Como computadores escrevem poesia
Crédito: Andy Li/Flickr

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Como computadores escrevem poesia

É fácil criar um software que cria poesia. Mas os cientistas da computação querem ir além: lançar um programa que seja criativo por si só.

Na adolescência, a americana Sarah Harmon usou o Java para criar um programinha que escrevia poesias. O software recebeu o nome de OGDEN. Em 2008, ela usou o pseudônimo Dan Goshen, um anagrama de Ogden Nash, para enviar um de seus poemas à revista literária de sua escola.

"Eles aceitaram", relembra Harmon, aos risos. "Embora eles tenham comentado o fato dele ser tão abstrato, aceitaram."

Ela conta que o OGDEN não era um programa dos mais complexos. Ele seguia regras de gramática e estrutura predefinidas para compor versos aparentemente poéticos. Um exemplo: Ele era perfeitamente estranho, / Seu mundo era timidamente perdido, / Então ele sorveu seus sonhos.

Publicidade

Hoje Harmon é uma pós-graduanda em ciência da computação da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, nos Estados Unidos. Ela diz ser fácil criar um programa que escreva poemas considerados publicáveis por outros humanos. Mas agora ela quer ir além: seu objetivo é criar um programa verdadeiramente criativo.

Os cientistas ainda não entraram em acordo sobre o que é a criatividade. Ainda assim, Harmon e outros pesquisadores estão explorando novos rumos. A esperança deles é criar um software capaz de escrever poesia de forma mais sofisticada. Pode-se dizer que, numa série de sucessos e fracassos, esses programas de linguagem poética estão aprendendo aos poucos o que é ser humano.

---

Crédito: Shutterstock

---

Um dos primeiros bardos digitais se chamava Racter. O programa escrevia prosa de forma aleatória. Os trechos mais interessantes foram reunidos em um livro de poesia e diálogos surreais publicado em 1984, o The Policeman's Beard Is Half Constructed. Programas do tipo exigem um processo cuidadoso de seleção para que sua obra faça sentido, afirma Harmon. Ela queria criar algo mais próximo de um autor humano. Buscava uma ferramenta capaz de avaliar suas próprias ideias e selecionar as melhores.

Segundo ela, os poemas escritos pelo OGDEN ou pelo Racter podem até parecer intrigantes na primeira ou segunda leitura. Mas, quando se lê muitos desses poemas, é possível identificar seus padrões. Em suma, eles deixam de surpreender.

Publicidade

"Nós, os criadores de sistemas, também queremos nos surpreender", diz Harmon. "Para mim, essa é uma das características mais importantes dos sistemas criativos."

Para sua tese, Harmon trabalha em outro desafio no campo da criatividade computacional: um software que transforma prosa narrativa numa linguagem mais simples e adequada para leitores com pouco conhecimento de inglês. Ela afirma que seu trabalho de poesia cibernética é "apenas um passatempo".

Seu mais recente programa se chama FIGURE8. Em vez de compor poemas inteiros, Harmon decidiu focar em um elemento crucial da poesia: a linguagem figurativa. O objetivo do programa seria criar boas comparações, também conhecidas como símiles. "Eu queria criar um conteúdo compreensível, surpreendente e cheio de significado", diz Harmon.

Primeiro, Harmon leu pesquisas das áreas de psicologia e linguística para entender o que define uma boa comparação. Durante essa etapa ela descobriu que clichês são ruins. Uma boa comparação deve ser inovadora e compreensível — o leitor deve compreender porque as duas coisas são parecidas. Ela deve ser apropriada, mas inesperada. Harmon descobriu que as comparações mais interessantes associam coisas que compartilham algumas características, mas não muitas. Comparar um morango à uma cereja, por exemplo, não é nada impressionante.

O sistema do FIGURE8 é regido por algo chamado "raciocínio baseado em casos". Quando Harmon pede para que o programa descreva um certo substantivo, ele checa seu arquivo interno para ver como outros autores descreveram a mesma palavra. Que palavras eles usaram? Quais são as propriedades dessa coisa? Que ações ela pode realizar? Harmon encheu a biblioteca do software com todas as obras em domínio público que ela conseguiu encontrar. Ah, e é bom ressaltar: o programa também tem acesso à internet.

Publicidade

Diferentemente da maioria dos programas de poesia que seguem um padrão rígido, o FIGURE8 pode aprender com outros autores novas formas de construir orações. Ele também pode inferir as "regras invisíveis" de uma língua, afirma Harmon. O programa aprendeu, por exemplo, que é possível escrever dois ou três adjetivos consecutivos ou acrescentar um fragmento de oração ao início de uma oração simples. Uma das primeiras frases criada pelo programa foi Como uma lua pálida, o jardim à sua frente se iluminou.

