Moyan Brenn/ Flickr
Dizem que o homem pisou na Lua há mais de 45 anos. Dizem. E agora dizem que vamos pisar em Marte em menos de 15 anos. A julgar pelo tom de voz do pessoal, o papo é sério.Há quatro anos comecei a vir para o SXSW, o SouthBySouthWest, o maior e talvez único evento que reúne o que há de mais novo e disruptivo em tecnologia, cinema e música em Austin, no Texas, nos EUA, e sempre fico intrigada pela presença da Nasa e do governo americano no evento. O que esses caras querem, afinal?Conspirações à parte, a agência espacial se posiciona como espécie de Disney para os nerds. Além de montar ambientes interativos onde muita gente tira fotos vestidos de astronautas e toca em objetos trazidos do espaço, os caras também escalam equipes de viajantes especiais e engenheiros que recrutam uma galera e dão uma prévia de futuras descobertas marcianas.Leia também: As melhores férias no espaço que o dinheiro pode comprarCom leve esperança de ser escolhida para uma missão espacial, este ano fui assistir a uma palestra intitulada "Humanos, Robô + micróbios: o desafio de Marte". Na mesa estava o Dr. Kimberly Hambuchen, que coordena o desenvolvimento de interfaces de IA para a operação de robôs em missões no espaço, a Dra. Monsi Roman, microbiologista da Nasa e, por fim, Robert Ambrose, engenheiro responsável pelo desenvolvimento de tecnologia para missões espaciais.Ainda que meu objetivo de me tornar astronauta freelancer tenha sido adiado — ninguém fora recrutado ali —, deu para aprender mais sobre a previsão citada no começo do texto. Segundo os palestrantes, daqui 15 anos ou mais, a exploração de Marte exigirá o trabalho conjunto de três fatores: micróbios, robôs e humanos. Nessa ordem.Leia também: Os astronautas metafísicosOs micróbios são essenciais para o começo da vida fora da Terra. São eles que diminuirão os problemas de saúde que o organismo humano poderá estar exposto no espaço. São eles também que evitarão dizimar a população de humanos-marcianos caso não sejam bem controlados. Parte do trabalho da equipe da Nasa é estudar como fazer esse tipo de controle. Em seus laboratórios eles tentam descobrir quais são os organismos essenciais no auxílio da manutenção da nossa saúde. Parece difícil, né? E é.Tão ou mais complexo que essa delicada ciência com microrganismos é a segunda peça-chave para a exploração marciana: os robôs. Antes do primeiro ser humano pisar em Marte, afinal, será necessário preparar o terreno. Cientistas terão que construir os ambientes onde viveremos e desenvolver alimento e combustível in loco. Quem fará isso serão os robôs. E a Nasa, o governo americano e o Google estão investindo pesado na produção desses nossos "abre-alas".Leia também: Precisaremos de uma bandeira quando chegarmos à MarteOs robôs precisam ser autônomos e parecidos com a gente. Devem potencializar nossas habilidades. Algumas máquinas precisarão ser mais inteligentes em áreas de cálculos rápidos ou mais fortes para levantar coisas que são pesadas demais para nós. E eles precisam ser "amigáveis", já que serão eles que vão nos dar um abraço de boas vindas quando chegarmos lá. Por isso outra parte do trabalho da missão é desenvolver sistemas e inteligência artificial para que eles possam trabalhar independentes de controle humano. Como? Analisando dados, criando suas próprias conclusões e tomando decisões.Isso bem organizado, aí vêm os humanos.No fim da palestra, aproveitei para fazer uma pergunta que ficou na minha cabeça desde que comecei a ouvir falar do assunto no ano passado: por que a Nasa está fazendo isso? Para tentar ajudar a criar um novo lar já que o nosso mundo será destruído com o aquecimento global?As respostas foram variadas, mas nenhuma delas tinha relação com as mudanças climáticas na terra. E, na verdade, parece que a idéia primordial nem é ir para Marte. A missão é uma oportunidade de desenvolver tecnologias e novas formas de sobreviver aqui mesmo. Tá certo que um dia o sol vai derreter a Terra, mas ainda falta tempo pra isso acontecer. Enquanto isso, podemos desenvolver robôs inteligentes que nos auxiliam a vencer desafios e a desenvolver estudos com microrganismos que podem nos ajudar a achar a cura para diversas doenças que conhecemos menos hoje em dia do que a superfície de Marte. Novas formas de reciclagem de materiais, tecnologias para a produção sustentável de alimentos, de remédios, vacinas. Descobrir maneiras inovadoras de produzir e armazenar energia.Leia também: Quando a humanidade mudará para Marte?E assim, quem sabe, podemos ter a nossa humanidade restaurada quando pudermos trabalhar com o que o humano tem de melhor a oferecer: criatividade, inventividade, amor e deixar o resto para os robôs.Uma missão desse tamanho pode promover a evolução de tecnologias que não seriam possíveis de outras formas, como aconteceu quando Colombo resolveu pegar um navio para desbravar o oceano em busca de um novo mundo. Quantas inovações surgiram? Desde sistemas complexos de navegação até o conhecimento do mapa mundi. Marte é o objetivo, como eram as Índias para Colombo, mas não temos a menor idéia de para onde os ventos podem nos levar no meio do caminho. (E agora, séculos depois, temos a chance de evitar toda a parte ruim da exploração.)No fim da palestra, uma pessoa da platéia perguntou para o Dr. Ambrose se realmente fomos até a Lua. Ele confirmou: óbvio que fomos. Outra dúvida me veio à cabeça: será que daqui a muitas décadas duvidaremos que pisamos em Marte também? Mas aí é muita problematização para pouco tempo de conversa na terra de Trump.Janaina Augustin é diretora do núcleo de inovação Outras Telas, da O2 Filmes
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