O YouTube virou a plataforma favorita para muitos jovens se assumirem LGBTQ

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O YouTube virou a plataforma favorita para muitos jovens se assumirem LGBTQ

Falamos com youtubers brasileiros sobre como o site de vídeos ajudou na tour de comunicarem suas sexualidades longe de conflitos, temores e preconceito.

Em um país onde cresce a violência contra os LGBTQs e onde mais se mata transsexuais no mundo, não é fácil se assumir lésbica, gay, bissexual, trans ou queer. Como se não bastasse o medo de agressões, a estigma e o preconceito muitas vezes impedem as pessoas de falarem sobre o assunto ou tornam as experiências de contar para outro sobre a sua orientação sexual como algo traumático.

Por causa dessa triste realidade que parece estar longe de acabar, a comunidade LGBTQ faz do ambiente digital, sobretudo o YouTube, um caminho esclarecedor para afastar conflitos, temores e preconceito. É por lá também que crianças, jovens, adultos, mulheres e homens têm lidado melhor com o reconhecimento de uma nova identidade e orientação sexual.

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A plataforma reflete os debates da sociedade. Durante a semana do orgulho LGBTQ, o YouTube dedica uma home exclusiva a vídeos de criadores da comunidade mais colorida da internet, recomendando vídeos diversos produzidos por gay, lésbicas, transsexuais que estão gerando conteúdo para ressoar a importância de se reconhecer LGBTQ. "Muitos canais que se dedicam a temática LGBTQ fazem isso com muito cuidado e muito respeito", diz Cauã Taborda, gerente de comunicação do YouTube Brasil. "A web tem poder educacional muito grande e acreditamos que é possível realizar transformações com vídeos, sim. Os youtubers têm esse papel."

Aproveitamos o momento de visibilidade para conversar com alguns dos youtubers que representam a comunidade LGBTQ e questionamos como é a relação deles com audiência, preconceito e sexualidade fora das câmeras.

Muro Pequeno - Murilo Araújo

O Murilo se apresenta como bicha negra cristã e militante. Com mais de 1,5 milhão de visualizações nos vídeos de seu canal Muro Pequeno, ele conta que a internet e o YouTube são lugares que conseguem dar espaço a vozes que sempre estiveram fora das mídias tradicionais. "No caso da comunidade LGBT, a gente viveu anos se vendo representado nas mídias apenas como caricatura ou a partir de um estereótipo negativo, distorcido. No YouTube, a gente consegue multiplicar essas histórias, falando por nós mesmos, explorando a nossa diversidade e desfazendo esses estereótipos", diz.

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Murilo relata que a discussão sobre gênero e sexualidade tem sido tão intensa e tão complexa na internet hoje que a grande mídia não tem mais condição de ignorar o assunto ou de tratar o tema de forma rasa. "A gente tá aí pra cobrar e pra movimentar o debate de forma ampla. E isso é importantíssimo", diz. A conexão que o canal tem com a galera mais jovem permite que o youtuber entenda a empolgação de muitos. Ele sabe o quanto teria sido importante esse tipo de conteúdo quando era adolescente. "Estava vivendo as minhas crises, sem ter nenhum tipo de referência, sem ter ninguém com quem me identificar", confessa.

O canal surgiu como consequência dos incômodos que Murilo sentia sobre a militância na internet. "Me perguntava por que a gente não estava fazendo alguma coisa pra ampliar ou democratizar aquelas discussões, até fazer com que a própria universidade pudesse amadurecer um debate aberto com a sociedade, sabe?"

Na época, o youtuber acompanhava religiosamente os vídeos da Jout Jout e o Canal das Bee, grandes exemplos de criadores que falam de temas (com e para os) LGBTQs. Ele conta que sua impressão era que "havia alguns temas e debates que acabavam um pouco fechados dentro da bolha desses círculos, sem que houvesse muita preocupação em expandir isso". Assim surgiu o Muro Pequeno.

