Scott Schiller/ Flickr
Quando boto meus fones, o burburinho do metrô vira um oásis de calmaria. Essa é a forma como a tecnologia sempre fez sentido para mim: não como uma barreira entre meu ser e o mundo, e sim como um amortecedor, uma fuga temporária.Hoje a maioria da tecnologia móvel é vista de forma inversa. Para muitos de nós, as telas brilhantes dos smartphones são feitas para distrair. Servem como excesso escapista, uma forma de alimentar a introspecção.Mas agora, com o lançamento do Apple Watch — um objeto preso ao pulso para informar coisas —, acredito que estamos prestes a entrar em uma nova era de distração e de comportamento antissocial.O intelectual Michael Bull já falou disso antes – não sobre o Apple Watch, mas sobre como o iPod e o Walkman mudaram nossa forma de interagir uns com os outros. Ele sugeriu que o áudio individual, via fones de ouvido, permite criarmos "bolhas auditórias" que nos separam do ambiente e fomentam o comportamento antissocial.Pouco tempo atrás, John Hermann, do The Awl, previu que o Apple Watch será bem-sucedido não por causa de seus aplicativos ou características bacanas, mas por "criar novos mundos de isolamento para quem os utilizar".A teoria até que faz sentido, mas acadêmicos como Nick Prior apontam que o fenômeno não é tão simples assim. Prior relatou que os usuários de iPod e Walkman usavam as tais bolhas auditórias de forma estratégica, usando a música não só como uma espécie de trilha para a monotonia da cidade, mas também como uma maneira de se livrar do barulho, da distração e do restante da massa humana.Em outras palavras, afirma Prior, não é a tecnologia que separa as pessoas; na verdade, ela nos dá controle sobre as novas condições do urbanismo. Um par de fones de fato ajudou as pessoas a burlar o excesso de interação social das cidades modernas.Independentemente disso, teve gente que começou a se preocupar que o Apple Watch fosse capaz de amplificar o pior da era digital da distração. A Era das Notificações, no fim das contas, chegou pra ficar: cada serviço e aplicativo, do email às incontáveis redes sociais, nos bombardeiam com notificações a cada minuto. O fluxo incessante é o padrão.Mas fico pensando: e se o Apple Watch oferecer uma pausa estratégica às condições da Era das Notificações?No The Atlantic, Ian Bogost sugere que o Watch é uma espécie de graxa para as rodas da máquina capitalista: a Apple fabrica bilhões de telas, que se acendem com notificações do Facebook, Twitter e organizações de notícias – possivelmente com rumores sobre o próximo iPhone. É um ciclo vicioso de tecnologia e informação digitais, e o Watch só intensifica a circularidade de tudo, colocando-nos em ciclos cada vez mais apertados de consumo em que a tecnologia gera informações que precisam de… mais tecnologia.É verdade até o momento que o relógio inteligente, e em especial o Apple Watch, parecem feitos para ampliar o absurdo da situação em vez de resolvê-la. Em sua resenha do dispositivo, Joshua Topolsky, da Bloomberg, reclamou que seu pulso vivia emitindo barulhos, alertas vibratórios e notificações. Mas controlar quais bipes você permite é algo muito mais simples do que Topolsky dá a entender. Você pode desligá-los.De certa forma, a reclamação de Topolsky é como dirigir um carro de janelas abertas e, ao avaliar a experiência, reclamar que está ventando demais. O Apple Watch talvez permita alertas sem limites, mas também possibilita pouquíssima intrusão em relação a um smartphone ao deixar algumas das notificações apenas no celular e sem desligá-las por completo. O Watch, então, pode agir como filtro. Ele diferencia uma mensagem da sua namorada ou um email do seu chefe de um alerta de um aplicativo fitness, separando mental e fisicamente o importante e o supérfluo.É possível também que nenhuma notificação seja o ideal. Como o próprio cenário urbano, a tecnologia sempre é ambivalente; sempre boa e ruim. O Walkman e o iPod podiam ser usados para fins diferentes: para evitar pessoas e também para controlar a experiência urbana. Do mesmo modo, se abandonássemos as notificações, talvez também desistíssemos de um mundo de descobertas, conexões e informações. Esse é o trato digital que caiu no nosso colo. Na ausência de uma revolução global em que invadiremos os escritórios do Facebook e desligaremos seus servidores, um filtro de notificações parece ser uma solução melhor do que não ter nenhuma.O que precisamos é de uma tecnologia que possa ser usada para reduzir o desejo – e o Watch não é um mau começo. O que o relógio da Apple oferece, acima de tudo, é restrição: no tamanho da tela, na duração de bateria, nas funcionalidades. É uma tecnologia que permite uma pessoa minimizar a Era das Notificações – ao desligar os alertas ou personalizá-los de forma que soem apenas por meio de ligações importantes. O relógio pode armar barreiras entre você e as notificações; entre você e o smartphone; entre você e a Era da Distração.Com certeza há um elemento de "solucionismo" aqui – aquele termo usado por Evgeny Morozov para se referir à busca de uma solução tecnológica quando talvez ela não seja necessária. Mas o que o exemplo do Walkman e iPod sugere é que a tecnologia não corrompe um estado ideal, arruinando, por exemplo, a calmaria da ida ao trabalho com fones de ouvido; ele dá a entender que a tecnologia muitas vezes é uma reação a uma série de circunstâncias que a própria tecnologia criou.É possível, então, que um relógio inteligente ofereça algum controle sobre nossas notificações a fim de torná-las úteis novamente? O Apple Watch talvez não seja esse aparelho. Talvez ele seja mágico demais – ele tem aquele DNA da Apple que nos induz ao uso compulsivo – para funcionar como uma maneira de controlar o desejo de distração. Mas talvez o conceito do relógio inteligente faça isso no futuro: dentro da limitação de sua tela, no espaço entre o pulso e o bolso, possamos encontrar uma barreira entre nós mesmos e um mundo feito para nos distrair incessantemente.Tradução: Thiago "Índio" Silva
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E se o Apple Watch oferecer uma pausa estratégica às condições da Era das Notificações?
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