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Tecnologia

A história de amor e obsessão entre memes e crise política no Brasil

Comunicólogos tentam explicar sem usar memes o que ocorre nessa catarse virtual.

A bomba estourou na quarta-feira à noite às 19h30. Nem bem meia hora depois, quando todos digeriam a delação publicada n' O Globo que comprometia o senador Aécio Neves e o presidente Michel Temer, as redes sociais viviam estranha euforia. Nos computadores e celulares, em suas casas e escritórios, todos queriam se expressar. Dentre as mais diversas reações, que iam do desdém à alegria, a maior parte delas acompanhava memes coloridos, toscos, engenhosos ou cômicos. A produção era tamanha que nem o mais obsessivo colecionador dava conta de acompanhar.

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Ainda que em maior escala, o fenômeno não era novo. A produção memética nacional foi vista em todos os momentos da política nacional recente, desde as investigações sobre o Mensalão até os desdobramentos da Lava Jato. Mas por que somos essa, digamos, potência de fabricar memes? O que torna o brasileiro tão aficionado pela arte de criar piadas e mensagens irreverentes em cenários de crise política?

A explicação não tem resposta simples para ser passada, assim, via meme. Mas há muitas pistas. Para o professor de comunicação da Universidade Federal Fluminense e coordenador do Museu de Memes, Viktor Chagas, o que se viu foi parte de uma catarse coletiva. Ele aponta que, na maior parte dos casos, são pessoas tentando processar suas sensações e divulgá-las com adição de suas próprias referências. É, ao mesmo tempo, uma manifestação popular de indignação. "Uma relação entre o lúdico e a discussão política", comentou.

Chagas diz que, diferentemente dos conteúdos virais, em que se vê maior replicação do conteúdo, o meme alia a distribuição em larga escala ao seu aspecto principal: a variação adicionada por cada pessoa. O Brasil possui tradição nesse campo. Um bom exemplo é vomitaço, que teve seu início em 2016 nas páginas de Facebook ligadas ao presidente Michel Temer. Ao verem referência ao políticos, usuários postavam em massa o sticker de vômito. "Esse foi um movimento que surgiu de forma espontânea, apenas depois você teve uma formalização com criação de página, por exemplo", explicou Chagas. Outros exemplos da variedade de formatos e de movimentos, afirma Chagas, são as hashtags #belarecatadaedolar, no Brasil, e o #blacklivematers, nos Estados Unidos.

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Mas é claro que há quem se aproveite do formato para catequizar. Embora os conteúdos de memes muitas vezes sejam espontâneos e gerados a partir de uma indignação coletiva (como visto ontem com a tag #brasiliaofcards), ao mesmo tempo páginas de grupos políticos como MBL e Juntos também tentam produzir suas próprias mensagens nesse formato, uma vez que ela é de fácil acesso e rapidamente consumida. Diante da popularização desse tipo de comunicação, Chagas afirma ser possível encarar com otimismo e pessimismo. "Se por um lado os memes contribuem para a superficialização da discussão política, por outro eles tornam o debate mais acessível e muito mais gente passa a ter acesso ao debate", concluiu.

Com memes, nem tudo é tão sério assim

Para o professor de Comunicação Comparada da Faculdade Cásper Líbero, Luís Mauro Martino, a produção e compartilhamento de memes é uma reação que expressa uma de nossas reações diante de situações de crise. "Uma de nossas reações é o humor e uma das formas de se expressar humoristicamente é o meme", comentou.

Apesar de ser utilizado como divulgação de ideias, na maioria das vezes com humor, Martino destaca que é preciso tomar cuidado e ter olhar crítico diante dos memes. "O meme não tem um caráter noticioso, ele não tem esse caráter de apuração ou factual", diz. Para ele, isso seria tirar a proposta de que este tipo de comunicação tem como objetivo passar uma mensagem rápida e muitas vezes irônica.

Talvez o único jeito de levar um meme a sério seja tirando sua seriedade. E em relação a isso, o brasileiro já provou seu potencial, afinal, já estivemos em pelo menos três "conflitos" internacionais de memes que resultaram em piadas internacionais.