Em tempos que o alcance do canal vai aumentando, Murilo diz que todos os dias chegam comentários, emails, mensagens de seguidores, pessoas LGBTQ que estão se descobrindo ou começando a lidar com a própria sexualidade ou identidade de gênero, pais e mães que estão tentando entender os filhos, professores que resolveram usar os vídeos pra debater sexualidade, gênero e raça em sala de aula. "É muita coisa", afirma, feliz. O resultado permite que o criador de conteúdo fique satisfeito em saber que o trabalho está provocando efeito bacana na vida das pessoas "Isso é a coisa mais gratificante que há nesse mundo."

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PenseGeek - Mariana Delveccio

Aos 22 anos, Mariana, também conhecida como Satty, é youtuber, cosplayer, sonserina, filha de zeus e digiescolhida. Acha pouco? Seu canal, o PenseGeek ultrapassa os 595 mil inscritos, com mais de 46 milhões de visualizações, aproximadamente. Entre as centenas de vídeos voltados ao mundo geek e suas façanhas, Mariana fala abertamente de sexualidade, religião e um de seus vídeos ela esclarece sobre a sua orientação sexual: a bissexualidade.

"Sempre fui aberta sobre minha vida pessoal mesmo antes de ser youtuber. Para mim, se a pessoa tivesse qualquer problema comigo por ser bissexual, ela não deveria ser minha amiga. Me apresento como completo e é como uma peneira de pessoas que devem ficar perto de mim", expõe Satty.

Delveccio toma partido para falar com a comunidade LGBTQ e o público ligado ao movimento nerd porque entende que a exposição, informação e representatividade estão ligadas. "O YouTube, assim como outras mídias, é um meio de comunicação, um canal aberto onde podemos nos expressar e conversar", diz. Seu empenho é mostrar que os LGBTQ existem, que as pessoas não estão sozinhas e que isso é mais do que normal.

Para Mariana, o que contribui no combate à homofobia se dá quando outros youtubers não LGBTQs se conscientizem em não fazer piadinhas, procuram se informar mais e ter contato com as pessoas da comunidade. Satty recebe muitas respostas do público de como os vídeos são benéficos para quem assiste, e mostra que é especialmente mágico. "É o que faz tudo valer a pena", diz.

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FerEscarião - Fernando Escarião

O Fernando Escarião é um youtuber que vem conquistando os jovens com suas peripécias no universo LGBTQ. Seus vídeos são recheados de bordões que ele mesmo cria, todos com base na cultura POP e pitadas do pajubá, o dialeto gay. Seu canal está na casa dos 450 mil inscritos, com mais de 20 milhões de views.

Fer, assim conhecido pelo seu fandom, o bonde, se inspirou em fazer vídeos assistindo por outros youtubers também e arriscou criar alguns vídeos, mas foi no Vine que ele botou a cara no sol primeiramente. Depois, conseguiu mais visibilidade com a sua turma. "Voltei a gravar para o YouTube. Quando eu me assumi para a galera que eu era gay, a coisa começou a funcionar. Comecei a ter mais seguidores e mais visibilidade", conta.

Escarião atesta que sua vida é aberta e tudo se reflete na criação dos vídeos. "Conto as minhas experiências desde o começo, desde quando foi o primeiro contato com a pessoa do mesmo sexo, como foi contar para a minha família, viver abertamente isso dentro na sociedade. Me impor como pessoa acima de tudo. Acho muito importante para a causa LGBT ter essa representatividade, saber que tem alguém ali que faz e consegue se impor, de uma maneira que muitas vezes tem uma galera que não consegue, está reprimida dentro de casa e sem conseguir existir de verdade", diz. "Isso contribui muito, essa injeção de autoestima, e dizer que a gente pode, somos capazes e devemos nos mostrar pro mundo."

O youtuber entende que, assim como o racismo, é impossível eliminar a homofobia. "Vamos levar pro resto da humanidade, mas podemos galgar um espaço onde podemos mudar a mente de algumas pessoas, fazer o mundo um lugar um pouco melhor, naturalizar a coisa, porque antes, para muitos, não era natural." Fernando afirma que a exposição faz com que a representatividade, mesmo que pouca, na televisão, na mídia, de gays, de lésbicas, de transsexuais e travestis coopera com a comunidade e que esse espaço permite "mudar a mente das pessoas conservadoras e ignorantes".