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Tecnologia

Por que Todo Gadget Novo Parece Um Pinto de Tubarão

O pinto de tubarão, se me permite, é algo que está por todos os lados. Eles praticamente imploram para que os toquemos.

Um amigo meu comprou há pouco um cigarro eletrônico. Tal amigo deverá seguir anônimo, bem como o vaporizador, porque a observação feita por tal amigo, em minha sala, sobre o vaporizador em mãos, foi um tanto quanto universal. "Sente isso", disse, falando da coisa. "Parece a piroca de um tubarão."

Parecia mesmo. Levando em consideração onde o vaporizador deve ser usado, o negócio é revestido por uma fina camada de borracha de silicone, material que parece – em mãos não-treinadas – com a mais íntima membrana do mar.

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A textura em questão é meio que indefinível. É variavelmente descrita na literatura da indústria de plásticos como "sedosa" e "suave ao toque", mas o vaporizador não nos passava nenhuma sensação nova, que aliás, não deve ser desconhecida pra você também. O pinto de tubarão, se me permite, é algo que está por todos os lados. Meu case de iPhone é feito dessa parada, bem como os botões de todos os controles remotos da minha casa, as reentrâncias de meus fones de ouvido, e meu bracelete FitBit. Passe a apalpar e logo verá exemplos em cada cômodo do seu lar.

Uso "piroca de tubarão" como um termo genérico, claro, em que entram diversos materiais de texturas similares: silicone, elastômeros termoplásticos, poliuretanos, e borrachas. Estes compartilham propriedades físicas – hidrofobia, biocompatibilidade, durabilidade, resistência ao calor, pegada – que os tornam extremamente desejáveis em aplicações para o cliente final em termos de design, engenharia e afins. E por mais que nem todos sejam criados da mesma forma, todos provocam a mesma reação.

Eles praticamente imploram para que os toquemos.

Muitas vezes me flagro pegando em meu bracelete FitBit, como alguém que fica mexendo em um belo relógio ou joia; só é gostoso, seu fecho de policarbonato rígido encaixa no emborrachado, aquela resistência entre grudento e lisinho oferecida ao meu toque pelo bracelete. Designers de peças como essas entendem isso intuitivamente. Quanto mais agradável ao toque um dispositivo, mais comum fica sua utilização. Mais confortável fica o uso. Cada vez mais parece uma segunda pele.

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Monitores de exercícios como estes são piroca de tubarão de primeira: FitBit, Misfit Shine, Jawbone Up, todos feitos de poliuretano termoplástico

Estes materiais são uma espécie de atalho no design industrial para o toque: como o cigarro eletrônico do meu amigo, eles nos mostram onde pegar, onde pressionar os botões e exigem ser usados próximos à pele. Yves Béhar, diretor de criação da Jawbone, chama o poliuretano termoplástico utilizado no monitor UP de "material amigável", que "fica uma delícia na pele, não esfria demais e absorve o calor do corpo".

Neste sentido, a popularidade cada vez maior destes elastômeros para consumidores não surpreende. Com os pontos de contato entre nós e nossas tecnologias ficando cada vez mais íntimos – já que passamos a vestir ao invés de usar nossas ferramentas – os contornos do hardware amaciam, diminuem e ficam aveludados. Qual é um dos maiores mercados consumidores de elastômeros termoplásticos? Brinquedinhos sexuais.

Claro que, em termos de apetrechos sexuais, o toque é importante, senão essencial, para uma experiência de design bem-sucedida. Mas esta não é a única categoria de tecnologia para consumidores que passa a levar em consideração o tato, nem os plásticos os únicos que atendem a este sentido. A maioria das coisas que tocamos diariamente não são picas de tubarão, no fim das contas, e sim telas – vidro e LED. E muito esforço e pesquisa são feitos para que se possam comunicar mais informações táteis através destes materiais.

Há alguns anos atrás, a Disney Research mostrou um algoritmo para a tradução de informação em três dimensões na forma de sensações táteis em telas planas ao modular forças friccionais entre os dedos e a superfície. Ou seja: criaram uma tecnologia que faz planos 2d parecerem texturizados ao mexer nos receptores sensíveis à fricção da pele. O algoritmo da Disney imita a resistência, que é o que torna o toque algo gratificante. E um bom toque é o segredo para conseguir consumidores.

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Já estamos nos divertindo? Uma análise do silicone vulcanizado termoplástico. Crédito: site da Dow Corning

Doug Ebert é o gerente de desenvolvimento de produtos da Ultimate Ears; ele faz parte da equipe que criou o BOOM e MEGABOOM, alto-falantes mobile "pra vida toda" projetados explicitamente para convidarem ao toque. Eles são coloridos e bons de pegar; ambos usam a piroca de tubarão de padrão industrial da Dow Corning, o TPSiV – um misto de uretano termoplástico e borra de silicone reticulada – no corpo do aparelho.

