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Tecnologia

Como o Anonymous se Uniu em Torno do Culto ao Anonimato

Conversamos com Gabriella Coleman, autora do livro "Hacker, Hoaxer, Whistleblower, Spy: The Many Faces of Anonymous".
Gabriella Coleman em sua palestra sobre o Anonymous. Crédito: TED Conference/Flickr

Hoje, o coletivo Anonymous está associado em grande parte ao "hacktivismo" – o uso de meios eletrônicos para atingir pessoas e organizações por motivos políticos. Porém, em suas origens, o interesse do grupo era algo muito menos grandioso: a arte de irritar as pessoas e se divertir às suas custas, também conhecida como trollagem.

Em seu próximo livro, Hacker, Hoaxer, Whistleblower, Spy: The Many Faces of Anonymous, Gabriella Coleman, que atualmente ocupa a cadeira Wolfe em Alfabetização Científica e Tecnológica na Universidade McGill (Montreal, Canadá) e é a especialista de referência para tudo relacionado ao Anonymous, dá detalhes sobre a história curta, porém atribulada, do coletivo.

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O que conhecemos hoje como Anonymous surgiu no fórum 4chan – especificamente na seção /b/, um espaço conhecido por sua sanguinolência, sexismo e níveis extremos de trollagem. Lá, os usuários tipicamente postam conteúdo sem usar um nome ou qualquer outra forma de identidade fixa. Se por um lado isso é extremamente útil para os trolls evitarem ser identificados, também foi o que ajudou o Anonymous a fazer sua transição de brincalhões da internet ao papel mais ligado ao ativismo que conhecemos hoje.

Segundo Coleman, o primeiro grande marco para os usuários do 4chan (e outro fórum, o 711chan) se envolverem no ativismo foi uma série de ações contra a Igreja da Cientologia em 2008. As ações incluíram o vídeo satírico que introduziu a expressão "We Are Anonymous". Coleman disse que os protestos nas ruas, as pegadinhas e os ataques DDoS humorísticamente chamados de Project Chanology foram o resultado de "alguns elementos que se uniram, formando a 'tempestade perfeita' para o ativismo".

Um protesto do Anonymous. Crédito: Paul Williams/Flickr

"[A Cientologia] é uma organização que representa tudo o que geeks e hackers são contra", disse Coleman. Ela adicionou que, de modo geral, de um lado temos hackers que valorizam experimentação, a abertura e o compartilhamento de ideias. Do outro, temos a Igreja da Cientologia espalhando dogmas. Resumindo, foi "um alvo feito sob medida".

No entanto, Coleman sugeriu que pode ter havido indicações de atividade política no 4chan antes disso. "É interessante que antes da Cientologia e da transformação em ativismo, algumas das campanhas de trollagem tinham uma agenda quase política", ela disse.

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Por exemplo, no ataque ao Habbo Hotel, em 2006, centenas de usuários fizeram log-in na rede social ao mesmo tempo e bloquearam a entrada para a piscina da área. Olhando de fora, era apenas trollagem. Mas Coleman diz que após o primeiro ataque, espalhou-se um boato de que o Habbo Hotel estava banindo avatares com base na cor da pele dos usuários. Se era verdade ou não, é irrelevante: ainda indica uma leve motivação política.

Ao que parece, o ambiente do 4chan serviu como uma espécie de incubadora para que as visões políticas dos usuários se desenvolvessem. "4chan, pelo bem, pelo mal, é uma zona de extrema liberdade de expressão", disse Coleman. Naturalmente, "muitas das operações iniciais, especialmente as da Cientologia, questionavam a censura". O que realmente impulsionava as ações contra a Igreja era a tentativa de censurar uma entrevista com Tom Cruise.

Mas foi só com a Operation Payback, anos mais tarde, que o banner do Anonymous foi cimentado com ativismo político. Essa operação contou com ataques dirigidos a várias grandes organizações, incluindo bancos que se recusavam a prestar serviço à WikiLeaks. "Aquele foi o fator decisivo que nos inclinou ao lado ativista, em vez do Anonymous continuar sendo usado tanto para ativismo quanto para trollagem", disse Coleman. "Agora, era incontestável que o nome podia ser usado para a política."

EU ACHO QUE NÃO TERÍAMOS SABU, JEREMY HAMMOND, TOPIARY E TFLOW [COLABORANDO] SE ELES NÃO FOSSEM ANÔNIMOS.

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Embora a mudança de trolls para ativistas tenha sido dramática, uma coisa se manteve constante ao longo da cronologia do grupo, não apenas no nome: o anonimato.

No 4chan, onde o movimento se originou, o anonimato era tão crucial, que as pessoas que o quebravam, talvez usando nomes reais ("namefags"), eram frequentemente vaiadas por seus colegas tecnologicamente disfarçados. "Eles expõem, escrutinam, e eventualmente várias dessas pessoas são expulsas", Coleman disse. O uso do anonimato, marca registrada do espaço, foi levado às ações políticas por mais do que um motivo. Obviamente, um motivo é que algumas ações políticas do grupo, como ataques DDoS, são ilegais. O anonimato também significava que a atenção poderia focar-se na mensagem que o coletivo tentava transmitir, e não nos indivíduos que a transmitiam (embora, é claro, a marca Anonymous tenha virado uma espécie de celebridade, a seu modo).

Para além disso, Coleman sugeriu que o anonimato ajudou a juntar pessoas que aparentavam ser díspares. "Mesmo que a maior parte das pessoas no Anonymous sejam tipos de geek, o mundo geek é bastante diverso", ela disse. Depois de várias de suas identidades serem reveladas, agora sabemos que o grupo inclui uma mistura quiçá improvável de hackers adolescentes, ativistas políticos mais velhos e entusiastas da tecnologia com habilidades variadas.

"Eu acho que não teríamos Sabu, Jeremy Hammond, Topiary and Tflow [colaborando] se eles não fossem anônimos", disse Coleman.

Das origens trolls ao ethos hacktivista, o anonimato pode ser pelo menos em parte creditado tanto por unir o grupo, quanto por continuar definindo sua missão de mudança.

Tradução: Stephanie Fernandes