​O Peeple É para Empregadores, Não Pessoas

Peeple é um aplicativo que permite avaliar qualquer pessoa que você encontre por aí – mesmo que ela não tenha se inscrito no serviço.

O app só será lançado em novembro, mas a internet já deu uma boa surtadinha com as questões de privacidade atreladas a ele, afinal, vamos combinar, não é muito legal saber que pode existir um perfil da sua pessoa sem o seu consentimento dentro de um serviço que você não usa. Tem também uma ala de críticos putaraços com a ideia de uma sociedade de espiões mútuos.

Essas questões são válidas e preocupantes, mas perdem o foco principal do serviço. O Peeple não foi criado para que pessoas comuns usem. Ele existe para empregadores escolherem seus melhores candidatos.

Tenha em mente o contexto em que o Peeple surgiu. Sua CEO e co-fundadora, Julia Cordray, também é a CEO da 96 Talents e Career Fox, duas empresas especializadas em software para auxiliar empregadores a encontrarem os melhores talentos. De acordo com o perfil de Cordray no LinkedIn, ela afirma, no espaço reservado à descriça do Peeple, que o aplicativo "nos permite escolher melhor quem contratamos" e "tratamos de negócios".

Se você achava que a pior parte do Peeple era tornar sua vida mais estressante por motivos puramente sociais, você está errado: o Peeple é um veículo para o policiamento de si mesmo com o objetivo de se tornar o candidato ideal a uma vaga. Manja aquela sensação de hesitação quando você pensa em subir uma foto de uma farra pro Facebook com medo que seu empregador veja? No mundo de aplicativos como o Peeple, surpresa, essa é a vida real.

Como o blogueiro de direito Popehat disse hoje em um post, agora os empregadores verão o quão úteis serão avaliações de três de cinco estrelas de sua reputação profissional. Alguém com quem você tomou café uma vez achou que você era impulsivo e confrontador e deixou uma avaliação regular? Um possível empregador pode muito bem lhe descartar e escolher o candidato com avaliações exaltando sua gentileza e entusiasmo.

Entenda: a razão de existir do Peeple nunca foi fazer você se sentir mal por agir de forma terrível ou fazer das pessoas melhores. Não. Sua função é fazer com que chefes contratem melhor.

Dificilmente o Peeple seria a primeira expressão da "economia de reputação"— em que avaliações são aplicadas a pessoas. Lulu, Klout, e cacete, até o Uber, de alguma forma representam alguma faceta disto. O Peeple é só o primeiro aplicativo a juntar tudo.

Se o Peeple vai decolar ou não é uma questão incidental. Sentimos que está vindo aí uma sociedade em que todo e qualquer ato físico – possivelmente inconsciente – pode afetar nossas chances no mercado de trabalho. Ao que parece, seremos alvos de constante de escrutínio e revisão. Prepararemos nossas atuações no mundo de forma a gerar valor para nossos chefes.

É assustador.

Cordray, a co-fundadora do Peeple, teve uma semana dura por causas das questões que envolvem esse nosso medo. Por razões óbvias, a maioria das pessoas não curte muito a ideia do app. Não foram poucos os xingamentos à ela pelo Facebook.

A reação de Cordray tem sido desdenhosa, no mínimo. Ela chamou os críticos de valentões e bloqueou comentaristas. Alguns diriam que ela não está lidando muito bem com o assunto, enquanto outros, mais caridosos, talvez a aplaudam por chamar a atenção para um produto que ainda nem existe.

Entrei em contato com Cordray via email. (Estava impossível localizá-la via telefone. Um funcionário me disse que ela estava na Califórnia, apesar de ser de Calgary.). Questionei-a sobre o conceito por trás do aplicativo, as críticas e sua reação a tudo que tem acontecido. Ela respondeu minhas perguntas para ajudar um colega canadense, então, pô, lê aí.

MOTHERBOARD: Muita gente está emputecida com o fato de que seu aplicativo viola a privacidade alheia. Você não é a primeira a ter esta ideia também – olha o Lulu, por exemplo. Mas o seu parece ser o primeiro a fazer das avaliações e reputação tema principal. O que levou você a fazer isso?

