "Não é que hackearam o CAPTCHA. Responderam a ele. Um computador respondeu (…) o computador agia como um indivíduo e respondia ao CAPTCHA corretamente, o que permitia que ele, o computador, então acessasse a página de compra para solicitar ingressos."

Lowson e seus parceiros enfrentaram 42 acusações de fraude eletrônica, cada uma sujeita a uma sentença de 20 anos de prisão. Também foram acusados de conspirar para cometer fraude eletrônica e obter acesso não autorizado a sistemas computacionais, o que representava possíveis cinco anos de prisão. Saber se o sistema da Wiseguy estava de fato hackeando o sistema de CAPTCHA ou simplesmente respondendo a ele era de extrema importância para o caso.

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A solução para o CAPTCHA foi um sucesso: "Em vez de ter um funcionário para cada página de ingressos, de repente éramos capazes de solicitar 200 assentos em uma só tela, de uma só vez", disse Lowson. "Demiti todo mundo e, ainda assim, consegui dez vezes mais ingressos."

Mas a Wiseguy chamou vários funcionários de volta rapidinho, ao se dar conta de que, embora humanos não sejam necessários para comprar ingressos, são necessários para gerir o inventário da empresa, negociar com clientes e pesquisar eventos futuros.

"Não deixávamos mais os clientes definirem quantos ingressos comprar. Nós é que definíamos quais ingressos eles comprariam conosco, e quanto pagariam."

A Wiseguy percebeu que a banda e a latência da conexão eram fatores importantes para conseguir os ingressos rápido. Com efeito, alugou dezenas de servidores e centenas de endereços IP ao redor dos Estados Unidos, pois percebeu que algumas conexões permitiam acesso ao site um pouco antes que as demais. No auge das operações, a empresa gastava entre 500 e 800 dólares por mês com cada servidor.

"Tínhamos 30 servidores espalhados por diversos estados, e um ou dois acessavam o site com antecedência", disse Lowson.

Intro em flash do site da Wiseguy.

O FBI confiscou todo o equipamento computacional da Wiseguy, então Lowson não pôde fornecer capturas de tela das operações da época (também não constam nos documentos do julgamento), mas ele as descreveu para mim. Todo dia, os funcionários da Wiseguy passavam horas pesquisando shows em potencial e, antes de concluírem o expediente, programavam o bot com uma interface gráfica do usuário chamada "The Extractor" [O Extrator] para caçar ingressos quando começassem as vendas. Assim que os shows entravam à venda, o bot retornava uma lista de ingressos reservados — uma combinação de pacotes de dois, três e quatro assentos lado a lado. Em seguida, Lowson ou algum outro funcionário da Wiseguy selecionavam, no programa, que pacotes queriam manter, e que pacotes queriam devolver.

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"Comprávamos tantos ingressos, que precisávamos selecionar quais assentos não queríamos", disse ele.

A Wiseguy passou a dominar o mercado de ingressos. Quando a final de futebol americano universitário de 2006 entrou à venda, a empresa comprou quase todos os ingressos oferecidos ao público. Os relatórios de compras da Wiseguy mostram que a empresa também comprou os melhores ingressos para a turnê de reunião do AC/DC, shows do Elton John, Paul McCartney, Lady Gaga, eliminatórias diversas de esportes, o musical  Wicked, da Broadway, e todo grande evento dos anos 2000 que você não conseguiu ver.

"Comprávamos todos os assentos bons tão rápido, que os fãs ficavam com os restos e o fundão", contou Blake Collins, ex-funcionário da Wiseguy que trabalhou quase dez anos na empresa.

A escala do domínio de Wiseguy é impressionante. A empresa virou um intermediário adicional entre a Ticketmaster e o fã. Por exemplo, verifiquei o relatório de compras para um show do Jimmy Buffett no Tweeter Center (hoje Xfinity Center), no subúrbio de Boston, no dia 20 de junho de 2005, e notei que a empresa gastou mais de 120.000 dólares com 1.300 ingressos em quase todas as seções e fileiras da casa, cuja capacidade era de 19.900 espectadores.

Relatório de compras da Wiseguy para um show do Bruce Springsteen. Lowson me enviou milhares de documentos como esse.

Esse tipo de compra não era particularmente incomum.

