A China está próxima de tirar o dinheiro vivo de circulação

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A China está próxima de tirar o dinheiro vivo de circulação

Especialistas afirmam que primeiro país a introduzir o dinheiro em forma de papel deve ser o primeiro a extingui-lo.

Em um sex shop apertado, no distrito de compras Sanlitun, na Pequim central, na China, uma placa com um QR code está posicionada estrategicamente ao lado de um dildo rosa todo enervado chamado de Super Imperador e uma bomba de clitóris. Basta escanear o código da placa com seu celular e sair da loja com seus itens.

O vendedor de cigarros do outro lado da rua também aceita os pagamentos pelo smartphone. Uma fila rápida de clientes compra cigarros simplesmente passando os celulares por cima de um QR Code em uma placa de papelão.

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Todos os bares do Sanlitun, tanto os desarrumados quanto os refinados, ainda aceitam dinheiro em papel, mas têm aceitado o pagamento sem dinheiro vivo, principalmente por meio dos aplicativos populares WeChat e Alipay, como plataformas principais de pagamento. Os taxistas de Pequim também aceitam pagamento pelo celular.

Alguns dias após esta foto do sex shop em Sanlitun, Pequim, a loja foi demolida, como parte de uma campanha municipal para reprimir as lojas sem as autorizações de construção adequadas. A loja aceitava pagamentos via smartphone. Crédito: Aurelien Foucault.

Ninguém na região aceita dinheiro físico, seja para sex toys ou outras coisas. Motivado principalmente pela tecnologia financeira da China, o aumento dos pagamentos via celular no país mandou o dinheiro vivo para uma lista de extinção, juntamente com o pangolin.
"Hoje praticamente todas as lojas, restaurantes e bares aceitam pagamento por WeChat e/ou Alipay", disse Yuhan Xu, uma pesquisadora de 30 anos de Shangai, que usa seu smartphone para pagar por quase todas as compras desde o início do 2016. "Até uma barraquinha de panqueca aceita", acrescentou. "Não preciso carregar dinheiro comigo."
Muitos especialistas acreditam que, em pouco tempo, a China, o primeiro país a introduzir o dinheiro em papel, será o primeiro a retirá-lo de circulação e se tornar totalmente sem dinheiro físico. Quando será que isso vai acontecer?

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Dos 1,35 bilhões de habitantes da China, 710 milhões são usuários de internet. Os resultados de uma pesquisa feita pelo jornal Beijing Youth Daily, publicada em março, descobriu que, assim como Xu, 70% dos usuários da internet afirmaram, por meio de uma enquete, que carregar dinheiro consigo era desnecessário.

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Os aplicativos que impulsionam a tendência a andar sem dinheiro são o WeChat, do Tencent, e o Alipay, do Alibaba. Lançado em 2011, o WeChat é um aplicativo de múltiplas funções com base em um sistema de mensagens que incorpora elementos no estilo do WhatsApp e do Twitter. O aplicativo é absolutamente popular na China – a maioria dos 889 milhões de usuários ativos do WeChat estão na República Popular. Os usuários chineses de aplicativos como o WeChat não são desestimulados pelo armazenamento de dados pessoais. A espionagem pelas autoridades é bastante aceitável.

Muitos especialistas acreditam que a China estará efetivamente sem a circulação de dinheiro vivo entre cinco e 12 anos. Se você quiser um maço de cigarros em Pequin em 2030, certifique-se de seu celular está funcionando. Crédito: Aurelien Foucault.

Em agosto de 2013, o WeChat introduziu a função de pagamentos; os pagamentos dentro da loja foram lançados em setembro de 2014. O WeChat Pay permite que seus usuários vinculem as contas do WeChat com as contas bancárias. Assim, eles podem fazer compras por meio do aplicativo tanto em lojas físicas quanto on-line – em geral, escaneando o QR code nas lojas físicas – e também transferir dinheiro para outros usuários. "Eu vou WeChat a minha parte" é talvez a frase mais ouvida nos restaurantes de Pequim hoje em dia.

