Cientistas construíram um “mini buraco negro” com ondas sonoras
O invento comprova que os buracos negros não são, digamos, completamente negros. Créditos: Nitzan Zohar, Technion – Instituto de Tecnologia de Israel

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Cientistas construíram um “mini buraco negro” com ondas sonoras

O invento comprova que os buracos negros não são, digamos, completamente negros.

Buracos negros são os objetos mais complexos do universo. Eles contêm uma carga quase inimaginável de energia: para você ter noção, pesquisas sugerem que alguns deles, os supermassivos, ajudam a regular galáxias inteiras.

Eis a última, então: cientistas conseguiram construir em laboratório uma versão menor e mais controlável de um buraco negro. Ao fazer isso, deram grande passo para entender as propriedades obscuras desses objetos superenigmáticos, um desafio da física há pelo menos quatro décadas.

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Para exemplificar um pouco do quanto é difícil estudar o fenômeno, sabe-se agora que os buracos negros não são, digamos, completamente negros: ao que parece, eles emitem um tipo de radiação. Foi o que constatou um experimento que usou um gás ultragelado de cerca de dois mil átomos para gerar um modelo acústico de buraco negro em laboratório, conforme descrito no artigo publicado esta semana na revista acadêmica Nature Physics.

Até então, ninguém tinha sido capaz de detectar a radiação em um buraco negro astrofísico de fato, à espreita no espaço. Agora, porém, um grupo de pesquisa de Israel construiu um mini buraco negro em laboratório e conseguiu detectar algo análogo à radiação usando um material exótico chamado condensado de Bose-Einstein.

Antes de tudo, segue uma breve explicação. Buracos negros são regiões de espaço-tempo com tanta massa comprimida em um pequeno volume que formam uma zona da qual nada consegue escapar — nem mesmo fótons, as particulazinhas que compõem a luz. Isso significa que são beeem negros, por assim dizer. Mas não por completo, pelo menos em teoria. Em 1974, Stephen Hawking sugeriu que, no horizonte de eventos de um buraco negro — a linha que demarca o ponto de não-retorno —, os efeitos enigmáticos da mecânica quântica fazem com que partículas rebentem na existência e se propaguem.

Apesar de fraquinha, a radiação Hawking indica que, pouco a pouco, buracos negros se dissipam e morrem, perdendo energia no processo.

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"As ondas sonoras estão tentando seguir em frente, mas não conseguem. Estão caindo."

O Bose-Eistein o próprio nome já diz: Einstein teve a ver com o prenúncio desse estado de matéria esquisitão. Ele se forma quando um gás diluído é resfriado a uma temperatura muito próxima do zero absoluto. Visto que há pouquíssimo movimento térmico nos átomos que compõem o gás, seus estados quânticos se multiplicam, produzindo um fenômeno ímpar que envolve superfluidez, supercondutividade e a capacidade de simular um buraco negro — neste caso, usando ondas acústicas.

"O problema em ver radiação Hawking de verdade é que o contexto vai além da radiação. Por ser tão frio, [o condensado de Bose-Einstein] apresenta poucas ondas", descreveu o autor principal do artigo, Jeff Steinhauer, cientista do departamento de física do Technion – Instituto de Tecnologia de Israel.

Steinhauer está aplicando a mecânica quântica ao reino clássico da gravidade.

Steinhauer colocou os poucos milhares de átomos de seu gás quiescente em um tubo longo e estreito e, com um laser, fez com que se movimentassem — tudo pronto para replicar um buraco negro com as ondas sonoras do gás. Não é a primeira vez que cientistas produzem um buraco negro "sônico", mas o condensado de Bose-Einstein é a ferramenta ideal para caçar a radiação do tipo Hawking.

O tubo de átomos tem duas regiões: uma em que os átomos se movem devagarzinho, e outro em que se movem rápido. A velocidade dos átomos na região de movimento rápido é maior do que a velocidade da luz contida neles, e o ponto de transição entre essas duas regiões pode ser comparado à água em queda numa cachoeira: é uma aceleração repentina. Também corresponde ao horizonte de eventos de um buraco negro.

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"Assim que os átomos ganham velocidade, as ondas sonoras não conseguem cruzar o fluxo e seguir adiante", disse Steinhauer. "É como tentar nadar contra a corrente. A região dentro do buraco negro é assim. As ondas sonoras estão tentando seguir em frente, mas não conseguem. Estão caindo. É assim que um fóton tenta escapar de um buraco negro."

Quando Steinhauer tateou o terreno além do horizonte de eventos de seu buraco negro sônico, observou ondas sonoras em emissão, o que correspondia à sua expectativa quanto à natureza das partículas de Hawking.

O efeito é tão sútil que Steinhauer precisou repetir o experimento 4.600 vezes, "o que corresponde a seis dias de mensuração contínua", disse ele.

A descoberta tem significado mais profundo do que uma compreensão maior dos confins do espaço-tempo. Ao comprovar a existência da radiação Hawking, ainda que em um buraquinho negro feito em laboratório, Steinhauer está aplicando a mecânica quântica ao reino clássico da gravidade. Os físicos estão doidos para unir esses dois campos, e confirmar a radiação Hawking em um buraco negro astrofísico seria um grande passo nessa jornada.

"Os buracos negros são mesmo um terreno experimental para as novas leis da física", disse Steinhauer. São novas fronteiras destemidas em uma nuvem minúscula de atómos.

Créditos da imagem acima: O cientista Jeff Steinhauer. A luz azul emana do local onde está o buraco negro sônico. Essa luz gera um horizonte sônico.

Tradução: Stephanie Fernandes