​Paris É uma Prévia de Nosso Futuro Violento, Militarizado e Quente
Manifestantes sendo contidos pela polícia em Paris no último fim de semana. Crédito: AP

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​Paris É uma Prévia de Nosso Futuro Violento, Militarizado e Quente

Como a mudança climática, o terrorismo e a detenção de ativistas estão conectados à conferência global do clima na capital francesa.

Desde o começo da semana, líderes de 190 países estão reunidos em Paris a fim de firmar um acordo que desalecere o aumento na temperatura global. Poucos dias antes, 24 ativistas foram colocados em prisão domiciliar depois que o governo francês baniu atos públicos. Duas semanas atrás, terroristas ligados ao Estado Islâmico executaram um ataque coordenado nas ruas de Paris. Duas semanas antes disso, vale lembrar, estávamos no mês mais quente já registrado.

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Todos esses eventos estão interligados, acredite.

A 21ª Conferência do Clima (COP21) começou com os discursos de chefes de estado como o presidente americano Barack Obama, o presidente chinês Xi Jinping, o Primeiro-Ministro da Índia Narendra Modi e, no papel de anfitrião, o francês François Hollande. O objetivo é que cada país assuma compromissos capazes de impedir que as temperaturas globais subam mais que 2 ˚C em relação aos índices pré-industriais. Segundo muitos estudos, as temperaturas aumentaram quase 1˚C por causa das nossas emissões de carbono.

Independentemente dos resultados que a conferência possa ter, ela já gerou uma prévia microcósmica de um futuro assombrado pelo aquecimento global: governos que lutam para conter uma ameaça ecológica, temperaturas que aumentam rapidamente e uma inquietude social prestes a virar violência.

"Venho aqui no papel de líder da maior economia do mundo para dizer que os Estados Unidos não só reconhecem seu papel na criação desse problema, como tomamos para si a responsabilidade de fazer algo a respeito", disse Obama no discurso de abertura em que destacou a responsabilidade dos EUA de grande parte do aquecimento.

"Nunca houve tanto em jogo porque isso é sobre o futuro do planeta, o futuro da vida", declarou o presidente francês Hollande. "E mesmo assim, há duas semanas aqui mesmo em Paris, um grupo de fanáticos semeava morte pelas ruas."

Não dá para saber se Hollande tinha a intenção de fazer tal ligação direta entre os fatos, mas a realidade é que, por mais trágicos e sem sentido que sejam, os atos recentes de terrorismo são tristemente instrutivos.

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Há um motivo pelo qual o Pentágono considera o aquecimento global um "multiplicador de ameaças": o fenômeno é apto a desestabilizar regiões com secas mais longas, temperaturas maiores e alta no nível do mar. Isso, claro, aumenta a probabilidade de conflitos.

O aquecimento global motiva migrações em massa e rupturas sociais. É um multiplicador de ameaças. É razoável afirmar que o caos climático torna futuros Estados Islâmicos mais prováveis.

Pesquisas ligaram a guerra na Síria, de onde veio o EI, ao aquecimento global. Secas pioradas pelo aquecimento levaram os agricultores aos centros urbanos em busca de trabalho, onde a fome, miséria e inquietação acenderam o pavio do conflito. Não que não existisse EI sem aquecimento; a conta não é tão simples. Mas é um multiplicador de ameaças. O caos climático motiva migrações em massa e rupturas sociais. É razoável afirmar que aquecimento global torna futuros Estados Islâmicos mais prováveis.

Bernie Sanders se viu em meio a ataques de republicanos quando disse que não só o aquecimento global era "a maior ameaça à segurança nacional" nos primeiros debates democratas, como reforçou o discurso após os ataques terroristas em Paris. "De fato", disse, "o aquecimento global está ligado diretamente ao crescimento do terrorismo".

O Politifact comentou sua precisão. Talvez o uso da palavra "diretamente" tenha ido longe demais em questões semânticas, mas, em linhas gerais, ele está certo. "Se não dermos um jeito e ouvirmos o que os cientistas estão afirmando, veremos países pelo mundo todo – isto é o que a CIA diz – brigando por quantias limitadas de água e de terra para cultivo. E então veremos tudo que é tipo de conflito internacional", afirmou Sanders.

