Visitei uma loja chinesa de robôs para sacar de perto a Era das Bonecas Sexuais
Xiao e uma de suas anfitriãs. Créditos: Motherboard

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Tecnologia

Visitei uma loja chinesa de robôs para sacar de perto a Era das Bonecas Sexuais

“Dá para beijar e fazer sexo com ela. As pernas abrem e dá para sentir a pele macia dela.”

Quando entrei na loja 5S, em Changsha, capital da província de Hunan, ao sul da China, o proprietário Sr. Xiao ajeitava uma boneca humanóide feminina, quase nua, numa cadeira, para que não tombasse. Demorou algum tempo para que conseguisse posicioná-la direitinho. Depois, assim que cobriu os fartos seios dela com uma camisa rosa, ele me contou que o nome "da menina" — isto é, do modelo — era Magic Beauty ou, em português, Beleza Mágica.

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Magic Beauty tem um esqueleto de ferro, porém nenhuma peça mecânica. O mesmo não pode ser dito a respeito de qualquer outro item à venda na 5S. Clientes são recebidos por uma robô humanóide de peruca morena e vestido chinês tradicional que, depois de fazer reverências, balbucia mensagens de boas vindas quando as pessoas passam pelos seus sensores, instalados nos pés. Os pequenos robôs Alpha, populares por cantar e dançar, sacolejam aqui e acolá. Quem domina a pista, no entanto, é uma frota de robôs-garçons cintilantes. Quase todos carregam bandejas enquanto são acuados por crianças curiosas.

Agora que Magic Beauty está vestida, ainda que não muito, os passantes parecem não se dar conta de seu verdadeiro propósito. A maioria dos visitantes dá as caras na loja para deixar os filhos brincarem e tirarem selfies com os produtos expostos de Xiao. Raramente compram e levam para casa um garçom-robô ou, neste caso, uma companheira sexual humanóide.

Xiao parece não se importar muito. Ele me explicou que Magic Beauty, à venda por 3.800 euros (4.270 dólares), foi criada para ser um objeto de afeto.

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"É para pessoas que não querem ter uma esposa", disse Xiao, que pediu para eu tratá-lo com um pseudônimo. "Dá para beijar e fazer sexo com ela. As pernas abrem e dá para sentir a pele macia dela."

A maioria das pessoas da China e arredores ainda vê robôs humanoides sexuais como um tabu esquisito. A pergunta é: será que, um dia, ter um robô como a Magic Beauty será algo aceito na cultura mainstream da China e do mundo?

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Quando o presidente Xi Jinping instigou uma revolução na indústria robótica da China, em 2014, acho que ele não esperava robôs como a Magic Beauty. Mas a própria existência da loja 5S, aberta em junho, é resultado da indústria emergente no país. Xiao, um tipo empreendedor, tem participação nas fábricas de robôs que fornecem para sua loja e outras quatro similares.

"Dá para beijar e fazer sexo com ela. As pernas abrem e dá para sentir a pele macia dela."

Em 2013, a China superou o Japão e se tornou o maior consumidor de robôs industriais do mundo. Comprou um em cada cinco robôs industriais vendidos ao redor do globo. Um ano depois, clamando pela "revolução dos robôs", o presidente Xi declarou: "Nosso país será o maior mercado de robôs do mundo, mas será que a nossa tecnologia e a nossa capacidade de produção serão o bastante para lidar com a concorrência? Não só precisamos aprimorar os nossos robôs, como precisamos também conquistar mercados de diversos lugares."

As palavras de Xi foram subsidiadas por empresas de construção e uso de robôs com montantes generosos, estimulando mercados domésticos e de exportação. O principal foco são robôs projetados para substituir, pelo menos em partes, trabalhadores fabris humanos. Lojas como a de Xiao são um efeito colateral excêntrico, impulsionado por baixos custos de produção e pelo poder aquisitivo crescente do público chinês.

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São os robôs-garçons que dominam esses estabelecimentos. O bot trabalhador mais barato de Xiao, uma geringonça cor-de-rosa de 1,20 m que parece mais uma goma de mascar gigante segurando uma bandeja, está à venda por 18.000 Yuans (2.700 dólares). O robô-garçom mais caro — uma figura muito mais alta, com braços e pernas mais flexíveis e uma tela facial interativa — custa 65.000 Yuans (9.740 dólares). Xiao conta que já vendeu em torno de 1.000 robôs-garçons este ano, a maioria para restaurantes que buscam cortar o quadro de funcionários e, ao mesmo tempo, dispor de figuras humanóides de plástico, divertidas, sassaricando enquanto servem guioza.

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Mas será que essas plataformas de serviço não passam de brinquedos engenhosos? Quando visitei um restaurante operado por robôs, em 2014, em Kunshan, uma cidade perto de Xangai, o dono Song Yugang respondeu que são muito mais que meros brinquedos, sim. Ele disse que os robôs-garçons permitiam que ele trabalhe com uma equipe reduzida, de cerca de seis pessoas; sem os robôs, ele precisaria de 20 humanos.