"Desde o início, buscamos ser os melhores compradores de ingressos do mercado, não necessariamente os melhores cambistas", disse Lowson. Em vez de negociar com fãs individuais, Lowson vendia diretamente para revendedores independentes, que por sua vez distribuíam os ingressos para os fãs no StubHub, ou em outros sites de venda, ou mesmo em lojas físicas. Ao fazer isso, a empresa eliminou por completo os riscos de inventário — os ingressos geralmente eram vendidos antes mesmo da Wiseguy fechar as compras, e a empresa definiu que todo ingresso comprado haveria de ser vendido no mesmo dia, ou ninguém voltaria para casa.

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O bot era tão bom, que os revendedores solicitavam assentos específicos para a Wiseguy antes mesmo da Ticketmaster disponibilizá-los.

Caso você seja um revendedor de ingressos, ou trabalhe na indústria de eventos ao vivo e tenha algo para dizer sobre o assunto, você pode me contatar aqui, em segurança .

A Wiseguy era a principal fonte de ingressos, um commodity valioso, para uma rede de comerciantes famintos, forçados a obedecer às regras de Lowson. O slogan da Wiseguy era "ofertas que você não pode recusar", e esse era o esquema mesmo, literalmente.

"Cada cliente me enviava entre 30 e 40 cartões de crédito, e conseguíamos comprar tudo que queríamos com eles", disse Lowson. "Não deixávamos mais os clientes definirem quantos ingressos comprar. Nós é que definíamos quais ingressos eles comprariam conosco, e quanto pagariam."

Esta nota, por exemplo, mostra que a Wiseguy cobrou 20 ou 30 dólares de "extra" por um ingresso para um show da Shania Twain. Esse valor excedente é a taxa que o cliente pagava para a Wiseguy, que comprava os ingressos com os cartões de crédito do cliente.

A Wiseguy vendia por atacado, então estipulava uma margem de lucro baixa por unidade. Depois, os ingressos eram vendidos no mercado secundário com margens muito mais altas.

Entre 2001 e 2010, a empresa comprou e revendeu aproximadamente 1,5 milhão de ingressos, acumulando mais de 25 milhões de dólares em lucros, no total, segundo o processo do FBI. Só na turnê do U2 de 2005, rendeu mais de 2,5 milhões de dólares, Lowson me contou. No auge, a Wiseguy empregava quase 30 pessoas.

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"Frequentávamos congressos de revendedores de ingressos, e éramos as estrelas dos eventos", Collins me contou. "Todo mundo queria nos levar para um clube de strip, ou sair para jantar. Era ridículo o quão poderosos éramos."

A operação da Wiseguy era sofisticada, com viagens regulares para os funcionários e convenções no próprio escritório para trocar ideias com outros profissionais sobre a tecnologia dos bots.

Lowson forrou as paredes do escritório da Wiseguy com edições No. 1 de quadrinhos. Ele e mais cinco amigos namoraram a ideia de comprar o castelo do Drácula, na Transilvânia, e transformá-lo em um parque temático para adultos; era o devaneio deles.

Naquela época, tínhamos planos grandiosos. Quando a Ticketmaster apareceu com ingressos "virtuais" — movimento contra a prática cambista que requer que o fã apresente o cartão da compra para conseguir entrar no show —, Lowson cogitou abrir um banco nas Ilhas Cayman para emitir seus próprios cartões de crédito.

"Sem brincadeira, eu queria ser o maior colecionador de notas de 100 dólares", disse Lowson.

Na indústria de ingressos, ele era. Até tudo ir por água abaixo.

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Capa do relatório da Procuradoria Geral de Nova York

Quem já tentou comprar ingressos para shows no segundo em que começa a venda e se deparou com um aviso de "esgotado!" muito provavelmente vai ler sobre o sucesso da Wiseguy e sentir rancor por bots, cambistas e pessoas como Ken Lowson. Não é um sentimento de todo ilógico, mas definitivamente não condiz com a história toda. Bots passaram a ser um problema com o advento de vendas de ingressos online. Mas não são a única barreira entre os fãs e os ingressos para shows populares, sequer são a barrreira  principal.

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Os bots servem de bode expiatório simplista à Ticketmaster, legisladores, artistas, organizadores e casas de show para acobertarem os problemas mais profundos das vendas de ingressos.