"Achamos que as pessoas querem sentir mais que plástico duro e grades metálicas em suas caixas de som", explica Ebert, "queríamos usar materiais que convidassem as pessoas ao toque e interação com nosso produto. Para cada peça foi feito um protótipo com diversas texturas e foram medidos durômetros para deixar tudo do jeito certo".

Quando você fala com designers que trabalham com plásticos em um nível industrial, ouve-se falar muito sobre o tal durômetro Shore, a escala pela qual a rigidez dos plásticos é medida. As medidas Shore são feitas ao se pressionar um aparelho padronizado no material e então medir o recuo deixado na superfície. Uma pulseira de borracha tem uma medida Shore de 25 A; uma roda rígida de skate tem 98. Pulseiras e braceletes para monitores de exercícios ficam por volta de 80-85 A, suaves ao toque, mas resistentes o bastante para ficarem firmes no pulso. O TPSiV da Down Corning fica entre 50 e 80 A, dependendo da aplicação pretendida – mais macia para materiais vestíveis e fones, mais rígida para cases e botões.

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À esquerda, massa de silicone. À direita, um durômetro Shore. Crédito: Wikimedia Commons

Mas rigidez e textura são duas coisas diferentes. Até mesmo um plástico duro pode ficar macio e emborrachado através do uso de revestimentos e tintas, ou por meio de um processo de texturização conhecido como Usinagem de Descarga Elétrica. Indústrias plásticas enviam amostras de texturas a designers, com diversos acabamentos, brilhos, texturas e granulagens.

Tim Golnik, vice-presidente de Produtos e Design da Misfit, que fabrica um destes braceletes monitores chamado The Shine – um disco de alumínio acomodado em uma pulseira de poliuretano termoplástico (de durômetro 85 A, caso você esteja se perguntando) – me mostrou um desses modelos pelo Skype. Alguns dos tons do plástico eram opacos e ásperos, outros tão brilhantes que dava pra ver meu reflexo pela câmera. "Podemos texturizar um bracelete de forma tal e alguém dirá que o produto é ruim; podemos aplicar outra textura de forma diferente no mesmo bracelete e a pessoa dirá que parece um artigo de luxo", declarou. "Quanto mais próximo você chega de seda ou veludo", explicou, melhor.

Estamos entrando na era do Ápice da Piroca de Tubarão. A versão mais barata do Apple Watch, seu modelo "Sport", está disponível com uma série de pulseiras coloridas de fluoroelastômero personalizado de alta performance. O material não recebeu tanta atenção quanto as outras inovações da Apple no relógio – suas novas ligas proprietárias de alumínio e ouro – mas logo este envolverá os pulsos de milhões, resistindo ao seu suor, pedindo seu toque. O texto no site da Apple descreve o material como "suave" e "denso". É o mais populista dentre os materiais do Apple Watch.

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Pulseira de fluoroelastômero personalizado do Apple Watch esportivo. Crédito: Apple.com

A Apple talvez tenha sido a primeira grande empresa de eletrônicos de consumo a levar em consideração a textura nos seus projetos de hardware – sua série de notebooks iBook tipo concha de 1999 eram revestidas com borracha colorida – mas materiais mais próximos dos genitais de um tubarão já existem desde os primórdios da informática. O Sinclair ZX Spectrum, computador doméstico que vendeu milhões no Reino Unido e Europa no começo dos anos 80, vinha com um teclado de borracha que críticos compararam a digitar sobre "carne de defunto". O IBM PCjr, lançado em 1984 tinha teclas de borracha tipo Chiclet que supostamente se assemelhavam a "massagear um bolo de frutas". Todas analogias mais adequadas e apropriadas do que o eufemismo que tenho usado.

Mas teclados de carne de defunto são o básico. De acordo com Golnik, o futuro molenga é maior e mais amplo que tudo isso. Por exemplo, as impressoras Objet 3D que designers industriais usam para criar protótipos de coisas como braceletes imprimem com termoplásticos semelhantes ao usado no produto final, então estes designers podem simular durômetros diferentes e trabalhar com facilidade com materiais da concepção à produção. Projetar componentes táteis all-in-one que se ajustam ao corpo só ficará mais fácil e acessível.

E o mais importa, porém, ao passo em que os componentes eletrônicos ficarem mais flexíveis e menos suscetíveis ao calor, termoplásticos, silicones e borrachas chegarão com tudo, tornando-se matéria-prima dominante em um novo de eletrônicos táteis, vestíveis e íntimos. "Levará um tempo para o setor se acostumar", mas quando acontecer, "você verá mais integração, menos espessura, dispositivos mais finos que empregarão este tipo de material e que integrará tudo de um jeito melhor", disse Golnik.

Uma conclusão irrelevante para este texto é que tubarões não tem pintos. Eles tem dois rolos de cartilagem que biólogos chamam de "clásper", projetados para segurarem as tubaroas no lugar. Levando em conta as grandes virtudes do material que meu amigo tão irreverentemente chamou de piroca de tubarão é a sua pegada – não parece ser um neologismo tão errado no final das contas.

Tradução: Thiago "Índio" Silva