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Tecnologia

Cientistas descobriram como apagar lembranças específicas da mente de lesmas

Igual ao filme ‘Brilho eterno de uma mente sem lembranças’, só que com moluscos.
Crédito: Wikimedia/Staticflickr.

Apagar lembranças de ex-relacionamentos ridículos não é mais só história de cinema. Um novo estudo com neurônios de lesmas sugere que é possível apagar lembranças específicas dos bichinhos e, segundo os autores, no futuro, um medicamento poderá fazer o mesmo com seres humanos.

Para entender o progresso dos cientistas, é preciso explicar que as lembranças de longo prazo são moderadas por sinapses. As propriedades dessa região — que permite a comunicação entre neurônios — podem ter sua força aumentada ou diminuída. Isso é o que faz a manutenção da memória. O que a pesquisa conseguiu foi reverter a intensidade das ações pelo local. "Fomos capazes de reverter alterações de longo prazo na força sináptica naquelas sinapses conhecidas por contribuir com as diferentes formas de lembrança", escreveu o coautor Samuel Schacher, professor de neurociência do Centro Médico da Universidade de Columbia, nos EUA, por e-mail.

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Neurônios de lesmas. A atividade da molécula PKM é bloqueada. Crédito: Schacher Lab/Columbia University Medical Center.

No estudo, publicado na semana passada na Current Biology, pesquisadores das Universidades McGill, no Canadá, e da Columbia, nos EUA, utilizaram uma lesma marinha chamada Aplysia e apagaram seletivamente certos tipos de lembranças sinápticas de longo prazo. Eles descobriram que a força das lembranças associativas e não-associativas é mantida por dois tipos diferentes de moléculas de proteína cinase M (PKM) e, ao bloquear uma dessas moléculas, eles poderiam decidir quais lembranças seriam bloqueadas.

"Observar os circuitos neurais, sobretudo a identidade de células específicas que codificam uma memória não é tão simples, então imagine examinar se elas estão alterando a força delas", escreveu Schacher. "No estudo, fomos capazes de reverter alterações de longo prazo na força sináptica em sinapses conhecidas por contribuir com formas diferentes de lembranças que duram várias semanas."

Nesse ponto mora algo crítico: os pesquisadores não têm certeza se apagaram lembranças que permanecerão apagadas permanentemente.

Pode-se imaginar que a remoção de lembranças seletivas realmente ajude alguém que sofre de ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático ou outro trauma relacionado a eventos passados. Acontece que as lesmas não são seres humanos, e muitas pesquisas em animais de laboratórios não são bem traduzidas para os humanos. Ainda assim, os pesquisadores afirmam que suas descobertas abrem as portas para oportunidades de desenvolvimento de medicamentos para apagar lembranças que ativem ansiedade e distúrbio de estresse pós-traumático sem impactar em outras memórias maiores.

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Em um acontecimento traumático, várias lembranças, muitas vezes, se entrelaçam, incluindo lembranças de fatores neutros presentes quando o evento aconteceu. Parte dessa pesquisa visa a ajudar pessoas com memórias ativadoras, que têm pouco a ver com o acontecimento traumático por si, além de unicamente "estar lá", e desvincular a ativação do trauma.

Por exemplo: uma pessoa é assaltada e vê uma caixa de correio. Pesquisadores afirmam que caixas de correio podem ativar sensações de ansiedade posteriormente, quando essa mesma pessoa levar uma carta ao correio.

"Nesse mesmo exemplo, ter medo de lugares escuros é uma lembrança associativa que fornece informações importantes – locais pouco iluminados podem levar a outro assalto – com base em uma experiência associativa anterior", escreveu Schacher. "Já o medo de caixas de correio, entretanto, é uma memória acidental não relacionada ao acontecimento. O apagamento seletivo desse tipo de lembrança será benéfico."

Apesar das boas intenções, se há uma lição aprendida com os filmes sobre drogas que mexem com as lembranças é devemos manipulá-las com muita cautela.

"Obviamente, medicamentos desenvolvidos para ajudar indivíduos com necessidades reais podem levar ao abuso, assim como opioides, criados para anestesias ou alívio da dor, agora são utilizados como drogas de abuso", escreveu Schacher. "Um papel essencial do governo é regularizar o modo como os medicamentos são testados e distribuídos, e garantir que os profissionais da saúde os utilizem de modo apropriado."

A próxima etapa é aprofundar a pesquisa sobre como moléculas fortalecedoras de lembranças são produzidas antes que os cientistas possam determinar quais substâncias podem bloqueá-las. Até lá, estamos um pouco longe de ver o brilho eterno da mente sem certas lembranças se tornar realidade.