Por dentro da maior feira de tecnologia para templos do Brasil
Se no princípio era o verbo, agora a Palavra tem que ser transmitida por amplificadores de alta performance, imagem em 4K, links via streaming e uma máquina avançada de contar dinheiro. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

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Tecnologia

Por dentro da maior feira de tecnologia para templos do Brasil

Se no princípio era o verbo, agora a Palavra tem que ser transmitida por amplificadores de alta performance, imagem em 4K, links via streaming e uma máquina avançada de contar dinheiro.

Cerca de 100 pessoas estão reunidas em frente ao estande da Shure, uma empresa de microfones. Todos aguardam para ver um pocket show da carioca Aline Barros, uma das cantoras mais famosas do Brasil, dona da marca de 10 milhões de discos vendidos e de quem, talvez, você jamais ouviu falar.

Depois de alguma expectativa, ela caminha até o palco improvisado e encara a plateia. "É uma honra servir a Deus com excelência", diz. "E a Shure faz microfones com excelência, inclusive está lançando um modelo aqui." Por aqui, entenda-se a segunda edição da feira Church Tech Expo, focada em tecnologias para templos e igrejas, que ocorreu entre os dias 31 de maio e 2 de junho em São Paulo.

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"Mestre, eu preciso de um milagre", ela canta. Ao meu lado, uma mulher acompanha a letra e transmite o show ao vivo pelo celular via streaming do Facebook. Ela tem uma tatuagem logo abaixo da orelha direita onde se lê "Love". O crachá mostra que é uma das expositoras do evento: Daniela Ferri, da Cineshop.

Aline Barros, bastante maquiada, de batom roxo escuro, com um vestido preto sem firulas e uma calça legging preta com uns brilhos, termina a segunda e última música, o hit "Casa do Pai", e clama: "Deus abençoe a Shure". Ninguém responde amém. Embora não seja um evento central, é o ponto alto do terceiro dia da feira que busca oferecer os meios para transmitir a mensagem religiosa com a melhor qualidade que o dinheiro pode comprar.

Microfones para todo tipo de pregação. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Se no princípio era o verbo, como diz a abertura do Evangelho de João, agora a Palavra tem que ser transmitida por amplificadores de alta performance e em Full HD ou 4k, com link dedicado para as pregações nos streamings online.

E se há demanda e dinheiro, o mercado dá um jeito. O jeito, no caso, foi reunir tudo o que há de mais avançado em qualidade de som, vídeo, streaming e segurança em um só lugar que contemplasse as necessidades dos líderes religiosos.

Quem apostou nesse mercado e vendeu a ideia para as grandes empresas de tecnologia foi Vitor Piiroja, 36, CEO da empresa de comunicação VP Group, responsável pela feira.

"É um segmento que arrecadou R$ 20,6 bilhões", me disse numa conversa no primeiro dia. O dado é da Receita Federal, mas é de 2011 e foi divulgado pela Folha de São Paulo em 2013. Os números registrados pelo órgão não são públicos e não discriminam quanto cada igreja arrecadou.

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Empresários da fé de dentro e fora do país trocaram cumprimentos durante a feira. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

De qualquer maneira, as pistas de que é um bom mercado convenceram o empresário a aumentar a aposta e dobrar a área da feira em relação à primeira edição.

Sentado, de terno sem gravata e com um brinco de argola dourada na orelha esquerda, Piiroja diz que na primeira feira foram negociados R$ 31 milhões. Para essa edição, ele espera que o valor dobre. "É um mercado que não entra em crise", afirmou. (Muitos dos expositores discordam, como descobri mais tarde.)

A aposta do empresário foi alta. O investimento foi de R$ 1 milhão. Os expositores pagaram R$ 800 por metro quadrado de chão, fora a estrutura e montagem. Os custos, segundo o criador da feira, podiam variar entre R$ 15 mil e R$ 200 mil.

E as grandes marcas estavam lá. Sony, Canon, Panasonic, Black Magic, Protege, a própria Shure, entre dezenas de outras, ergueram os seus templos para promover uma verdadeira liturgia tecnológica.

