Minha Troca de WhatsApp com meu Ex Gerou mais Palavras do que o 'Moby Dick'
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Tecnologia

Minha Troca de WhatsApp com meu Ex Gerou mais Palavras do que o 'Moby Dick'

Depois de um término, o que resta são os dados. Eu coloquei os meus em uma análise de sentimentos.

Quando eu termino um relacionamento, meu primeiro impulso é parar de seguir a pessoa e apagar ela de todas minhas redes sociais. Para a mente vingativa pós-término, esse é o crime perfeito — sem rastros e sem vítimas. Há algo de prazeroso em descarregar toda sua frustação em um clique, algo que provavelmente afetará sua vítima de uma forma que ela (ou ele) nunca irá admitir. Você se convence de que seu ex nunca vai perceber, e depois torce para que ele perceba.

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Eu já escrevi sobre como a tecnologia facilita e distorce os relacionamentos, nos transformando em Tamagotchis que podem ser desligados a qualquer momento. Nós viramos os chatbots de nós mesmos, a concretização da ideia da namorada perfeita que sempre sabe o que dizer.

E quando um relacionamento ancorado pelas mensagens de texto termina, o que nos resta são apenas as palavras. Usando um termo menos romântico, o que sobra é o "conteúdo". Se formos ainda mais céticos, o que sobra são apenas dados.

Meu último relacionamento gerou 304.101 palavras em mensagens no WhatsApp, trocadas durante três meses e meio. Isso corresponde a seis O Grande Gatsby e meio.

Viver um relacionamento através da tecnologia, mesmo que de forma privada, significa expô-lo para estranhos: você pode não clicar na caixinha de "noivo de" ou "casado", ou "estou em um relacionamento complicado", mas há sempre alguém de olho no seu perfil. " O big data sabe que você está grávida", anunciou uma manchete publicada ano passado, uma referência a como estatísticas podem interpretar, com exímia precisão, nossas vidas pessoais a partir de nosso comportamento virtual. Sua vida romântica é apenas uma parte de sua persona digital, um dos fatores determinantes para prever em quem você vai votar, com o quê você gasta dinheiro, e quão prolificamente você utiliza os serviços de um determinado site.

E bota prolífico nisso. Meu último relacionamento gerou 20.425 linhas e 304.101 palavras em mensagens no WhatsApp, trocadas durante três meses e meio, com uma média de 194 mensagens por dia. Para se ter uma ideia, eu comparei essa quantia com o número de palavras de romances famosos: O Grande Gatsby tem 47.094 palavras espalhadas por 144 páginas. Meu relacionamento produziu seis Grande Gatsby's e meio. Moby Dick, por sua vez, tem 206.052 palavras, dependendo da edição. Isso significa que juntos, produzimos 1.48 Moby Dicks, embora eu estime que o conteúdo dessas mensagens contenham apenas 0.2% da eloquência.

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Uma da nuvem de palavras do relacionamento da autora

É claro que isso é só uma análise simplista e presa à enumeração de dados. Mas é tentador pensar sobre isso, especialmente quando algumas empresas oferecem serviços de recuperação de dados. Em 2012 o Twitter lançou o download de arquivos, que permitia que os usuários baixassem seus históricos no site. Semelhantemente, o WhatsApp oferece a opção de baixar conversas antigas, enquanto o Facebook permite o download dos dados de seu profile; além disso, há alguns dias o Google anunciou a criação de uma ferramenta que disponibilizará nossos históricos de busca para download.

Em cada um desses casos, somos presenteados com arquivos pesados e desagradáveis, cujo apelo é acima de tudo mórbido. O que fazer com todos esses dados? Reler o passado é realmente vantajoso? No passado, reuníamos a correspondência de escritores e figuras públicas para publicá-las postumamente; Hillary Clinton se viu em apuros, atualmente, por ter delatado emails trocados durante seu período como Secretária de Estado. Mas vale a pena guardar nossas mensagens mundanas, mesmo que para nosso próprio prazer?

Hoje em dia, as palavras valem pouco: 19% dos usuários do Facebook mandam mensagens diariamente, e o usuário de WhatsApp médio envia mais de 1.200 mensagens por mês. Nós nos afogamos em palavras diariamente, pressionados a sermos articulados na mesma proporção com que somos pressionados a sair bem em selfies.

Parte de mim acreditava que ver esses três meses e meio da minha vida destilados em megabytes me ajudaria a superar essa fase da minha vida. Outro pedaço meu queria revisitar essas conversas e ver o que eu poderia aprender com elas.

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As palavras "sexo", "trabalho", "porém" e "merda" apareciam inúmeras vezes. A tecnologia está tentando me dizer algo.

