A primeira 'nação no espaço' quer armazenar dados fora do planeta e da lei
Imagem: Robert McCall/MGM/Domínio Público.

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A primeira 'nação no espaço' quer armazenar dados fora do planeta e da lei

O ambicioso e problemático plano de Asgardia é lançar um satélite de armazenamento de dados além dos domínios das leis terrenas.

Asgardia, uma autoproclamada "nação espacial", lançará um satélite neste ano a fim de testar o conceito de armazenamento de dados em órbita ao redor da Terra. Esse plano poderá abrir as portas para dados e paraísos fiscais armazenados fora do planeta, de acordo com arquivos obtidos pelo Motherboard, e representa um importante passo para o objetivo principal do grupo, que é iniciar uma nação particular no espaço.

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Em outubro de 2016, uma equipe internacional de pesquisadores e cientistas liderados pelo empresário e cientista da computação russo Igor Ashurbeyli anunciou a fundação de Asgardia. Esse projeto de nação particular espera, por fim, voar em estações espaciais inabitadas, a fim de proteger o planeta de ameaças extraterrestres, como asteroides, e criar uma base desmilitarizada e acessível gratuitamente para conhecimento científico sempre em órbita.

Até então, aproximadamente 180 mil terráqueos já juraram lealdade a esse país hipotético por meio de um formulário de cidadania pela internet. Qualquer pessoa na Terra pode se inscrever sem sacrificar sua nacionalidade atual. Asgardia é, atualmente, autofinanciada por Ashurbeyli e seus cofundadores, porém, tem planos de fazer crowdfunding para seus cidadãos – e de cobrança de impostos também.

De acordo com um arquivo recente da Comissão de Comunicação Federal dos EUA (o FCC), o primeiro passo da Asgardia será o lançamento de um satélite, o Asgardia-1, em setembro. Esse CubeSat compacto, composto de dois cubos de 10 cm, atuará em uma missão de ressuprimento para a Estação Espacial Internacional (ISS). Sua primeira carga é um drive de 512 GB já carregado com dados. O arquivo não especifica qual é o tipo de dado, apesar de que Asgardia está comprometida em "digitalizar e armazenar a riqueza do conhecimento humano no espaço". Assim que estiver em órbita, os dados serão atualizados e baixados por meio dos satélites de comunicação da Globalstar.

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Esquema do satélite Asgarda-1 no arquivo do FCC. Imagem: FCC.

O Asgardia-1 também carregará consigo detectores de partículas externos e internos para "determinar a dosagem de radiação que os componentes eletrônicos estão recebendo" afirma o arquivo. A missão pretende "demonstrar o armazenamento de dados no longo prazo em órbita terrestre baixa", embora o satélite por si permaneça no céu por cinco anos, até que a fricção atmosférica o derrube e, por fim, o queime.

A perspectiva de armazenamento de dados em órbita, longe dos olhos – e das leis – de Estados-nação terrestres, pode ser atraente a qualquer um que queira um arquivo digital seguro. Já houve outras tentativas com esquemas parecidos aqui na Terra mesmo: durante oito anos, um paraíso de dados chamado HavenCo operou em Sealand – um autodeclarado principado soberano em uma instalação de defesa da segunda guerra, a seis milhas da costa da Inglaterra. Ele supostamente oferecia armazenamento de dados, os quais poderiam ser ilegais em muitos países, como sites de jogatina ou registros secretos de empresas. O HaveCo foi extinto em 2008 depois de problemas legais e financeiros.

As ambições legais da Asgardia ainda não estão claras. O esboço de sua constituição afirma que Asgardia respeitará "acordos internacionais e deseja ser reconhecido como um país dentre todos os estados na Terra", mas também afirma que "Asgardia não interferirá nos negócios dos Estados da Terra com base no princípio da reciprocidade". A constituição permite que ela crie suas próprias leis e regulamentações as quais podem diferir consideravelmente das da Terra, sendo que um de seus princípios é o de reconhecer "a imunidade aos segredos comerciais".