Ano pasado, o gabinete da Procuradoria Geral de Nova York publicou o mais extenso relatório governamental sobre a indústria de ingressos já produzido. O relatório revelou o que muitos revendedores de ingressos já sabiam: o dado está viciado.

"Bots fazem parte do problema, mas não o único problema", disse um porta-voz do gabinete. "São só uma pecinha do quebra-cabeça. A indústria opera de diversas formas impróprias."

A maioria dos ingressos para os shows mais populares nunca é disponibilizada para o público:

O relatório da Procuradoria Geral de Nova York concluiu que "a maioria dos ingressos para os shows mais populares não são voltados para o público geral." Em vez disso, alguns são vendidos nas pré-vendas, o que — com ou sem bots — favorece os revendedores, pois eles têm acesso a um banco de senhas de cartões de crédito específicos para pré-vendas. Outros são "reservados" para organizadores, anunciantes, estações de rádios, casas de show, pacotes VIP e patrocinadores, ou vendidos diretamente para os cambistas pelas próprias casas.

Quando os ingressos são colocados à venda para o público, somente 46 por cento acaba de fato nas mãos de fãs, segundo o relatório. No caso de eventos mais populares, a porcentagem pode ser muito mais baixa. É raro o público ter acesso ao mapa de assentos dos eventos, visto que os organizadores e casas de shows os mantêm a sete chaves. Contudo, em 2009, o mapa de assentos de um show da Taylor Swift na Arena Bridgestone, em Nashville, caiu nas mãos do público: 11.720 dos 13.330 assentos da casa já haviam sido contabilizados antes mesmo das vendas para o público.

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Créditos: Procuradoria Geral de Nova York

"A forma mais comum de revendedores comprarem ingressos hoje é direto com o artista ou com a casa de shows", disse Don Vaccaro, CEO da TicketNetwork, que ajuda revendedores a fecharem negócios. "Uma prática comum é fazer um revendedor comprar um lote de ingressos para um dia útil ou evento menor e, em troca, deixá-los comprar ingressos para um evento disputado."

Lowson e outras pessoas já pediram para que a Ticketmaster seja mais transparente quanto à quantidade de ingressos à venda em cada pré-venda e venda aberta ao público, mas a empresa alega que isso intensificaria a prática cambista.

"Saber a quantidade de ingressos à venda ofereceria aos cambistas uma cartilha de quantos ingressos comprar, e como precificá-los", Jody Mulkey, Diretora de Tecnologia da Ticketmaster na América do Norte, declarou em um e-mail.

A Ticketmaster alega que limites de ingressos não costumam dar muito certo e são burlados com facilidade

A Ticketmaster impõe um "limite de ingressos" para quase todos os shows que vende online, medida pensada para impedir os cambistas de comprarem trocentos ingressos. No entanto, cambistas cautelosos burlam esse limite usando diversos cartões de crédito, atrelados a diversos endereços. A maioria sequer se preocupa com isso, visto que a Ticketmaster geralmente não cancela ingressos depois de vendidos. Lowson me contou que sempre ignorou os limites de ingressos, e que só teve ingressos cancelados para um show dos Allman Brothers. A Ticketmaster refuta essa declaração e alega que cancela ingressos com frequência e rigor.

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A Procuradoria Geral de Nova York observou que, historicamente, os ingressos só tendem a ser cancelados quando os artistas solicitam uma auditoria especial depois dos ingressos serem colocados à venda. "Um representante de diversos artistas de peso, que costumam tocar em grandes arenas, contou à Procuradoria Geral de Nova York que não sabia que a Ticketmaster exigia uma auditoria separada para impor os limites solicitados pelo artista, e que, portanto, nunca havia feito isso."

Além disso, todo revendedor de ingressos possui diversos cartões de crédito, atrelados a diversos endereços, com o intuito de se fazer passar por diversas pessoas e comprar mais ingressos que o limite estipulado.

Créditos: Procuradoria Geral de Nova York

Cambistas levam vantagem em informação e tecnologia

Um site fechado para convidados, o ShowsOnSale, oferece aos membros uma extensa lista de ingressos de vendas e pré-vendas, dos quatro cantos do mundo, comprados via milhares de assinaturas de casas de shows e fã-clubes, com cartões de crédito específicos.