Tal como um autor humano acostumado a revisar seus textos, o FIGURE8 cria diversas comparações para analisá-las em seguida. Ele classifica todas as comparações de acordo com os critérios de clareza, originalidade, adequação e surpresa estipulados por Harmon. Se uma pesquisa na internet revelar que ninguém nunca associou essas duas coisas, o FIGURE8 conclui que essa comparação pode ser confusa. Se as duas coisas fazem parte de uma mesma categoria — como a cereja e o morango, ambas frutas — a comparação recebe uma nota baixa no quesito surpresa.

Alguns outros pesquisadores também estão usando sistemas de raciocínio baseado em casos para criar poesia. O ASPERA, criado por Pablo Gervás da Universidad Complutense de Madrid, na Espanha, gera poesias em espanhol em três diferentes formas tradicionais.

---

Crédito: Shutterstock

---

Quando Harmon viu os primeiros resultados do FIGURE8, ela "não fazia ideia de onde ele estava tirando todas aquelas conexões e estruturas frasais". "Fiquei muito empolgada", conta.

Publicidade

Para fazer uma avaliação objetiva da obra de seu programa, Harmon recrutou voluntários do site Amazon Mechanical Turk. Num primeiro estudo, os voluntários liam e avaliavam as orações mais complexas do FIGURE8. Mas a tarefa logo se tornou cansativa, conta Harmon. Era quase como um exercício de uma aula de gramática. Assim, para o estudo apresentado na edição desse ano da Conferência Internacional de Criatividade Computacional, Harmon restringiu a produção do programa a orações simples que seguiam determinados padrões. Não formavam a obra mais empolgante do FIGURE8, mas as estruturas eram mais fáceis de comparar.

Cada voluntário lia um grupo de cinco orações por vez. As comparações eram então classificadas em relação à clareza e à agradabilidade. Em seguida Harmon comparou essas notas às notas que o programa havia se dado em relação aos mesmos quesitos. Harmon descobriu que as notas dos voluntários eram bem próximas das notas do próprio FIGURE8. Tanto os humanos quanto o computador concordaram, por exemplo, que A rainha levanta como um firme castelo era uma comparação boa e clara. Mas eles também concordaram que Era sua pérola, amarrotada como um afogado não fazia muito sentido.

Harmon gostaria que escritores e outros especialistas também julgassem o trabalho do FIGURE8. Seus voluntários tendiam a dar notas maiores para as comparações mais óbvias. A neve continuou como uma chuva forte recebeu boas notas, por exemplo, muito embora Harmon tenha a considerado uma frase medíocre. Ela preferiu A neve cai como um gato morto, que recebeu uma resposta morna dos leitores. "Talvez eles amassem gatos", diz.

Publicidade

Apesar de alguns probleminhas técnicos, Harmon considera o FIGURE8 "muito mais eficaz do que esperado ".

---

Crédito: Shutterstock

---

Independentemente da qualidade dos resultados, é difícil afirmar que o FIGURE8 escreve frases poéticas de forma deliberada. Será que o programa está sendo criativo por acidente? "Podemos criar infinitas explicações para o significado de um poema", diz Harmon. "Mas isso não significa que o sistema é criativo." Ela acredita que, no futuro, os computadores poderão escrever poemas por livre e espontânea vontade — mas nós ainda não chegamos lá.

O cientista da computação Geraint Wiggins, da Universidade de Londres, definiu a criatividade computacional como o estudo de "comportamentos… que seriam considerados criativos caso apresentados por humanos". A questão é: comportamento e resultado são a mesma coisa? Os pesquisadores ainda tentam responder essa pergunta.

Poetas artificiais nem sempre precisam de criatividade para agradar humanos; a aleatoriedade e a adequação podem ser características tão ou mais importantes. "Alguns bots produzem resultados surpreendentes com ferramentas de linguagem muito simples", escreveu o cientista da computação Tony Veale em 2015. Ele citou o @Pentametron, um bot do Twitter criado pelo artista Ranjit Bhatnagar. O bot procura tuítes escritos acidentalmente em pentâmetro iâmbico e, em seguida, os retuíta em dísticos rimados: Is this a pimple or mosquito bite / I need a dancing partner for tonight. ("Isso é uma espinha ou picada / Preciso de alguém para dançar comigo hoje à noite").

Publicidade

Veale comanda o grupo de criatividade computacional da Universidade de Dublin, na Irlanda, cujos projetos incluem o bot @MetaphorMagnet e um gerador de símiles irônicas chamado Sardonicus. O grupo é também uma das cinco equipes de pesquisa que trabalham na What-If Machine (WHIM ou Máquina-E-Se em tradução livre). Esse software cria cenários fictícios como: E se um aspirador de pó aparecesse no seu jardim e de repente se transformasse num gato que pode nadar? (Vale acrescentar que o projeto ainda está no início.)