Julia Cordray: Foram-se os tempos em que morávamos em uma vila e dava pra ir na esquina perguntar sobre alguém. Imagine viver em um mundo novo em que você pode proteger seus maiores bens tais como seus filhos, casa, dinheiro e reputação. Agora imagine também uma vila online em que você pode ser muito bem comentado por sua rede porque você sabe que é o melhor entre os melhores. Onde você pode conseguir empregos dos sonhos, ganhar mais dinheiro, ter um networking mais eficaz ou conhecer o amor da sua vida. Mais do que nunca nosso mundo precisa de amor e gentileza e cremos que o uso responsável, respeitoso e íntegro deste sistema de avaliações ajudará você a brilhar mais e a tomar melhores decisões com base no caráter daqueles ao seu redor.

Você vê algum mérito nos argumentos quanto à privacidade ou o quão aterrorizante é presumir que se está sendo observado o tempo inteiro?

Com o surgimento de um novo conceito, o medo vem naturalmente. Quando descobriram que a Terra era redonda e não plana, que orbitávamos em torno do Sol e não o contrário, todos ficaram chateados e confusos e se opuseram firmemente. Trazer uma nova ideia para o mercado quando as pessoas não creem que o mundo é mesmo um bom lugar cheio de pessoas incríveis resultará em medo e oposição. Ansiamos por provar que a gente deste mundo é boa e ajudará você em nosso aplicativo com um índice de positividade de mais de 80%.

Você esperava pelas reações negativas? SketchFactor, Lulu e outros aplicativos semelhantes lidaram com duras críticas quando surgiram.

Sim, novas ideias podem levar ao medo e raiva ou ambos.

Críticos apontaram que perguntar como bloquear comentários no Facebook é meio irônico, dado o foco do Peeple na transparência. Como conciliar isso?

Tivemos que bloquear pessoas que não estavam dando um retorno construtivo para melhorarmos nosso produto. Elas só diziam que não gostavam dele sem nos dizer o que prefeririam. Essas são nossas páginas e responderemos tudo que for respeitoso, mas não toleraremos falta de educação ou qualquer um que só queira aparecer. Todos que deram sugestões de forma respeitosa para melhorar o aplicativo foram tratados bem. Assim como em nosso aplicativo, há meios de guiar as pessoas a comportamentos positivos. Se quiserem ser ouvidas, melhor que nos respeitem e se inscrevam para o beta. Defendemos a positividade e não queremos gastar energia com negatividade se isso não ajuda em um bem maior.

Você afirma ter recebido 50.000 dólares para seu aplicativo por meio de um programa de fomento do governo canadense. Como foi esse processo? Houve questionamentos quanto à privacidade e o produto?

[Nota do editor: Cordray optou por não responder esta pergunta.]

A API do Facebook bloqueou o app para obter dados. Você tentará parceria com outras empresas para fins semelhantes?

A API do Facebook bloqueou todos os apps. E não, no momento, não.

Quando o Peeple for lançado, você se preocupa com avaliações negativas de si? Você mudaria seu comportamento?

As pessoas que me conhecem pessoalmente poderão me avaliar e fico ansiosa em poder ver como elas me veem. Sei o bem que fiz no mundo, incluindo doações de 16.000 dólares ao Abrigo Emergencial de Mulheres de Calgary. Doação de mais de 20.000 dólares à Sunshine Foundation. Alimentar desabrigados. Aconselhamento de empreendedores e estudantes de administração. Ajudar pessoas nos EUA e Canadá a conseguirem os empregos de seus sonhos ao longo de oito anos. Dar palestras em universidades, para empreendedores sobre branding, vendas e marketing, ter sido indicada a incontáveis prêmios… Há tanto a se celebrar sobre a forma como surgi neste mundo para quem me conhece e, assim que as pessoas verem o quão gentil, cuidadosa, generosa e líder fui, continuarei sendo naturalmente graças ao aplicativo. Tenho agido de forma consistente neste mundo, não tenho nada a esconder. Sinto orgulho da líder que me tornei.

Tradução: Thiago "Índio" Silva