Construir mais prisões resolve o problema da violência?

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Construir mais prisões resolve o problema da violência?

A resposta não é tão simples quanto parece.

Desde o começo de 2017, o sistema prisional brasileiro está nos centro das atenções. Confrontos entre facções criminosas e rebeliões de presos no Amazonas e no Rio Grande do Norte trouxeram à tona mais uma vez a questão do encarceramento e de sua eficácia. Afinal: como lidar com a violência de nosso país? Será que estamos punindo pouco? Ou que o nosso sistema de punições simplesmente não funciona?

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Não há vagas

Construir mais presídios é sim necessário, mas não porque é a melhor solução para lidar com a criminalidade. O Brasil tem um déficit de vagas de, aproximadamente, 210 mil vagas. Por conta dessa discrepância é que vemos celas que mais parecem gaiolas, abarrotadas de gente. Já que não se pode enviar os condenados a presídios propriamente ditos, muitos acabam cumprindo a sentença no xilindró da delegacia. Um dos problemas é que os DPs não estão preparados para receber os meliantes e os policiais têm de fazer as vezes de carcereiro, função para a qual não estão capacitados.

Os números não mentem

Muita gente diz que a solução para o crime é mandar a galera para trás das grades sem dó. Chega-se a sugerir que um dos problemas do Brasil é que pouca gente vai presa. Isso é relativo. Temos a quarta maior população carcerária do mundo: 622 mil detentos. De 1995 a 2010, o número de presos subiu 136%. E os índices de violência, o que aconteceu com eles? Só aumentaram, claro. Como 60 mil homicídios por ano, somos o recordista mundial em número de assassinatos. Em 2014, atingimos o índice de 29,1 homicídios para cada 100 mil habitantes, o maior da história do Brasil.

Ineficiência do outro lado do muro

Um importante fator a ser levado em conta é qualidade dos presídios brasileiros. Dificilmente uma pessoa sai "reabilitada" depois de um período encarcerada. Além das celas apertadas, as condições de higiene e de alimentação são ruins; há poucas opções de lazer e trabalho para os detentos. E, para piorar o cenário, o "outro lado do muro" se tornou o local perfeito de recrutamento para facções criminosas. A garantia de proteção e certos luxos atrai os condenados, que engrossam as fileiras dos grupos. O dinheiro destinado aos presídios não é pouco: segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, foram R$ 4,9 bilhões de reais, um gasto entre R$ 2.5000 e R$ 3 mil por preso. A pergunta sem resposta é: esse dinheiro está sendo mal gerenciado ou é insuficiente?

Para além das grades

A situação é difícil: faltam vagas e as condições nos presídios são "medievais", segundo a ONG internacional Human Rights Watch; uma vez lá dentro, o detento corre risco de morrer e pode ser cooptado por gangues (o que aumenta as chances de que ele vá cometer novos crimes quando sair). O que fazer então? Uma solução possível seria impor penas alternativas como, por exemplo, o uso de tornozeleira eletrônica, medidas socioeducativas e até a prisão domiciliar. Isso, claro, apenas nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, que representam 20% das condenações. Ainda no rol dos crimes "menos sérios", 14% das pessoas condenadas cometeram furto.

Vender é a solução?

Tem quem defenda que a solução é tirar o xilindró das mãos do estado e passá-lo à iniciativa privada. Dessa maneira, o dinheiro público não seria desperdiçado e haveria uma eficiência maior na gestão de todos os aspectos da vida prisional. A julgar pela experiência do Amazonas, a privatização só piorou as coisas. Peritos ligados ao Ministério da Justiça disseram que os erros cometidas pela gestão privada no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, facilitaram o massacre que ocorreu ali. A empresa responsável por administrar o local teria contratado funcionários despreparados e permitido que as facções criminosas se organizassem em alas, o que facilitou o conflito entre elas. O único presídio 100% privado do país, Ribeirão das Neves, afirma que não teve nenhum caso de violência. Ainda assim, lá o número de presos é bem menor e, antes de encaminhar os presos para lá, há uma triagem: membros de facções, tidos como mais violentos, não são aceitos. É difícil imaginar um modelo próspero assim num cenário em que as facções dominam todos os presídios do país.

Diogo Antonio Rodriguez é jornalista e editor do meexplica.com. Na coluna Motherboard Destrincha, ele resume os assuntos mais intrincados da ciência e da tecnologia. Siga-o noTwitter.