Isso significa que cambistas podem comprar ingressos — e compram, de fato — de todas as pré-vendas supostamente voltadas para os fãs, e um cambista qualquer provavelmente está mais informado sobre as oportunidades de pré-vendas do que um fã casual.

Seção do site ShowOnSale restrita a membros.

A filiação ao site ShowsOnSale custa 120 dólares por mês. É uma das muitas empresas que oferecem informações e ferramentas para revendedores. Outros sites oferecem ainda: "extensões conta-gotas", que testam os servidores da Ticketmaster continuamente depois de um show esgotar para verificar se ingressos adicionais são lançados; navegadores especiais, que criam uma nova "sessão" para cada aba, ou seja, que permitem que o comprador multiplique seus pedidos no site com apenas um navegador; e softwares de gestão de inventário, que listam os ingressos no StubHub automaticamente, ou comparam os preços das dezenas de sites do mercado secundário, permitindo que o usuário avalie como comprar pelo menor preço possível e vender pelo maior.

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Os ingressos não são precificados corretamente, o que incentiva a prática cambista

Se há mesmo um mercado secundário de ingressos seguramente lucrativo, isso significa que os preços estabelecidos pelos artistas são muito baixos. Vender ingressos muito baratos é uma decisão compreensível por parte de um artista, porque, claro, ninguém quer tocar numa casa vazia, e ninguém quer ser tachado de ganancioso às custas dos fãs. Quando os preços dos ingressos sobem, os cambistas respondem com um passo para trás, o que significa menos concorrência para os fãs durante as vendas para o público geral.

"Há um aspecto emocional no que os artistas fazem. Isto é, eles não querem cobrar 500 dólares por ingresso, ainda que o valor de mercado seja claramente 500 dólares. Eles cobram 100, e no fim das contas, outra pessoa acaba ganhando essa grana", Rich Holtzman, diretor de desenvolvimento comercial da área de música do StubHub, me contou. "O mercado estará sempre de pé, contanto que os artistas não aumentem os preços dos ingressos."

A Ticketmaster também pensa assim: "O que movimenta o mercado secundário e motiva os cambistas a usarem bots prejudiciais é a enorme lacuna entre o preço de um ingresso e seu valor de mercado", disse Mulkey, da Ticketmaster.

Os ingressos, em geral, podem ser comprados por qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo

Revendedores bambambãs fazem pouco caso dos chamados "revendedores de graninha extra" ou "mamães suburbanas", aqueles que escambam ingressos só de vez em quando, em grandes eventos de lucro praticamente garantido. Quando tentei dar uma de cambista, por exemplo, qualquer ingresso para um show da Taylor Swift, em qualquer local dos Estados Unidos, duplicava meus investimentos, então eu, estudante universitário, fazia questão de acordar cedinho todo sábado para comprar ingressos em Nova York, Filadélfia e Boston antes mesmo de me levantar da cama. Em seguida, eu tomava um banho, comprava ingressos em Chicago, Houston, Dallas e Kansas City. Tomava café da manhã, comprava ingressos em Denver, Los Angeles e Seattle. Chegava a hora do almoço, se bobear, eu já tinha 40 ingressos.

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"A maior barreira entre os fãs e os ingressos não é o uso de bots, tampouco o envolvimento de cambistas profissionais", disse Dean Budnick, coautor do livro  Ticket Masters: The Rise of the Concert Industry and How the Public Got Scalped [Os Mestres dos Ingressos: A Ascenção da Indústria de Shows e Como o Público Se Deu Mal]. "Não há tantos amadores assim, capazes de comprar e revender ingressos para o StubHub minutos depois de começarem as vendas, de qualquer lugar do mundo".

A Ticketmaster poderia implementar restrições regionais de compras, atreladas ao endereço de cobrança do cartão de crédito do consumidor, mas faz isso com pouca frequência. Por exemplo, quando eu comprava ingressos, era preciso morar na região metropolitana de Cleveland para comprar passes de temporada para os jogos do Cleveland Cavaliers. A Ticketmaster alega que esse tipo de decisão fica a cargo das casas de shows e dos artistas. Contudo, seria possível, pelo menos em teoria, identificar cambistas e impedi-los de comprar ingressos a partir do histórico de compra; caso um cliente esteja comprando milhares de ingressos ao redor do país, provavelmente é um cambista.

