Brasileiras combatem violência de gênero com nudes criptografadas e apps de táxi
Os projetos vão de espaço hacker, app de táxi com motoristas mulheres e guia para mandar nudes com segurança. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

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Tecnologia

Brasileiras combatem violência de gênero com nudes criptografadas e apps de táxi

Mulheres usam cultura hacker e tecnologia para acabar com assédio e abuso contra o sexo feminino.

Com os inúmeros relatos que pipocam na internet sobre assédio e abuso sexual em táxis e Ubers, três amigas apaixonadas por tecnologia se juntaram para elaborar o Delas, aplicativo que permite apenas motoristas e passageiras mulheres. "Uma de nós trabalhava numa casa de eventos e, ao sair do local de madrugada, passava por sufocos", relata a designer Marina Kashiwagi, de 24 anos.

Com previsão de lançamento para o primeiro semestre de 2017, o app rodará em Android e iOS, mas ainda precisa de investimentos para arcar com custos de produção. Enquanto isso, as três criadoras – todas com menos de 25 anos – disponibilizam um número de WhatsApp para quem quiser os serviços na cidade de São Paulo. "Temos um grupo de motoristas mulheres que recebem as solicitações de corrida. Assim podemos provar que a ideia funciona na prática", diz Marina.

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Marina Kashiwagi, uma das fundadoras do app Delas. Crédito: Divulgação

Nas últimas décadas, 4.500 mulheres foram assassinadas anualmente no Brasil, de acordo com o Mapa da Violência. Os dados assustam ainda mais quando a violência sexual entra em pauta: a cada 11 minutos uma brasileira é estuprada, aponta o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2015, mais de 50 mil sofreram estupros, segundo o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Os números aterrorizantes são corroborados hoje por depoimentos publicados nas redes sociais. No ano passado, a hashtag #meuamigosecreto foi utilizada por mulheres de todo o país para relatar casos chocantes de assédios e abusos.

É pela internet que a organização experimental de tecnologia Coding Rights lançou o Safer Nudes – Guia Sensual de Segurança Digital, fanzine online que ensina técnicas e macetes para enviar fotos sem correr o risco de cair na net. "Fazer e mandar nudes é um direito e também pode ser uma prática de resistência prazerosa contra o machismo", detalha a publicação. Nela, aplicativos que pixelizam o rosto, editam metadados de localização, enviam arquivos criptografados e que avisam se alguém fez um print da nude enviada são esmiuçados para que até mesmo a mais incauta das usuárias entenda e possa se sentir mais segura.

Ilustração do fanzine Safer Nudes. Crédito: Ana Pands

Se escafandrar as possibilidades tecnológicas foi por muito tempo um acesso proibido para boa parte das meninas e mulheres, iniciativas feministas têm chegado com os dois pés na porta para mudar esse cenário. É o caso do MariaLab, espaço hacker em São Paulo cujo objetivo é "encorajar, empoderar e unir mulheres através do interesse pela cultura hacker", conforme descrição no Facebook. Em 2015, inclusive, o Motherboard entrevistou suas criadoras. Além da segurança, o foco do projeto é fazer com que as mulheres sintam-se confortáveis para fazer ajustes e melhorias em suas próprias máquinas, sem depender de técnicos estranhos em suas residências – que, geralmente, são homens.

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No próximo mês, também na capital paulista, o projeto CriptoSampa irá ministrar uma oficina de segurança na comunicação para mulheres que surgiu "da necessidade de debater temas de interesse específicos, assim como de criar um ambiente acolhedor para apresentar conceitos de tecnologia da informação básicos e avançados", informam a cientista social Fernanda Becker, 27, e a jornalista e ativista Patricia Cornils, 49.

Para elas, as construções sociais ainda afastam as mulheres das áreas de tecnologia da informação e engenharia. "E criam, muitas vezes, ambientes hostis à participação feminina", relatam.

A cada 11 minutos uma brasileira é estuprada, aponta o Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A preocupação no combate à violência é também prevenção. Enquanto o ativismo protagonizado para e por mulheres acontece dentro e fora das redes, a colaboração ainda se faz necessária.

Depoimentos de agressões, hostilidade e dificuldade por parte de empresas e estabelecimentos em lidar com casos de abuso impulsionou garotas paulistanas a fazer uma planilha colaborativa denunciando bares e baladas machistas. O documento traz mais de 90 estabelecimentos seguidos por relatos de assédio e abuso por parte de clientes e funcionários.

Iniciativas tecnológicas partem também das esferas governamentais. Recentemente, a Secretaria de Segurança Pública do Piauí (SSP-PI) anunciou que irá lançar o aplicativo Salve Maria para denunciar casos de violência contra a mulher. "Queremos que ele tenha uma linguagem simples, que registre áudio, fotos, vídeos e que a denúncia possa ser feita de forma totalmente anônima", declarou a delegada Eugênia Villa, diretora de gestão interna da pasta.

A data de lançamento do aplicativo é simbólica: 8 de março do próximo ano, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher.