A sociedade é muito complicada para ser guiada por um presidente, diz matemático
Para o teórico Yaneer Bar-Yam, é um absurdo crer que só um indivíduo pode tomar as melhores decisões acerca de uma vasta gama de questões complexas e interligadas. Créditos: Ted Eytan/Flickr

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A sociedade é muito complicada para ser guiada por um presidente, diz matemático

Para o teórico Yaneer Bar-Yam, é um absurdo crer que só um indivíduo pode tomar as melhores decisões acerca de uma vasta gama de questões complexas e interligadas.

Cerca de dois terços dos norte-americanos acham que o país está no "caminho errado", e na última quinta-feira, antes mesmo deles saberem de quem seria a vitória, o país teria votado pelo candidato presidencial menos popular de todos os tempos. Tanto a esquerda quanto a direita dizem que o governo dos Estados Unidos é ineficaz.

A provável razão? A sociedade é simplesmente complexa demais para que a democracia representativa logre sucesso. Se bobear, os Estados Unidos nem deveriam ter um presidente — pelo menos é o que revela uma análise matemática do Instituto de Sistemas Complexos da Nova Inglaterra (NECSI).

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O NECSI é um centro de pesquisas americano que empresta a matemática de sistemas de física e química — calma, não desista deste artigo ainda — e analisa conjuntos colossais de dados recém-disponibilizados para explicar como os eventos de uma parte do mundo podem afetar confins distantes e aparentemente desconexos.

O diretor do instituto, Yaneer Bar-Yam, ficou famoso por prever a Primavera Árabe semanas antes da onda de protestos. Ele notou que decisões políticas não relacionadas entre si — os subsídios para estimular a produção de etanol nos Estados Unidos e a desregulamentação dos mercados de commodities ao redor do mundo — fizeram os preços dos alimentos disparar em 2008 e 2011. Ao que parece, disse Bar-Yam, há uma forte correlação entre o índice de preços de alimentos das Nações Unidas e o tumulto e as revoltas ao redor do mundo.

Os países listados são aqueles onde ocorreram revoltas relacionadas a alimentos. Os números entre parênteses representam a quantidade de mortes relacionadas à violência. Créditos: Yaneer Bar-Yam

Ao levar em conta o sistema atual de governança do mundo, a conexão entre nossas políticas e a violência global fica bem clara. É um exemplo bem ilustrativo e longe de ser o único: Bar-Yam conseguiu descrever as relações de causa e consequência nos mínimos detalhes pois observou dados e análises bem específicos. Ele focou em seções do "sistema" (que seria a civilização) na tentativa de explicar uma parte do mundo — parte pequena, porém importante.

Portanto, crê o teórico, é um absurdo acreditar que apenas um ou pouquíssimos indivíduos no topo da hierarquia da democracia representativa podem tomar as melhores decisões possíveis acerca de uma vasta gama de questões complexas e interligadas de maneira sensível e não-óbvia, com efeitos abrangentes e inesperados no restante da civilização.

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"Há um processo natural de aumento de complexidade no mundo", explicou Bar-Yam. "E podemos dizer que, em determinado momento, esse aumento de complexidade vai bater de frente com a complexidade do indivíduo. Nesse momento, as organizações hierárquicas irão por água abaixo."

"Crescemos acreditando que a democracia é um sistema com um bem inerente", acrescentou. Mas não é só a democracia que falha. Organizações hierárquicas estão caindo diante dos desafios de tomada de decisões. E isso se aplica a ditaduras, aos Estados comunistas com processos de controle muito centralizados, e às democracias representativas de hoje. Democracias representativas ainda concentram o poder em um ou pouquíssimos indivíduos. E essa centralização de controle e poder de decisão torna os sistemas ineficazes."

A complexidade da sociedade

A complexidade da sociedade vem aumentando desde os primórdios da civilização. Créditos: Yaneer Bar-Yam

A ideia de uma complexidade mensurável e quantificável é uma resposta para a dificuldade em descrever que raios está acontecendo com um sistema. E Bar-Yam diz que a sociedade é como qualquer outro sistema.

Um indivíduo é feito de átomos, que por sua vez compõem células, que por sua vez formam órgãos, e assim por diante. Descrever o comportamento de cada átomo é extremamente complicado; por outro lado, descrever o comportamento dos órgãos é uma tarefa menos árdua — posso afirmar sem pestanejar que o que acontece dentro de mim enquanto digito o texto. Em outras palavras, comportamentos coletivos são inerentemente mais "simples" que comportamentos individuais.

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A analogia se estende aos seres humanos dentro de uma sociedade. Prever o comportamento específico de um operário de fábrica em seu dia a dia seria muito mais difícil que prever como ele e mais outras tantas pessoas montam os carros na fábrica.

"Em organizações humanas, a coordenação ocorre porque os indivíduos influenciam uns aos outros", escreveu Bar-Yam em um artigo, explicando sua hipótese. "Uma hierarquia de controle é feita para que um indivíduo possa controlar o comportamento coletivo."

A governança, assim, é uma tentativa de organizar o comportamento de vários seres humanos individualmente complexos – assim como os átomos mencionados acima – nos moldes de algo mais simples e coerente.

"Na época dos antigos impérios, sistemas humanos de larga escala apresentavam comportamentos relativamente simples, e os indivíduos desempenhavam tarefas relativamente simples, que se repetiam no decorrer do tempo, entre outros indivíduos, gerando um efeito de larga escala", acrescentou ele.

Indivíduo-C é o ponto em que uma pessoa efetivamente não é capaz de tomar decisões. Democracias representativas não são hierarquias absolutas. Contudo, ainda assim, centralizam o poder nas mãos de um punhado de indivíduos (modelo "híbrido"). Bar-Yam sugere que a sociedade precisará caminhar rumo a um processo de tomada de decisões mais grupal para conseguir lidar com a complexidade da sociedade. Crédito: Yaneer Bar-Yam

Em outras palavras, o caráter relativamente simples do mundo daquela época permitiu que uma única pessoa dominasse todos os aspectos da governança. O comportamento coletivo de uma cidade – ou império – nos primórdios da sociedade era facilmente descritível porque todo mundo meio que fazia a mesma coisa.

A questão é que a escala e interdependência da sociedade cresceram muito desde a época dos impérios antigos, bem como sua complexidade. Retomando a analogia biológica, é como se a própria sociedade fosse outrora um organismo simplório, como um micróbio, e tivesse evoluído para algo muito mais complexo, como um ser humano (e muito provavelmente a sociedade ficará ainda bem mais complexa). Isso é mesmo o esperado. As teorias de física sugerem que todos os sistemas ficam mais complexos com o tempo.

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"Ficamos fundamentalmente confusos com o que são decisões e quais são as suas consequências. Não conseguimos ligar os pontos"

Os avanços tecnológicos da Revolução Industrial abriram alas para a automatização de tarefas braçais e diversificaram o leque de tarefas que os humanos podem realizar. A Revolução Industrial trouxe avanços em transportes e frete, conectou partes díspares do mundo; e a internet, os computadores e smartphones fundiram os quatro cantos do globo de vez.

A "sociedade" agora é um sistema – ou organismo – gigantesco, extremamente complexo, e não mais algo de pequenas dimensões, isolado, rudimentar.

Evidentemente, há um número inimaginável de decisões e eventos com efeitos incalculáveis e imprevisíveis em tudo quanto é canto. Foi assim que, no fim dos anos 1990, os Estados Unidos assinaram políticas de etanol que acarretaram em caos global generalizado décadas depois.

Complexidade e presidência

A complexidade do sistema de governo norte-americano precisa se manter no lado certo do limiar entre "sobreviver e falhar". Crédito: Yaneer Bar-Yam

Um escopo de trabalho apresentado pelo às da cibernética Ross Ashby nos anos 1950, base do trabalho de for Bar-Yam, sugere que as organizações começarão a fracassar quando as demandas impostas a elas excederem a complexidade de sua estrutura governamental. As demandas da estrutura não podem ser mais complexas do que a capacidade da(s) pessoa(s) que concentram o poder.

No caso da democracia representativa, espera-se que o próximo presidente norte-americano — com a ajuda de assessores e do Congresso, claro — tome decisões em um ambiente complicado demais para uma só pessoa dar conta. A democracia conforme a conhecemos está agonizando.

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"Não podemos esperar que um indivíduo saiba responder aos desafios do mundo de hoje", disse Bar-Yam. "Fosse um candidato ou outro, democratas ou republicanos, Clinton ou Trump. A pergunta que não quer calar é: seremos capazes de mudar o sistema?"

"Ficamos fundamentalmente confusos com o que são decisões e quais são as suas consequências. Não conseguimos ligar os pontos", acrescentou. "Isso se aplica a todos, não só aos políticos decisores. Ninguém está ciente das consequências de suas decisões."

Bar-Yam propõe um sistema mais horizontal de governança: diversas pequenas equipes se especializam em determinadas políticas e, então, trabalham juntas para tomar as decisões.

"Do jeito que é hoje, uma pessoa diz: 'deixa que eu cuido disso, que as coisas vão melhorar'. E vem outra e diz: 'deixa que eu cuido daquilo, que as coisas vão melhorar'. E acaba que ninguém sabe de nada", disse ele. "Hoje, o grande perigo é a possibilidade de optarmos por estratégias que gerem muita destruição antes de aprendermos a tomar decisões melhores."

Sempre que votar, não pense em explodir o sistema — Bar-Yam defende uma mudança gradual rumo a estruturas governamentais mais horizontais. E que caiam os reis.

Tradução: Stephanie Fernandes