O propósito das vendas está cada vez mais nebuloso

O StubHub, que domina o mercado secundário de ingressos, começou a negociar com artistas como Jennifer Lopez para vender alguns assentos premium em sua plataforma. Esse  "mercado homogeneizado", assim batizado pelo próprio StubHub, significa que o mercado primário e o mercado secundário conviverão lado a lado daqui para frente. Isso tem um lado bom: se um fã puder ver todos os ingressos disponíveis para um determinado evento, em determinada data, será capaz de tomar uma decisão mais informada sobre o que comprar.

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Holtzman, do StubHub, me disse que esquemas do tipo permitem que artistas exerçam um controle maior sobre o preço de seus ingressos. "Que eu saiba, não são muitos artistas que vendem diretamente conosco, mas acho que deveriam", disse ele. O lado ruim disso é que ficaria mais difícil para os fãs determinar o "preço real" de um ingresso, ou onde e quando o ingresso entra à venda de fato.

Os bots ainda são um problema

O gabinete da Procuradoria Geral de Nova York deixou claro que os bots ainda exercem pressão sobre o mercado de ingressos. Um porta-voz da agência me disse que, segundo o relatório, muitos revendedores de ingressos usam os softwares disponíveis no mercado, que podem ser comprados por uns milhares de dólares, mas não são lá muito eficazes, ao passo que os revendedores de alto escalão programam seus próprios produtos sob medida, em busca de soluções, assim como a Wiseguy.

"Os revendedores sofisticados e bem-sucedidos revisam e atualizam seus bots constantemente, em paralelo às mudanças da Ticketmaster", disse o porta-voz.

Quando o congresso americano aprovou a lei de proibição de bots, muitos amigos meus comemoraram, crentes que de repente ficaria mais fácil conseguir ingressos. Não foi bem assim. Um artigo do jornal Dallas Observer, do mês passado, observa que a "lei pensada para impedir os bots de comprar ingressos para shows não ajudaram os fãs do U2", que mais uma vez sofreram para conseguir ingressos para a nova turnê da banda. Isso acontece em parte por conta das razões que já listei, mas também porque nada impede um revendedor com bot de transferir suas operações para outro país, onde é difícil aplicar as leis americanas.

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A Ticketmaster reconhece que a regulamentação contra bots provavelmente não afetará seu uso. A empresa disse que bloqueou 5 bilhões de ações de bots em 2015, e que a atividade de bots aumentou 10% entre 2015 e 2016.

"Os esforços legislativos têm conscientizado o público, mas é preciso aplicar penalidades criminais e multas civis mais fortes para desencorajar aqueles que lucram com bots", disse Mulkey. "A batalha contra os bots muda toda hora."

O advento dos ingressos virtuais ajuda a parar os cambistas, mas ainda pode ser burlado

Os tais dos ingressos "virtuais" são uma medida anticambista, pois demandam a apresentação do cartão de crédito na casa de show na noite do evento. Esse requisito dificulta bastante a vida dos cambistas, mas as operações mais sérias conseguem contorná-lo. A Wiseguy, por exemplo, antes de realizar a compra, pedia para que seus distribuidores solicitassem os cartões de crédito de seus clientes  Assim, a empresa usava seu bot para comprar os ingressos virtuais já com os cartões de crédito dos fãs.

Visto que ingressos virtuais afastam cambistas ocasionais, as operações que conseguem burlar o requisito costumam obter mais lucro, pois há menos concorrentes no mercado secundário.

A indústria de shows conta com cambistas comprando ingressos

Quando a lei contra bots foi aprovada, os revendedores do fórum ShowsOnSale comemoraram. Os revendedores que não usam bots odeiam os "BotBoys" [Garotos-Bots] que o fazem, e os revendedores que contratam compradores ou adquirem os ingressos por conta própria detestam como a opinião pública presume que todos os cambistas usam bots.

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Postagem no fórum ShowsOnSale. Muitos revendedores estão contentes com a proibição de bots.