Especialistas deram a palavra sobre aspectos técnicos de templos e igrejas. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Como é comum em feiras, muitos especialistas em imagem e som receberam o chamado para falar sobre suas áreas. "Em algumas igrejas não dá para colocar um prego!", diz o engenheiro de som Luiz Cysne, durante uma das palestras, em uma explicação sobre o uso de coeficientes de absorção da acústica arquitetônica.

Ironicamente, na hora de demonstrar o áudio em um exemplo, sistema não funcionou. Solucionado o problema, uma nova trapalhada: Cysne não consegue encontrar a janela do Windows Media Player. "Mais pra esquerda"; "não, é a outra!", orientou a platéia.

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"É que eu tava com o óculos errado", diz Cysne. Todos riram.

O título da apresentação nos slides era "Acústica e Inteligibilidade". Estava escrito com uma cor amarelo-gema com borda avermelhada e um espelhado degradê em baixo, um pouco inclinado à direita. Parece daqueles efeitos do Word Clip Art, referência que os nascidos depois dos anos 90 vão ter que procurar no Google Images para entender.

Apesar de todas as trapalhadas, Cysne falava bem e era respeitado pelo público. Afinal, ele é um dos engenheiros de som mais importantes do Brasil e autor, sem ironia, do livro "A Bíblia do Som".

Shows gospel serviam como portifólio do poder de acústica dos aparelhos sonoros. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Outro exemplo de palestra foi sobre o lançamento do aplicativo Bíblia plus, produto da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). Com duas semanas de lançamento, o app, cujo slogan é "A palavra de Deus Conectada a você", já recebeu 75 mil downloads. Uma das inovações é que possui uma função de compartilhamento de versículos. "Depois da leitura é função mais usada", diz o palestrante Paulo Teixeira, que é secretário de tradução e publicação da SBB.

Para o futuro, ele conta que estão trabalhando com uma empresa finlandesa para desenvolver jogos bíblicos que cheguem aos jovens e formem um networking digital. Questionado pela plateia se o app tinha funções de áudio, ele disse que não. Chegaram a tentar usar a famosa versão do livro sagrado narrada por Cid Moreira, mas não deu. "Tivemos problemas com os direitos autorais porque ele não é dono da própria voz."

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Fora das salas de palestras, poucas pessoas transitavam pelos corredores do evento. O primeiro dia foi um fracasso em termos de público. Uma promoter do estande da Panasonic, que veio no ano passado, me diz que o movimento caiu. Na praça de alimentação, o garçom do tenebroso X Picanha Burguer & Grill, que costuma trabalhar nesse tipo evento, acha que a feira está fraquinha.

Pouco – ou nenhum – movimento fora das salas de palestras. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

No público, um trio de sul-coreanos se destaca por passar em todos os expositores. Um deles se apresenta como Igor, apesar de estar identificado no crachá como In Sog Kim. Ele diz que veio ver as novas tecnologias porque está ajudando a montar uma igreja cristã na empresa onde trabalha na Bahia. Veste um boné azul escrito "Washington D.C" e a maior pochete que eu já vi na vida. Há quatro anos no Brasil, Igor, 24, ainda fala um português primitivo e é bastante difícil entender o que ele diz.

Está acompanhado por Hyng Rae Kim, que filma todas as conversas e produtos com uma câmera da mão da Sony. O terceiro elemento carrega todas as sacolas e folhetos recolhidos das bancas. Ambos só falam coreano.

In Sog Kim. Ou Igor. Como preferir. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

"A tecnologia está na igreja. Já é obrigatório transmitir o culto pela internet", diz Igor Junior, pastor da Igreja Cristã Época da Graça, na Vila Prudente, Zona Leste de São Paulo. Com barba espessa e óculos de acetato, ele mais parece um hipster da Vila Madalena. Está acompanhado pelo sonoplasta e projetista Hendryl Santos, que frequenta a pentecostal Cristo Vive. Hendryl presta consultoria de áudio a igrejas. "No templo que eu frequento, a gente gastou só de caixa de som e amplificador R$ 230 mil. Faz um pressão sonora igual a do Rock In Rio!", diz.

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Igor Junior, pastor pós-moderno. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Eles também possuem um sistema de transmissão ao vivo pela internet. Só em câmeras foram R$ 100 mil. Mais o link dedicado, com poder suficiente para transmitir 50 gigabytes por segundo. Em média, cerca de 200 pessoas assistem ao serviço pelo streaming.

