​Do WhatsApp ao Hawala, como o Talibã movimenta seu dinheiro pelo mundo
Esta imagem foi publicada num álbum fora de contexto. No entanto, o Braço Multimídia, uma subagência da Comissão Cultural, administra a comunidade online do Talibã. Rumores dão conta de que ela opera laboratórios de computação clandestinos em Kandahar, a segunda maior cidade do Afeganistão, e Quetta, uma cidade paquistanesa que supostamente abriga a liderança do Talibã.

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Tecnologia

​Do WhatsApp ao Hawala, como o Talibã movimenta seu dinheiro pelo mundo

Em nova ascensão pelo Afeganistão, o movimento fundamentalista islâmico agora mescla apps com um sistema antiquado para receber doações e não ter as transferências monetárias rastreadas.

Quando o Talibã começou a usar a internet para arrecadar fundos, o atual governo do Afeganistão nem existia. Nos anos mais recentes, os insurgentes sofisticaram suas comunicações e começaram a usar plataformas de mensagens instantâneas com criptografia de ponta a ponta, como o Telegram, o Viber e o WhatsApp, para solicitar doações.

No último 9 de setembro, o Talibã postou em seu canal do Telegram uma referência à chegada de um feriado muçulmano anual. "Como vocês sabem, o Emirado Islâmico do Afeganistão é o guardião de milhares de viúvas e órfãos e lhes oferece sacrifícios de Eid-ul-Azha," dizia o post, em inglês rudimentar. Ele implorava "para todos os afortunados e simpatizantes islâmicos" contatarem a tesouraria do Talibã por meio de sua conta de Gmail ou um número de telefone ligado ao Telegram, Viber e WhatsApp.

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O pronunciamento não dizia como possíveis doadores poderiam mandar dinheiro para o Emirado Islâmico do Afeganistão, um estado islâmico que o Talibã governou de 1996 a 2001 e cujo nome ainda é usado pela organização para referir-se a si mesma. Oficiais do Talibã se negaram a dar entrevistas a esta reportagem por "motivos de segurança" e disseram que o sistema de transferência monetária usado pelos insurgentes é "um segredo do Emirado".

O Talibã já tinha feito alguns experimentos ocasionais com sistemas de pagamento de e-commerce como o PayPal. Em janeiro de 2010, o Long War Journal publicou uma reportagem sobre uma conta de PayPal que alegava ser filiada ao Taliban e buscava doações em nome dos insurgentes—o grupo condenou a iniciativa em seus sites oficiais pouco tempo depois. Um relatório de 2015 do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos mencionou que investidores com "supostos vínculos" com o Taliban, assim como organizações terroristas árabes e chechenas, estariam usando o PayPal.

Majeed Qatar, um analista e diplomata afegão que conhece as operações do Talibã nas mídias sociais, disse que os insurgentes normalmente usam o hawala, um sistema informal de transferência de valores, para coletar doações. "Dessa maneira eles não precisam se arriscar a transferir dinheiro online", diz.

O hawala gira em torno de um código de honra. O remetente manda dinheiro para um comerciante num país, que telefona a um comerciante em outro país e o avisa da transferência para que o destinatário possa recolher a mesma quantidade de dinheiro no país de destino usando uma senha dada a ele pelo dono da primeira loja no país de origem. "O Talibã transmite essas palavras-chave pelo Telegram e WhatsApp para não ser detectado", disse Qatar.

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Campanhas internacionais contra o financiamento do terrorismo têm tido dificuldades para lidar com o hawala por dois motivos. Em primeiro lugar, sua independência em relação ao sistema financeiro global evita que softwares anti-lavagem de dinheiro monitorem as transferências feitas via hawala. Em segundo lugar, o hawala segue sendo popular entre muçulmanos pobres na África e na Ásia porque permite que eles mandem dinheiro a seus países de origem sem pagar taxas bancárias. Isso acrescenta outra camada de complexidade à tarefa de diferenciar transações legitimas das criminosas.

"Posso dizer com absoluta confiança que o monitoramento dos inimigos não afetou nossas atividades", declarou o ministro de finanças do Talibã numa entrevista a um site militante em julho de 2013. "Qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo para os Mujahidin do Emirado Islâmico por meio desses canais de transferência seguros e confiáveis." Durante a entrevista, ele também pediu a muçulmanos que fizessem doações, mencionando o mesmo endereço de Gmail usado no pronunciamento de setembro de 2016, mas dois números de telefone diferentes.

O Motherboard não recebeu nenhuma resposta quando mandou pedidos de entrevista em dari, inglês e pashto aos dois endereços de e-mail e três números de telefone que os relações-públicas do Talibã forneceram a potenciais doadores em seus pronunciamentos anteriores. As contas de Telegram, Viber e WhatsApp conectadas ao número de telefone no press release publicado no Telegram estão inativas há um mês, e a conta de Gmail mencionada em 2013 e 2016 parou de postar no Google+ há três anos.

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Os insurgentes pediram doações em muitas outras ocasiões em 2012 e 2015, às vezes listando também um endereço do Yahoo Mail, que o Motherboard tentou contatar de maneira similar sem resposta. De acordo com o livro The Taliban's Virtual Emirate: The Culture and Psychology of an Online Militant Community [O Emirado Virtual do Talibã: A Cultura e a Psicologia de uma Comunidade Militante Online, sem edição em português], desde 1998 o site de uma instituição de caridade pedia doações a apoiadores da jihad contra os opositores do Talibã financiados pelos russos e indianos.

O Dr. Neil K. Aggarwal, um psicólogo cultural e autor de The Taliban's Virtual Emirate, afirma que o Talibã também ganha dinheiro com anúncios em seus sites. "Embora a quantidade de dinheiro arrecadada com esses anúncios seja inferior à quantidade alcançada por suas operações em offline no Afeganistāo, os anúncios de qualquer forma servem como uma maneira conveniente para que consumidores desse conteúdo contribuam para a causa," disse ele.

"É uma maneira para o Talibã seguir recordando as pessoas que não estão no Afeganistão—e portanto não conhecem suas operações—que eles ainda são relevantes", acrescentou ele.

O Talibã tem gastado muito de seus recursos para levar sua mensagem a muçulmanos ao redor do mundo, incluindo no ocidente, onde ele tem incitado ataques. Os insurgentes têm canais no Telegram em árabe, dari, inglês, pashto, turco e urdu. Grupos de WhatsApp em dari e pashto incluem centenas de números de telefone do Irã, Paquistão e do Golfo Pérsico, de onde o Talibã recebe a maior parte de suas doações.

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O Talibã desenvolveu um calendário de 2017 em papel brilhante estampado com o logo de seu governo em exílio, o Emirado Islâmico do Afeganistão. Os insurgentes distribuem imagens do produto via Telegram e WhatsApp.

As tentativas de arrecadação de fundos do Talibã dependem de duas estruturas de poder dentro de seu governo em exílio: a Comissão Cultural, responsável pela propaganda e relações públicas, e a Comissão Econômica, responsável pela lavagem dos lucros do Talibã em seu comércio ilegal de drogas e pela administração da tesouraria. Essas duas aspirantes a agências de governo, por sua vez, respondem à Quetta Shura, a liderança das diversas facções do Talibã organizadas ao longo da fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.

O governo afegão, que há muito tempo acusa o Paquistão de abrigar e patrocinar o Talibã, deu resposta ambígua à arrecadação de fundos online. "Até onde eu sei, o Talibã não é um grupo avançado," disse Dawlat Waziri, porta-voz do ministério da defesa do Afeganistão, numa tentativa de colocar em dúvida as habilidades tecnológicas dos insurgentes. Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional do Afeganistão, por sua vez, reconheceu o problema mas deu poucos detalhes.

"Temos informações de fontes confiáveis confirmando que terroristas e grupos do Talibã estão usando a tecnologia e muitos outros aplicativos para encontrar recursos para sua guerra inadmissível," disse à Motherboard Tawab Ghorzang, porta-voz do conselho de segurança nacional. "Nossas equipes de segurança digital, usando tecnologia e aplicativos sociais, está trabalhando para detectá-los e evitar que eles atraiam recursos e recrutem pessoas."

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Os aliados americanos do Afeganistão têm adotado postura mais proativa contra o financiamento do terrorismo, monitorando e impondo sanções a organizações criminais envolvidas no esquema de lavagem de dinheiro do Talibã. Serviços de inteligência, autoridades policiais e agências de segurança, da CIA e do FBI ao Pentágono e ao Departamento de Tesouro dos Estados Unidos, criaram forças-tarefa dedicadas a interromper as campanhas de arrecadação dos insurgentes.

O Talibã frequentemente borra os rostos de seus guerrilheiros para que agências de inteligência ocidentais e afegãs tenham dificuldade para identificá-los e rastreá-los nas mídias sociais, o que reduz os riscos de ataques aéreos.

O FBI e o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos recusaram pedidos de comentário para este artigo. Documentos públicos, porém, põem em dúvida a eficácia de sua estratégia. Há alguns meses, a Bloomberg publicou uma reportagem afirmando que o ex-líder do Talibã Akhtar Mansour frequentava o Golfo Pérsico em viagens para arrecadar fundos apesar de o Departamento de Tesouro estar trabalhando com países da região para prevenir o financiamento do terrorismo por lá.

Há poucos indícios de que o governo americano tenha dado prioridade às implicações financeiras da presença online do Talibã depois que as atenções se voltaram à máquina de guerra do Estado Islâmico na internet. "Não estamos monitorando nenhuma tentativa de arrecadar fundos", admite o coronel Michal T. Lawhorn, um porta-voz da coalizão liderada pelos americanos no Afeganistão. Um porta-voz do Pentágono não respondeu a pedidos para comentar sobre o assunto.

Organizações terroristas com mais recursos têm adotado medidas parecidas com as do Talibã. Em junho, um grupo afiliado ao Estado Islâmico na Faixa de Gaza postou infográficos listando os preços de rifles de assalto e outras armas ao lado de pontos de contato por e-mail, telefone, Skype e Telegram. Neste ano, o canal do Estado Islâmico no Telegram solicitou doações em bitcoin, que organizações terroristas podem estar usando há mais de dois anos. Talvez até seus apoiadores americanos estejam arrecadando fundos com a moeda digital.

Enquanto o Estado Islâmico perde batalhas em diversos pontos do mundo muçulmano, o Talibã nos últimos anos recuperou boa parte do território que havia perdido no Afeganistão. Talvez, então, o ocidente deva prestar mais atenção nos avanços tecnológicos complementares dos insurgentes antes que eles aprendam a se esconder de olhares vigilantes.