Aqui é Capão Redondo, tru, e o Pokémon
Saímos em busca de mestres do 'Pokémon Go' de um dos maiores bairros de São Paulo, do Jardim Lidia à Praça do Campo Limpo.Crédito: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo

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Aqui é Capão Redondo, tru, e o Pokémon

Saímos em busca de mestres do 'Pokémon Go' de um dos maiores bairros de São Paulo, do Jardim Lidia à Praça do Campo Limpo.

A lua cheia não clareava mais as ruas do Capão quando começamos nossa jornada Pokémon. De bombojaco e capuz como touca, enfrentamos o frio das 7h30 em frente à estação de metrô que leva o nome do bairro. Por ali passam 74 mil pessoas todos os dias. Trata-se de um número razoável para um distrito que ostenta a maior densidade demográfica da capital. O que seria, então, da população de monstrinhos virtuais que acabam de chegar no Brasil a bordo do Pokémon Go?

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A mais nova versão da franquia estreou nos EUA em julho de 2016. Em vez de correr atrás de Pokémons em um cenário virtual, como em outras edições do game, o jogador agora o faz em um mundo real — seu país, sua cidade, seu bairro – por meio do GPS e a realidade aumentada do smartphone. Multiplique isso por um sem número de celulares para transformar uma simples diversão em coqueluche global. O Brasil, um país em que desde 2012 há mais telefones do que pessoas, confirmou a mania ontem à noite: duas horas após a estreia do game, Pokémon Go era um dos termos mais buscados no Google.

O Capão está contribuindo com a febre. "Eram sete da noite, baixei, andei a estrada de Itapecerica inteira atrás de Pokémon e rendeu bastante Zubat", disse o auxiliar administrativo Fernando, 23 anos. Ele estava de tocaia ao lado de uma armadilha que tinha plantado no meio do parque Santos Dias: um item que atrai Pokémons. O objeto tinha saído do seu bolso. "Comprei esses itens no jogo por R$ 37, tem uns pacotes para comprar", disse ele. Ao lado estavam os amigos Alan, 19 anos, e Tiago, 31, que aproveitavam o esquema. "Tá chovendo Pokémon aqui!", disse ele.

O Alan, à esquerda, estava aproveitando a armadilha que o Fernando comprou. Crédito: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo

O mais velho da turma estava acompanhado do filho, João Pedro, 9 anos. Ele também tinha seu celular em mãos. "Eu via bastante o desenho na TV, aí quando eu vi que ia lançar o jogo eu fiquei maluco porque agora ele tem realidade virtual e antes não tinha", explicou. Ele que queria tanto um Pikachu, mas foi surpreendido por outro treinador mirim. João Pablo, 9 anos, também tinha sido atraído pela promessa de Pokémons junto de seu irmão, André, 36. "Ele não leva o celular pra escola, mas hoje ele vai levar", disse.

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Pouco distante daquele insólito grupo, dois adolescentes davam os primeiros passos no game. "Você começa a jogar e não para mais", disse Giovanna. A jovem de 16 anos estava acompanhada do amigo Maycon, da mesma idade, enquanto escolhia seu Bulbassauro na tela quebrada do seu celular. "A gente fala sobre isso todo dia, nem faço mais a lição", brincou ele. "Tenho um amigo que estava na sala de aula e, quando achou um Pokémon do lado de fora da escola, pulou o muro."

A Giovanna tinha acabado de conhecer seu Bulbassauro. Crédito: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo

Todos no Santos Dias aproveitavam o acesso gratuito ao Wi-Fi disponibilizado pela prefeitura de São Paulo. Ainda que não consuma tantos dados quanto parece — durante quase quatro horas de uso, o game utilizou cerca de 130 MB —, o jogo concentra as maiores populações dos bichinhos em áreas de encontro como praças ou locais turísticos. Prova disso é o vai-e-vem de futuros mestres no Central Park, em Nova York, ou na Praça do Campo Limpo, a poucos quilômetros do parque.

Tales, 18 anos, estava andando por ali em busca de um Psyduck. "Estou dando voltas", disse ele. O jovem estava antecipado. Em vez de aguardar a estreia do game, ele usava uma versão que burlava o sistema oficial fazia algumas semanas. Além disso, ele tinha acordado mais cedo aquela manhã para começar a sua jornada. No recém-criado grupo de Whatsapp "Pokémon Go", ele e os amigos tinham combinado uma caçada às 14h. "Esse jogo tira a gente de casa, a gente troca ideia", disse.

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O Tales costuma acordar tarde, mas não hoje. Crédito: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo

A essa altura ele desprezava os Zubats. "Tem um ninho desses aqui", brincou. Além desses, na área que vai do Terminal Campo Limpo até a estação de metrô Capão Redondo é possível encontrar boa parte das espécies conhecidas dos jogadores dos primeiros níveis tais como a minhoca Weedle ou o dentuço Nidoran. Com sorte é possível encontrar alguns seres aquáticos que devem ter escapado dos córregos canalizados da região, como a estrela Stari, a bolota Poliwihrl e a esquisita Magikarp.

Ao contrário dos Pokémons, os Pokéstops não aparecem em grande número no bairro. Esses pontos de interesse são fundamentais para adquirir itens durante o jogo. Nas ruelas do Jardim Lidia ou do Jardim Rosana eles se concentram em alguns grafites ou igrejas. Pelos locais de batalhas entre os treinadores, os ginásios aparecem em número razoável. Um deles se encontrava em frente a um motel que tinha um Snorlax dorminhoco como seu chefe até o fechamento dessa matéria.

O Thiago e sua amiga Kellyn resolveram ficar mais espertos com a Equipe Rocket da vida real. Crédito: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo

Muitos desses pontos são liderados por personagens que, de tão fortes, só podem ser frutos de alguma trapaça. No entanto, não é isso que assusta os jogadores. Tido durante muitos anos como um dos bairros mais violentos de São Paulo, os treinadores do Capão são unânimes a mencionar um ou outro problema de segurança que pode aparecer em sua jornada como roubos de celular. "O importante é escapar da Equipe Rocket da vida real", disse Thiago, um treinador de 19 anos.