Seu sonho é poder ter acesso à tecnologia 4k, chamada de Ultra High Definition. Para se ter uma ideia, a qualidade da imagem Full HD é de 1920 x 1080 pixels. Já o padrão 4k é de 3840 x 2160 pixels — mais de 8 milhões de pixels.

O sonoplasta e projetista Hendryl Santos, Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Uma câmera dessas no estande da Panasonic sai por pelo menos R$ 300 mil. O espaço da empresa era mais portentoso e ficava no centro da feira. Vale a pena uma breve descrição do estande oficial da patrocinadora da Rio 2016. Eles montaram um estúdio aberto com oito câmeras apontadas para uma bancada estilo telejornal, onde estavam sentados um casal de "apresentadores". O objetivo era mostrar a qualidade do equipamento. A consequência mais visível era o constrangimento da dupla. Ela, loira, com batom e blusa vermelhos; ele, de terno cinza e gravata preta, excesso de gel no cabelo — a única pessoa na feira que remetia ao clichê visual de um pastor evangélico.

Imagens de dor e sofrimento no estande da Panasonic. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Apesar do glamour da imagem, na pirâmide de importância da tecnologia para igrejas, a base é o áudio. A maior parte das pessoas com quem conversei procurava soluções de som. Vindos de Araras, Fábio Rafael de Lima e Luciano Lacerda estavam a serviço do pastor da igreja Cristo Pentecostal no Brasil na busca de um sistema sonoro para um templo de três mil pessoas. Só de som, o projeto previa um orçamento de R$ 200 mil.

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"Ainda não fechamos com ninguém, mas estamos inclinados a fechar com a Gobos, que fez o Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus", disse Lacerda.

O sonho de qualquer DJ gospel. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Pela grandiosidade e complexidade, o templo da Universal se tornou uma espécie de padrão ouro para os demais. Valdinei Vieira "Jabá", responsável pela Gobos Brasil, que representa uma marca italiana de alto-falantes, me explicou a complexidade do trabalho para obra de Edir Macedo.

"Precisávamos colocar 42 caixas de som no salão, mas a exigência era a de que nenhuma poderia ser visível. Tivemos que esconder todas", disse. Além disso, era preciso minimizar a reverberação, que era mais alta do que o normal, pois o piso e as paredes eram de pedras maciças importadas de Israel. "Era como se fosse a acústica de uma caverna."

Há 20 anos no mercado, Jabá diz que o mercado evangélico sempre esteve presente, mas o que mudou foi o nível de exigência, que aumentou. Em 2015, os projetos em templos foram responsáveis por 40% do faturamento da empresa. Neste ano, eles também sentiram a crise. "Afeta todo mundo, mas esse setor é um pouco como o mercado de shopping, os projetos não pararam porque são de longo prazo."

Estande da Protege mostrava como assegurar os bens de templos e igrejas. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Como o dinheiro segue alto, a empresa de segurança Protege instalou um dos maiores estandes do evento, com direito a segurança e demonstração em tempo real de máquinas de contagem de dinheiro.

Italo Pellegatti, analista da empresa, diz que a Protege oferece vários tipos de serviços. Um deles é a chamada tesouraria avançada, sistema no qual o dinheiro é contado dentro da igreja e de lá vai direto para o banco, sem passar pela seguradora. A métrica da velocidade das máquinas de contagem de cédulas é milhares de reais por minuto, ou milheiro processado, no jargão da área. Em cinco minutos, a depender da qualidade física do dinheiro, pode se processar R$ 20 mil. Italo não revela os clientes, mas diz que o trabalho com igrejas é diferente dos bancos.

Também exibiu novas tecnologias para armazenar e transferir dinheiro nas igrejas. Crédito: Felipe Larozza/ VICE "

"Temos um esquema especial. Os carros nunca aparecem na frente das igrejas, para não sinalizar para os bandidos e porque, bem, pega mal", explica.

Exceto pelos crachás e por um pequeno palco de música gospel, o evento é totalmente destituído de qualquer símbolo religioso e chegou a confundir algumas pessoas. Fernando Oliveira Lima, 28, estuda Rádio e TV na Universidade de São Caetano do Sul e só descobriu se tratar de um evento para o mercado religioso quando chegou na feira. "Até achei que fosse pegar fogo aqui", brinca.