"Um robô trabalha até dez horas por dia, durante sete ou oito anos", disse Song na época. "Garçons e garçonetes trabalham oito horas por dia, no máximo nove. È preciso prover acomodações e refeições. Já os nossos robôs consomem três Yuans [50 centavos de dólar] de energia por dia, no máximo."

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O professor Hongen Liao, do Departamento de Engenharia Biomédica da Universidade Tsinghua, em Pequim, acredita que os proprietários das lojas estão sendo espertos ao focar nos robôs humanóides que não apenas entretêm.

"Com tecnologias avançadas e uma demanda crescente, surgirão mais lojas como essa", disse Hongen. "Veremos cada vez menos brinquedos, ao passo que consumidores atentam cada vez mais para a funcionalidade e aplicações úteis dos robôs. Robôs-garçons podem cortar custos de contratação. Recentemente, enfrentamos uma escassez e inflação de mão de obra."

Mas não podemos nos esquecer das bonecas sexuais. Xiao parece empolgado com o futuro delas. Ele me mostrou mensagens e fotos de celular levemente perturbadoras de robôs humanóides arreganhadas, enviadas por clientes em potencial do Sudeste Asiático que o contataram para deixar claro seu interesse em comprar modelos como Magic Beauty, que, segundo Xiao, hoje é o robô mais exportado para a Europa. Ele espera que esse tipo de produto logo figure entre os itens mais lucrativos que a loja vende e exporta.

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Unidades de "companhia" feminina como essa estão cada vez mais complexas, conforme destacou Ricky Ma Wai-kay, inventor de Hong Kong que estampou as manchetes dos jornais quando criou uma bot surpreendentemente parecida com Scarlett Johansson, que respondia ao ser chamada de "linda".

O robô de Ma não era um brinquedo sexual. No entanto, conforme ele disse ao jornal South China Morning Post, "muitas pessoas se sentem sós, e algumas não são muito hábeis em comunicação, acho que elas não devem se apaixonar por robôs, mas [ter uma companheira robô], pode ajudá-las, em termos psicológicos." Ma contou ainda que estava trabalhando em um manual para homens criarem suas próprias amantes robóticas.

"Assim como a pornografia impulsionou o desenvolvimento da internet, robôs sexuais provavelmente impulsionarão o desenvolvimento de robôs domésticos."

Xiao fala abertamente sobre a promoção de suas bonecas sexuais e os pormenores das possibilidades com elas na cama — bem como dicas de limpeza e manutenção. Perguntei se tudo é higiênico mesmo. Em resposta, ele abriu uma gaveta e sacou um punhado de objetos que vêm com a Magic Beauty.

"Talco, camisinha, lubrificante, um instrumento de estímulo", esclareceu ele, apontando para o último aparelho, uma espécie de tampão de plástico com um cabo de saída USB na base. O formato não deixa dúvidas sobre que extremidade deve ser inserida naquilo que, segundo Xiao, é apenas a primeira geração de Magic Beauty.

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"Daqui a pouco, ela será capaz de conversar com as pessoas, abraçar e responder ao sexo", explicou. "Pessoas de idade fazem sexo com garotas novinhas; este robô impedirá que façam coisas erradas, pois atenderá suas necessidades. Será uma mão na roda."

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Será que chegaremos a um ponto em que, na sociedade chinesa e além, ter um desses produtos não será mais considerado um tabu? Dr. David Kreps, palestrante sênior da Escola de Administração Salford, na Inglaterra, disse que é só uma questão de tempo.

"Assim como a pornografia impulsionou o desenvolvimento da internet, robôs sexuais provavelmente impulsionarão o desenvolvimento de robôs domésticos." "Provavelmente, logo haverá uma explosão de demanda para tudo quanto é variação dessa tecnologia."

"Em suma, são brinquedos sexuais de alta tecnologia", acrescentou. "A sofisticação dos robôs jamais vencerá o toque de um amante. Contudo, seu uso e aceitação social tendem a colaborar com a revolução sexual, em curso desde a década de 1960, libertando pessoas para curtirem seus corpos de maneiras que costumavam ser mal vistas."

Xiao e Magic Beauty.

Se a trajetória do desenvolvimento de brinquedos sexuais de alta tecnologia seguir mesmo o rumo que Kreps e muitos outros figurões da indústria esperam, quem sabe? Talvez, em breve, veremos uma versão da Magic Beauty sentada em uma cadeira, na porta de uma loja 5S, em tudo quanto é canto da China.

"Já faz um bom tempo que as pessoas têm acesso a comida boa e roupas boas, mas não há tantas opções para diversão", disse Xiao. "Trabalho com novas tecnologias, e acredito que representam o futuro."

E com esse mote, entuchou o instrumento de estímulo USB de volta na gaveta.

TÓPICOS: companheiras humanóides, robôs, China, bonecas sexuais, máquinas, tabu, robôs de serviço, trabalho, reportagens

Tradução: Stephanie Fernandes