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Os tais conflitos devem chegar a locais ricos e historicamente seguros como Paris. E os ataques terroristas, ressaltemos, já tiveram impacto nas liberdades civis por lá: primeiro, os protestos planejados durante a COP21 foram banidos. Depois o governo prendeu, como medida preventiva, 24 ativistas que tomariam parte nestes protestos.

"Vinte e quatro ativistas ambientalistas estão em prisão domiciliar às vésperas da COP21 com base nas leis do estado de emergência da França", relata a France 24. A emissora entrevistou dois dos presos, que deram sua versão dos fatos:

"Eles entraram no apartamento com espingardas e rifles de assalto. Foi bastante violento. Colocaram-nos no chão", disse Amélie, jovem garçonete que não quis revelar seu nome completo. "Durou bastante tempo. Não fazíamos ideia de porque estávamos ali."

Os policiais entregaram à Amélie uma medida cautelar lhe informando que não pode mais sair de Rennes. Ela tem que ir à delegacia três vezes ao dia e deve ficar em casa entre 20h e 6h.

A medida vale até 12 de dezembro, o dia em que a COP21 chega ao fim.

Milhares de parisienses protestaram durante o final de semana, a grande parte de forma pacífica. Eles deram de cara com a polícia em trajes de choque, que, após um confronto, usou gás lacrimogêneo e sinalizadores para dispersar a multidão; 200 pessoas foram presas.

Reafirmarei: o aquecimento global não é responsável direto por essa violação das liberdades civis. Mas a situação em Paris deve servir como exemplo de um novo momento: mais quente, mais volátil e menos seguro. Então, sim, o aquecimento global pode mesmo levar à restrição de direitos em democracias ricas. Pode acontecer, sim. E agora podemos ver exatamente como.

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É compreensível que as autoridades francesas estejam muitíssimo preocupadas com um possível ataque no momento em que reúne diversos líderes mundiais. Mas executar uma lei para impedir um protesto público – leis que alguns críticos estão chamando de leis "pré-crime" – parece uma falácia semelhante a uma bola de neve.

"Penso que o governo está reprimindo mesmo gente que ousa se opor ao governo", declarou à Al Jazeera Muriel Ruef, advogado de um dos presos. "É a primeira vez em muito tempo que vejo algo assim."

Ativistas que não foram restringidos pela prisão domiciliar deram um jeito de driblar a lei anti-protestos: colocaram milhares de pares de sapatos na rua em que a grande marcha ocorreria, por exemplo. Ao redor do mundo, milhares de pessoas marcharam em solidariedade aos manifestantes.

Noticiários rotularam os procedimentos como "tensos". Ao mesmo tempo, relataram, o espectro da violência e o aparato de segurança seguem a postos por ali. Talvez, tristemente, seja o certo. Talvez o clima de tensão sirva para sublinhar a extensão real da ameaça existencial que é o aquecimento global.

O mundo está a prestes mudar radicalmente. Climatologistas temem que, ao final do século, grandes áreas do Oriente Médio aquecerão ao ponto de serem inabitáveis, porções gigantescas de países como Bangladesh e diversas ilhas-nação ficarão completamente submersas, enquanto a seca destruirá a África Subsaariana. Tais catástrofes espalharão caos e instabilidade.

A conferência pode ser beneficiada por um quê de urgência também. Acontece em meio a um cenário político caótico e no ano que pelo visto será o mais quente da história. No momento, a lista de compromissos a serem assumido, não limitariam o aquecimento em 2˚C, número que muitos cientistas afirmam já ser alto demais.

"Qual melhor jeito de lidar com aqueles destruiriam nosso mundo do que guiarmos nossos esforços para salvá-lo?", disse Obama durante seu discurso. Isso significa salvar tudo, porém: nossas cidades das marés crescentes e, por ora, nossas liberdades do clima de medo.

Tradução: Thiago "Índio" Silva