Embora muitos shows sejam lucrativos para os cambistas, muitos não são. Aprendi isso depois de dar com a cara à tapa, ao comprar milhares de dólares em ingressos para Nick Jonas em 2010. Poucos shows lotaram, e eu me vi obrigado a vender os ingressos por mixaria. Em um dia qualquer, a poucas horas de qualquer evento (exceto pelos mais populares), dê uma olhada no StubHub. Você certamente encontrará ingressos pelo preço original, ou até mais baratos. Boa parte dos ingressos é comprada por cambistas, que então tentam se livrar deles de última hora. A questão é que os cambistas compram milhões de ingressos todo ano, a Ticketmaster tem retorno sobre cada ingresso vendido, e o StubHub ganha dinheiro com todos os ingressos revendidos em seu site. A Ticketmaster quer parar o uso desenfreado de bots, mas se acabasse com a prática cambista de todo, prejudicaria os próprios negócios.

"O trabalho da Ticketmaster é vender ingressos", disse Budnick. "Eles querem vender o maior número possível de ingressos, e caso queiram vendê-los a milhares de revendedores, está no direito deles. É isso que ditam as leis."

A Ticketmaster, por sua vez, alega ter uma equipe especializada em ciência de dados, com dezenas de profissionais espalhados pelo mundo, dedicados à coibição dos bots.

"Não achávamos que estávamos fazendo algo ilegal. Nunca fizemos nada ilegal. Nunca."

"Entre cambistas especialistas, ainda vemos bots como um problema sério, real", disse um porta-voz da Ticketmaster. "Nos saímos bem na batalha diária contra eles, mas é uma corrida armamentista."

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O site da Ticketmaster é muito diferente hoje, em comparação com a época de Lowson, e a empresa alega que as operações de seus combatentes estão muito mais sofisticadas.

"De dez anos para cá, fizemos investimentos pesados em tecnologia e mão-de-obra, pois queremos ser a empresa número um em bloqueio de bots e agentes mal intencionados", disse Mulkey. "Cambistas e bots impactam o mercado. A prática cambista sempre existiu, mas evoluiu ao longo dos anos com os avanços tecnológicos, e isso torna a batalha contra os bots ainda mais difícil."

A Ticketmaster vê a frustração da compra de ingressos como um problema fundamental de oferta e demanda e lacuna de preço: "Há mais pessoas querendo ir aos shows do que ingressos disponíveis", disse um porta-voz da empresa. "Por exemplo, na venda da turnê da Adele de 2015, eram 10 milhões de pessoas tentando comprar ingressos, e uma oferta de pouco mais de 400.000 unidades. Há uma diferença abismal nesse meio, e estamos cientes do teor emocional por trás das vendas para fãs apaixonados."

"Os fãs conseguem ingressos", a empresa acrescentou. "Trabalhamos incansavelmente em parceria com artistas para levar os ingressos às mãos dos verdadeiros fãs, verificados. Essa é a missão da Ticketmaster, e tudo que fazemos é com esse objetivo em mente."

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Créditos: Damien Maloney

Em março de 2010, agentes armados do FBI arrombaram as portas do escritório da Wiseguy. A empresa havia assumido as operações da AIG, que estava imersa em problemas legais à época.

"A primeira coisa que Ken disse foi, 'Não somos a AIG'.", Collins relatou. "Éramos um bando de nerds colados ao computador, com brinquedos e cacarecos na mesa de trabalho. Não achávamos que estávamos fazendo algo ilegal. Nunca fizemos nada ilegal. Nunca."

Quando Lowson foi preso, os bots de ingressos ainda não eram ilegais. Mas a Wiseguy tomou proporções tão grandes, que o FBI recorreu à CFAA, lei criada para combater todo e qualquer hacker, para encurralar a empresa. Os agentes federais queriam usar a Wiseguy para dar um exemplo, com 42 acusações diferentes de fraudes eletrônicas contra Lawson e dois de seus colegas, com uma sentença máxima de 20 anos de prisão para cada condenação. O processo do governo americano dependia muito da interpretação do caso: se a Wiseguy hackeara, de fato, o sistema da Ticketmaster, ou não. Caso tivesse, a Wiseguy seria considerada culpada perante à lei. Caso contrário, o bot seria considerado uma espécie de aceleramento do processo humano no processo de compra de ingressos, e não haveria fundamento para um processo. Boa parte da discussão girou em torno da maneira como a Wiseguy burlou o CAPTCHA. Por fim, Lowson e seus colegas fizeram um acordo com a promotoria, que retirou as acusações de fraude eletrônica, e os condenou somente por conspiração para cometer fraude eletrônica. Eles se safaram com liberdade condicional. Lowson gastou quase todo o dinheiro do Wiseguy para se defender.