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O que poderia significar um paraíso nos moldes da agora extinta HavenCo, ou mesmo um paraíso fiscal extraterrestre, como afirmou Mark Sundahl, professor de lei espacial da Faculdade de Direito de Cleveland-Marshall. "Se eles intentarem a situação de Estado, poderiam criar leis domésticas para proteger seus indivíduos de subpenas exigindo informações bancárias. E eles se tornariam uma nação de bancos fraudulentos."

A Asgardia não respondeu aos nossos pedidos de resposta, mas sua constituição propõe um sistema bancário que consiste em um banco nacional estatal e demais bancos privados. "O Estado garante sigilo bancário", está escrito. "O sigilo bancário pode não estar restrito às leis de Asgardia ou de tratados internacionais." E a Asgardia também lançará sua moeda própria "na quantidade relacionada aos parâmetros ideais da Lua". Nenhum dos especialistas com quem o Motherboard conversou soube explicar o que isso significa.

Existem obstáculos técnicos e legais pela frente. O primeiro, e mais importante, é que o status legal da Asgardia é duvidoso, afirmou Joanna Irene Gabrynowicz, editora-chefe emérita da Journal of Space Law. "Um estado tem uma população permanente, um território definido, um governo e a capacidade de estabelecer relações com outros Estados, além de ser reconhecido como estado pelos outros Estados", afirmou. "Então a premissa de Asgardia como nação é contestável."

Talvez como esforço para influenciar o debate, a Asgardia esteja dando seu melhor para conseguir regalias de um estado tradicional. No dia 18 de junho, os asgardianos votarão pela internet para sancionar a constituição e escolher bandeira, insígnia e hino nacional. A Asgardia está, inclusive, adotando um calendário próprio: um sistema de 13 meses, com um mês adicional, o Asgard, enfiado entre junho e julho. O dia 18 de junho corresponde ao 1º de asgard, que será conhecido como Dia da Unidade Nacional. A Asgardia precisa ser aceita como membro das Nações Unidas a fim de obter total situação de Estado, mas o simples fato de ser reconhecido por um dos países já existentes dará a eles alguma credibilidade.

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Mesmo se a Asgardia se tornar um país, o Asgardia-1 continuará sendo uma nave norte-americana, sujeita às leis dos EUA. O Tratado do Espaço Exterior da ONU, assinado por todos os países que desejam chegar em órbita (incluindo Irã e Coreia do Norte), em geral define a nacionalidade de uma nave como a do país que a adquiriu ou que a lançou. O Asgardia-1 será lançado de um foguete American Orbital ATK Antares das instalações Wallops da NASA em Virginia.

Se a Asgardia escolher um país diferente para futuros lançamentos, sua próxima nave poderá gozar de leis mais flexíveis. "Se a Asgardia encontrar um país de lançamento que não for signatário de tratados espaciais, então não haverá obrigações para com a lei internacional", afirmou Sundahl. "Nesse ponto, trata-se de uma terra sem lei."

Mas isso provavelmente ficará no âmbito da ficção científica. Qualquer país que queira entrar em órbita pela primeira vez enfrentará uma imensa pressão internacional para assinar tratados sobre jurisdição, responsabilidades e o uso de armas no espaço. O que minaria outro objetivo da Asgardia no longo prazo, destacados em sua constituição: a construção de uma frota de plataformas espaciais para combates robóticos universais, os chamados Urbocops, programados para "proteger a Terra e a constelação de satélites orbitais [de Asgardia]". Mas não necessariamente nessa ordem.

A Asgardia fará uma coletiva à imprensa na semana que vem em Hong Kong para revelar formalmente seu satélite e anunciar "um novo tempo na Era Espacial". Mas não pense que você vai se mudar para uma nova cidade espacial tão cedo.