A " análise sentimental" é a intersecção do cálculo automatizada e das emoções humanas: o termo se refere ao uso do processamento da linguagem e a estatística computadorizada para extrair informações a partir de dados digitais. Na sua versão mais simples, a análise processa palavras — tweets, mensagens, notícias — e nos informa se esse agrupamento pende para o positivo ou o negativo. As análises mais complexas destrincham a natureza humana, identificando hostilidade e cinismo, subjetividade e objetividade. Essa forma de análise foi uma parte importante das notórias experiências de "manipulação emocional" conduzidas pelo Facebook no ano passado. Essa ferramenta é comumente utilizada por publicitários e políticos.

Agora, sou eu que usarei essas análises como minha bola de cristal, utilizando ferramentas gratuitas para aprender mais sobre mim mesma e o fiasco do meu relacionamento.

A ferramenta mais fácil para iniciar essa jornada é a nuvem de palavras: basta inserir um texto para que o site crie uma representação imagética, transformando em nuvem as suas palavras mais usadas. Nas minhas conversas no WhatsApp com meu ex-namorado, as palavras "sexo", "trabalho", "porém" e "merda" apareciam inúmeras vezes. A tecnologia está tentando me dizer algo.

Algumas ferramentas de análise lembram um Oráculo do Amor de um parque de diversões — presos em sites obsoletos da Web 1.0, o equivalente digital de "vintage". O Avaliador Gratuito de Sentimentos", hospedado no site pessoal de um analista de sistemas da Califórnia chamado Daniel Soper, deu uma pontuação de 26.8 ("levemente positivo/entusiástico") para meu relacionamento, o que interpretei como um mal sinal. Eu precisei de um robô caseiro para entender que a minha vida não tinha muita paixão.

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A análise mais sofisticada que encontrei foi criado pela Watson Personality Insights, uma comunidade de desenvolvedores financiada pela IBM que disponibiliza ferramentas de computação cognitivas para o público. O Personality Insights pode ser utilizado para conseguir mais clientes, em estratégias de marketing, e até mesmo na hora de escrever um currículo. A análise se baseia em uma série de modelos de personalidade, em conceitos como "necessidades" e "valores", e as "cinco principais características": a cortesia, a consciência, e extroversão, a capacidade emocional e a receptividade. Você envia seu texto, e o programa analisa sua personalidade, ou a de seus clientes, quase que instantaneamente.

Enfiei meus três meses de conversa nas mãos do oráculo, e ele me respondeu com números: 48% de receptividade, 63% de consciência, zero de extroversão, 82% de cortesia, 100% de cuidado e 0% de "empolgação". Cortês porém tedioso, até mesmo para um robô. Aparentemente nosso relacionamento estava fadado a terminar.

Um resumo do perfil da autora na Watson Personality Insights

Ainda piora — no fim da página há um gráfico extremamente detalhado, em vermelho e azul. Aparentemente, nossas conversas demonstravam 1% de "hedonismo" e 6% de "alegria", apesar de existir uma confortável porcentagem de 71% de "proximidade".

Faminta por um pouco de afirmação, resolvi jogar meu nome em um site chamado opinioncrawl.com, uma ferramenta de análise que oferece a opção de pesquisar nomes e palavras soltas. Eu digito meu nome e o site revela algumas fotos, uma de mim e duas de pessoas que eu conheço, e outro gráfico me informa que 54% das reações que eu suscito são negativas (vão se fuder, leitores!). Minhas "palavras-chave" nesse triste retrato digital incluem "publicidade", "orçamento", "café-da-manhã", "misoginia", "doença" e "Sudoku", algo que, até onde me lembro, nunca foi o tema de nenhum dos meus textos.

Eu me controlo para não jogar meu laptop pela janela, deitar em posição fetal e chorar. Ó, banco de dados, o que você fez comigo? Quem, no mundo, gostaria de ler esse tipo de coisa?

Ainda assim, sites como esse nos colocam frente à frente com nossos reflexos digitais. Além disso, os arquivos pessoais parecem estar na moda — a nova função "Neste Dia" do Facebook, lançada mês passado, serve apenas para encorajar o narcisismo, enquanto empresas como a Memeoirs e a Chatbooks nos permitem converter conversas e imagens em livros, um objeto que pode ser guardado para sempre.

Apesar disso, eu não aconselho seguir esse caminho. Pense que você poderia gastar esse tempo lendo Moby Dick. A próxima vez que eu usar uma ferramente de análise sentimental, espero estar no meio de um relacionamento — e não no final de um. Se eu soubesse que estava escrevendo mensagens que tinham 1% de "empolgação" e 6% de "alegria", talvez eu tivesse agido diferente.

Tradução: Ananda Pieratti