A Tencent afirma que cerca de 600 milhões de usuários usam seus serviços de pagamento móvel, incluindo o WeChat; a Reuters estima que transações no valor de 556 bilhões de dólares foram feitas pelo aplicativo em 2016. A Alipay, que opera de modo similar ao WeChat Pay, tem cerca de 270 milhões de usuários ativos, com cerca de 175 milhões de transações diariamente.

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"A geração mais jovem nunca leu um jornal impresso e, da mesma maneira, no futuro nunca usarão dinheiro vivo."

É difícil não perceber a mudança. Todos os dias, na hora do almoço, filas de clientes abanam seus celulares e ouvem um "bip", como se fosse uma caixa-registradora, mas sem esperar pela nota fiscal. Os QR codes estão impressos em cartões e colados em barraquinhas de enrolados de frango do lado de fora das estações de metrô. Na província oriental de Shandong, pedintes foram vistos com placas de QR codes no pescoço. Não tem trocado? Escaneie aqui.

"Estamos em um ponto de virada", disse Rhia Liu, 25 anos, analista na China Tech Insights, empresa que conduz pesquisas para a Tencent. "A geração mais jovem nunca leu um jornal impresso e, da mesma maneira, no futuro nunca usarão dinheiro vivo."

Ano passado, a China Tech Insights publicou um relatório após entrevistar usuários da chinesa WeChat, que, novamente ressaltaram o aumento dos pagamentos via celular. A empresa descobriu que em 2015, 65% dos usurários gastou menos de 500 ienes (aproximadamente $73 e R$ 250) por mês por meio do WeChat Pay, mas, em 2016, o número caiu em 40%. Quarenta e cinco por cento dos usuários afirmaram que usam o WeChat Pay porque não carregam dinheiro consigo, e aproximadamente 60 a 65% afirmaram que o utilizam por ser "rápido" e "fácil", respectivamente.

"As pessoas basicamente vivem por meio dos smartphones na China", afirmou Ben Cavender, analista sênior da China Market Research Group, em Shangai. "Se você comparar os EUA com a China em termos de como as pessoas acessam a internet, a China é muito mais inclinada a utilizar smartphones. As pessoas ainda gastam muito de seu tempo nos celulres, e para elas é lógico ter todas as ferramentas de que precisam em um único lugar."

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É quase impossível encontrar um vendedor de loja em Pequim que não aceite pagamento por meio dos smartphones. Fora da capital, pedintes foram vistos com QR codes impressos em placas no pescoço para receber doações digitais. Foto: Aurelien Foucault.

Observar a natureza do ambiente on-line singular e altamente controlado na China ajuda a compreender porque a sociedade chinesa se tornou cada vez mais independente do dinheiro vivo. Muitas mídias sociais e aplicativos de troca de mensagens populares e globais, incluindo Facebook, Instagram e Twitter, são bloqueados pelo governo da China por meio do Grande Escudo Dourado, também conhecido como Grande Firewall, dando a empresas chinesas, como o WeChat, liberdade para dominar o mercado.

Enquanto em muitos países os usuários buscam aplicativos para tarefas específicas – o Instagram, para publicar fotos, o WhatsApp para trocar mensagens, Twitter, o para postar publicamente – na China, todas essas funções são feitas por meio de um único aplicativo: o WeChat. Introduzir a função de pagamento em um aplicativo utilizado de modo tão abrangente tornou a substituição do dinheiro em moeda pelo virtual uma etapa natural.

Muitos pagamentos via smartphone na China são feitos para itens e serviços pequenos, como refeições, bebidas e revistas. Mas a quantidade média de pagamentos está aumentando conforme as pessoas compram itens maiores e os pagam via celular. Crédito: Aurelien Foucault.

O aumento dos pagamentos on-line e dentro das lojas via WeChat ajudou a estimular o sumiço do dinheiro em papel. A China tem um cenário de e-commerce vibrante – as vendas on-line no país foram estimadas em aproximadamente 900 bilhões de dólares no ano passado – amparadas por gigantes do varejo, como o Taobao, semelhante ao eBay, e uma geração de jovens comerciantes que utilizam pagamentos on-line para expandir seus mercados.