"Talvez você não goste do valor que paga pelos ingressos, mas terá o assento exato, na seção exata, que comprou comigo"

"O que Ken fez foi extraordinário, a escala das operações", disse Budnick, coautor do livro  Ticket Masters. "Esses caras foram tão audaciosos, que viraram lendas. Viviam a bel-prazer, como os gângsteres de filmes e seriados. Quando chegou a hora do julgamento, muita gente os apoiou, defendendo que o que faziam era legal. Acho que a saída mais fácil para todo mundo foi negociar um acordo e deixar o assunto pra lá."

Os anos de reabilitação não foram lá muito bons para Lowson. Pouco tempo depois da apreensão, seu irmão foi morto por um motorista embriagado. No início da década, Lowson se divorciou e lutou contra o vício em drogas e alcoolismo. Ele mal conversa com os antigos colegas da Wiseguy; diz ele que a investigação federal assustou boa parte da turma. Ele passou um ano na Índia, o que o deixou mais maduro, mais pé no chão. Desde o ano passado, ele planeja um retorno.

Ele não sente culpa por ter gerido a Wiseguy, e não acha que a prática cambista seja imoral, necessariamente. Inclusive, ele entrou nesse meio porque o mercado secundário de ingressos é um dos mercados mais livres do capitalismo americano.

"Antes dessa história toda, eu vendia seguros de acidente de trabalho, e sentia que a indústria era desonesta", disse Lowson. "Talvez você não goste do valor que paga pelos ingressos, mas terá o assento exato, na seção exata, que comprou comigo. Não há meio-termo. Era tudo bem preto no branco para mim."

Lowson comentou que o objetivo da nova empresa é ajustar a experiência de compra de ingressos. Várias questões da indústria de ingressos que destaco aqui foram reveladas, em parte, porque o bot da Wiseguy era tão superior aos concorrentes, que delineou certinho como funcionava a venda de ingressos para o público, de uma forma que nem mesmo os especialistas da indústria primária haviam delineado antes.

O bot mostrou a ele que os ingressos que o público espera não costumam sequer entrar à venda. Volta e meia, os melhores lugares não são disponibilizados ao público — quando muito, somente algumas seções, enquanto o restante fica guardado para patrocinadores, estações de rádio, pacotes VIP, entre outros. As pré-vendas feitas para os fãs beneficiam os cambistas de forma desproporcional.

Visto que os cambistas conseguem comprar ingressos para quaisquer shows, e são melhores nisso do que os fãs, o problema não se resume a banir os bots; é preciso garantir que a oportunidadede comprar ingressos pelo preço real seja direcionada aos fãs, e não aos cambistas. Lowson disse que não adianta nada para as bandas, equipes esportivas e Ticketmaster continuar a depreciar os cambistas e, ao mesmo tempo, fechar acordos na miúda que acabam favorecendo cambistas.

"O dado está viciado, e não há negociações sigilosas que sobrevivam ao mundo do WikiLeaks", ele comentou. O seu novo empreendimento, a TIXFAN, é uma empresa de consultoria que trabalhará em contato direto com times e artistas para tapar as lacunas que ele mesmo explorava. Os limites para ingressos serão reforçados. As pré-vendas serão voltadas para pequenos grupos específicos, na esperança de afastar cambistas, de não deixar cambistas de renome comprar.

"Tenho milhares de ideias", disse Lowson. "E agora que os bots são ilegais, virei o dono do pedaço. Legal, né? 'Contratamos o rei dos bots para trabalhar conosco e garantir que outros bots não tomem os ingressos dos fãs.'"

Lowson disse que, assim que seu caso caiu na boca do público, dezenas de imitadores começaram a criar e encomendar seus próprios bots. Ele disse também que está pronto para lutar pelos fãs e lavar a roupa suja da indústria com os artistas e times que querem garantir que os fãs consigam ingressos — e construir uma empresa que tenha mais influência ainda do que teve a Wiseguy.

"Não daria a mínima se os cambistas perdessem 10 bilhões enquanto ganho o meu bilhão!", disse Lowson. "Isso significaria uma economia de nove bilhões de dólares para os fãs, não?"

Tradução: Stephanie Fernandes