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Tecnologia

​Como funciona o grampo de telefone da Polícia Federal?

O Snowden bem que avisou: se Dilma Rousseff ou Lula tivessem usado um aparelho criptografado, ninguém teria ouvido suas conversas.
Crédito: Agência Brasil

Ontem (16), depois do anúncio de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiria o cargo de novo Ministro da Casa Civil, o juiz federal da Lava Jato, Sérgio Mouro, determinou quebra de sigilo das interceptações telefônicas entre o ex-presidente e Dilma Rousseff. O resto, bem, você já sabe.

Não foi a primeira vez que a presidente Dilma teve suas ligações espionadas. Como bem lembrou hoje o ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla original) Edward Snowden, há três anos o órgão americano estava de olho nas fofocas da presidente pelo telefone. Na época o ato foi repudiado pelo governo brasileiro, os EUA se desculparam mas, ainda assim, Dilma e seu partido não aprenderam a proteger o sigilo de suas chamadas telefônicas. "Ela continua fazendo ligações sem criptografia", tuitou Snowden, em tom ácido.

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"Going dark" is a fairy tale: 3 years after @dilmabr wiretap headlines, she's still making unencrypted calls. #opsec pic.twitter.com/ldxCsS4JdO
— Edward Snowden (@Snowden) 17 de março de 2016

Desta vez, o descuido com a segurança teve seu preço. O conteúdo das ligações divulgadas por Moro agitou os ânimos da crise política brasileira e sua divulgação dividiu opiniões sobre sua legalidade. (Segundo a lei 9.296 de 1996, ligações podem ser monitoradas durante apurações de infrações penais por meio de uma ordem judicial, mas segundo o artigo 9° da mesma lei, após as investigações, as ligações que não servirem como provas devem ser inutilizadas.)

Mas, juridiquês à parte, como o grampeamento é feito na prática?

Bem, é justo dizer que tudo passa pelas operadoras.

São elas que, após a determinação judicial, recebem a ordem de grampeamento e passam a monitorar ligações. A interceptação, então, é feita por meio de softwares desenvolvidos por empresas de tecnologia. Segundo o perito em tecnologia da informação e especialista em crimes cibernéticos Sidney de Paula, cada operadora tem um programa específico. "Cada operadora tem o seu programa de áudio. Empresas desenvolvedoras de softwares fazem isso, é tudo legal, não existe software pirata, mas são específicos", comenta.

O diretor do Instituto Brasileiro de Peritos, Giuliano Giova, explica que a PF não realiza interceptações, mas sim utiliza sistemas, como o Sistema Guardião, da empresa de inteligência Digitro, para receber e armazenar os arquivos. Famoso no país desde o começo da década passada, o software é capaz de grampear centenas de linhas simultaneamente. O funcionamento é simples: assim que chega a ordem judicial para interceptar, as operadoras enviam os dados e a voz para o sistema em posse das autoridades. Segundo a fabricante, o programa não pode ser comercializado para instituições privadas e, assim que a operação de grampo é desativada, o back up das escutas é destruído. "Além disso proporcionam facilidades para análise desse material e emissão de laudos e cópias para fins forenses", completa Giova.

Hoje o computador facilitou muito a vida dos investigadores. O pesquisador em segurança digital José Damico explica que basta digitar o número da linha telefônica a ser interceptada pelo software, colocar uma senha e preencher um campo de justificativa e, voilà, todas as ligações serão gravadas. É de supor então que, assim que a assessoria da presidente Dilma discou o número do celular para falar com Lula, a ligação já estava sendo monitorada. O mesmo vale para as ligações que eram recebidas, uma vez que o sistema de monitoramento funciona nas duas vias e também coleta todo tipo de ligação.

Mas e se Dilma tivesse seguido os conselhos de Snowden e usasse um aparelho criptografado? Segundo Damico, poderia ter evitado muita dor de cabeça. "O áudio seria entendido como um ruído, então precisaria de uma chave para decriptar em tempo real para escutar", diz. Para obter o conteúdo das ligações, a PF precisaria solicitar uma chave capaz de decriptar os áudios e teria muito mais trabalho para tornar o som audível. "Dado as influências do PT, era para eles estarem mais espertos com isso", opina.

Segundo os especialistas ouvidos pelo Motherboard, o processo da telefonia digital deixou os grampos muito mais fáceis de realizar do que, digamos, vinte anos atrás. Antes da dominação do celular, os telefones eram grampeados com as próprias mãos. O espião tinha que subir no poste e, literalmente, grampear os fios: os do telefone eram colocados em contato com os dos espiões, que conseguia ter acesso a tudo que era falado. Não existe registro da primeira ligação interceptada da história, mas os serviços de inteligência e espionagem interceptam telecomunicações desde pelo menos a Primeira Guerra Mundial.

Ainda assim, dizem os especialistas, os peritos sempre foram capazes de identificar as ligações grampeadas. Nos tempos do telefone fixo, Damico conta que era possível saber só de ouvir com atenção. "Quando você faz uma interferência faz um pequeno som por causa dos contatos que às vezes não são bem feitos", diz. Já hoje, segundo o perito Sidney de Paula, existem programas e aplicativos que podem delatar a interceptação. Mas um bom perito consegue identificar o grampeamento pela voz, afirma. Como? "Isso eu não posso revelar", diz, rindo.