O líder do projeto WHIM é Simon Colton, presidente do grupo de criatividade computacional da Universidade de Londres, na Inglaterra. Colton descreve sua posição sobre a poesia gerada por computador como "radical". Ele afirma que o FIGURE8 é um passo importante rumo a programas de poesia cada vez mais humanos. No entanto, ele acredita que Harmon, assim como grande parte dos especialistas em criatividade computacional, está ignorando um problema crucial. Ele o chama de abismo de humanidade.

"As pessoas se conectam por meio da poesia", diz Colton. Conhecer o autor de um poema faz parte da nossa experiência de leitura. Um mesmo poema pode ser lido de forma diferente caso seu autor seja apresentado como homem ou mulher, por exemplo.

Sem esse fator humano, diz Colton, "temos que nos perguntar: qual é o propósito de uma poesia gerada por computador?"

Colton acredita que a poesia gerada por computador deveria ser vista como um gênero à parte, distante da poesia humana. E em vez de julgar um poeta artificial com base apenas em seus resultados, Colton quer analisar a parte "criativa" do processo. Seu programa, chamado Full-FACE, escreve poemas baseados em artigos jornalísticos. Junto de cada poema, ele produz um resumo do seu processo criativo. Eu li um artigo na seção de cultura do Guardian intitulado: "Congresso Sul-Africano comemora centenário com um momento ao sol" escreveu o Full-FACE na explicação de um de seus poemas. Em seguida o programa escolheu um trecho sobre um homem que estava vestindo um macacão azul:

Publicidade

a atenção repetitiva de alguns cânticos africanos tradicionais

uma luta heróica, como a personalidade de um soldado

um insuportável momento simbólico, como um grito

macacão azul, tal como um mirtilo

alguns presidenciais muitos líderes altruístas

oh! presidentes influentes

presidentes tão bons

macacão azul-mirtilo

macacão azul-cotovia

uma luta cavaleiro-heróica

Stephen McGregor, pós-graduando em criatividade computacional da Universidade Queen Mary de Londres, concorda que testar a poesia computacional com base no teste de Turing é menos interessante do que explorar seu processo criativo. Ele chama isso de abordagem "holística" da criatividade computacional.

Em um recente festival de poesia em Londres, McGregor apresentou o programa no qual ele trabalha. O programa usa um modelo de linguagem que transforma palavras em pontos dentro de um plano tridimensional. A forma com que esses pontos se dispõem no espaço representa a forma como as palavras se conectam na língua inglesa. E é nessa imagem que o programa se baseia para escrever poesia.

"É no espaço em si que novos significados aparecem", diz McGregor, numa alusão à sua própria noção de criatividade.

---

Crédito: Shutterstock

---

Criar computadores mais criativos também pode ser um bom negócio.

Esse é o objetivo do Poetry for Robots, um projeto criado por Corey Pressman, um sócio da agência digital Neologic. No site, humanos podem escrever versos poéticos inspirados em imagens aleatórias. Esse input vai para um banco de dados de emoções e impressões humanas associadas a diversas imagens. Pressman espera que esse depositório aperfeiçoe os algoritmos de busca. Afinal, associações implícitas entre objetos e eventos — o que nós chamamos de poesia — são o que os computadores chamam de metadados.

Publicidade

Segundo Pressman, a experiência tem sido um sucesso. O projeto chama a atenção de grandes empresas, diz. Mas ele acredita que a verdadeira poesia robótica seria bem diferente.

"Eles escreveriam poemas sobre como seus algoritmos estão confusos ou coisas como 'meus chips estão meio molhados hoje'", diz. "Outros robôs entenderiam isso, mas nós não. Acho que seria um grande sucesso."

Sarah Harmon também quer melhorar a relação entre humanos e máquinas. No fim, seu objetivo não é criar um programa que escreva ótimos poemas, e sim originar um pequeno adendo à criatividade humana. "Ao final desse processo, esperamos descobrir mais sobre a criatividade humana", ela diz. "Como os computadores podem contribuir para esse processo, como eles podem nos ajudar a alcançar nosso potencial?"

Se os computadores podem simular o processo de criação de ideias, talvez eles possam nos ajudar com outros tipos de problemas, diz Harmon. Coisas como composição de músicas ou criação de receitas ou até mesmo novas técnicas para construir pontes.

E embora essa parceria possa guiar a humanidade rumo a novos espaços criativos, talvez nós nunca tenhamos um poeta robótico.

"Caso um computador resolvesse escrever poesia, ele provavelmente escreveria sobre a experiência de ser um computador", diz Stephen McGregor. No entanto, ele acrescenta: "duvido muito que um computador tenha algo interessante a dizer".

Tradução: Ananda Pieratti