"Empresas como o Alibaba fizeram um trabalho excelente em levar pessoas para o meio econômico", afirmou Zennon Kapron, fundador da Kapronasia, empresa de pesquisa de mercado com foco na Asia. A empresa trabalha com a Better Than Cash Alliance, uma rede de entidades comerciais e governamentais nas Nações Unidas que promove a transição de dinheiro em papel para o digital.

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"Se você observar as plataformas como a Taobao e a T-Mall […] o número de pequenas empresas capazes de vender seus produtos [é grande]", Kapron afirmou. "Você pode ser um comerciante em Xinjiang que vende temperos e tem clientes em toda a China.
"Há uma geração de jovens bastante conectada e adepta a utilização de celulares, e empresários incrivelmente inteligentes chegando ao mercado com soluções interessantes e mudando a maneira como as pessoas consomem", Kapron acrescentou. "Tudo isso acaba colocando o pagamento em dinheiro vivo em segundo lugar."

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A questão é: quando é que as últimas moedas e notas da China serão depositadas no cofrinho virtual? As estimativas dos analistas com quem conversei variam entre cinco e 13 anos.

Liu, a analista da China Tech Insights, já chegou nesse ponto. Ela conta que a última vez que usou dinheiro em papel foi há uma semana – unicamente porque o metrô de Pequim não aceita pagamento via celular para seus cartões. Ela conta que também paga o aluguel via smartphone.

"Em cinco anos, as cidades de primeiro nível terão uma penetração completa da tendência em não usar dinheiro físico."

A pesquisa de Liu encontrou diferenças entre os níveis de pagamentos via celular feitos pelos usuários em cidades de primeiro e segundo níveis em comparação aos de cidades de terceiro nível, e de níveis inferiores. "Em cinco anos, as cidades de primeiro nível terão uma penetração completa da tendência em não usar dinheiro físico", ela afirmou. A infraestrutura em cidades de níveis inferiores não é fácil de ser alcançada, de acordo com Liu. Porém, "a tendência aumentará nessas regiões, mas demorará mais tempo para serem adotadas".

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Kapron estima que, pelo ano de 2030 a China estará "para todos os planos e propósitos, sem dinheiro físico". Ele acrescenta que o processo acelerará quando o governo central decidir anunciar uma sociedade sem dinheiro físico como objetivo, o que ele acredita que faz sentido, economicamente, para o país.

"Os governos em todo o mundo não querem mais dinheiro físico", afirmou. "É caro produzir dinheiro, e ele não acarreta transparência ou segurança. A China está buscando um tipo de 'e-RMB' [uma moeda digital], e está investindo nisso."

Um número cada vez maior de pessoas em Pequim não sente a necessidade de carregar dinheiro consigo, por isso, as carrocinhas de comida de rua precisam aceitar o pagamento por meio do QR code para sobreviver. Crédito: Aurelien Foucault.

Wang Pengbo, analista financeiro na empresa de pesquisa Analysys prevê que a China estará sem dinheiro físico entre "cinco e dez anos", e que isso é positivo para o mercado, para o governo e para as pessoas.

Além de facilitar as transições na China para os vendedores que se utilizam do e-commerce, eliminar o dinheiro vivo corta os custos de empresas dos bancos em gerenciar a moeda em papel. O presidente Xi Jinping está empenhado em combater a corrupção, e pode se beneficiar também, pois as transações digitais são mais fáceis de serem investigadas do que a viagem de malotes de dinheiro. As notas falsificadas, comuns na China, serão um problema do passado.

"A China já é a maior sociedade sem dinheiro físico; agora, você pode sair sem dinheiro em cidades grandes, e muitas empresas de pagamento terceirizadas [como a WeChat e a Alipay] estão se desenvolvendo rapidamente", afirmou Wang. "O banco central está promovendo esse conceito de 'sair sem dinheiro vivo' e o governo está fazendo um bom trabalho em orientar o e-commerce."

Se forem necessárias mais evidências de uma sociedade sem dinheiro vivo do que uma caminhada pela Pequim central, onde filas de pessoas escaneando as placas com seus smartphones, Wang vai fornecê-las.

"Outro dia eu li um artigo sobre um ladrão que entrou em três lojas seguidas", ele disse. "E não encontrou um único iene para roubar."

Já é o suficiente para comprar seu Super Imperador.